Mil-nove-e-oitenta-e-um. É o ano mais importante deste texto. É o ano em que nasce o selecionador Francisco Neto (11 Julho) e é o ano em que nasce também a seleção feminina de futebol (24 Outubro). Isso mesmo, faz hoje 35 anos e um dia.

Em 1981, o 24 outubro calha a um sábado e Portugal viaja para Le Mans. Na bagagem, o sonho. O sonho de competir, o sonho de viajar, o sonho de evoluir com os anos e a experiência. A França tem 20 mil praticantes, Portugal só 400. A diferença é enorme. Pormenor de irreverência: a selecção portuguesa quer jogar com a bola do futebol masculino, a francesa prefere a redonda de tamanho mais reduzido. O sonho começa aqui. E ganha Portugal. Allez allez. O treinador Ribeiro Sousa (ou José Pacheco, de acordo com a versão nacional ou da UEFA) escolhe a equipa com base no Boavista, a mais bem sucedida equipa.

Na baliza, Alice (Boavista). A defesa tem quatro artistas, entre Paulo Freitas (Boavista), Tato (Leixões), Eva (Coelima) e São (Boavista). No meio-campo, o trio Tisa (Coelima), Fátima Azevedo (Boavista) e Alfredina (Leixões) apoia o ataque formado por Paula Leça (Boavista), Isabel Santos (Boavista) e Sílvia (Boavista). Voilà, das onze jogadoras, sete jogam de xadrez, inclusive a capitã Fátima Azevedo. No banco, Gena (Foz), Emília Coelho (Coelima), Olívia (Coelima), Cidália (Coelima) e Albertina (Boavista). Destas cinco, só a última dá um ar de sua graça. E até falha um golo aos 68 minutos, numa confusão na área. É o único lance digno de registo da segunda parte. Na primeira, só uma guarda-redes é chamada a intervir. Falamos de Colombier, a desviar um remate de Isabel Santos, após jogada bem rápida de Sílvia.

Apoiada por 1500 pessoas, a França dá-se mal, très mal. Nem se aguenta nas canetas. Já Portugal dá boa conta do recado para quem se estreia nestas andanças. O nulo dá esperança. A esperança de competir, a esperança de viajar, a esperança de evoluir com os anos e a experiência. A primeira vitória, essa, chegará em 1983, em Espanha, com um golo de Tato (1-0). A alegria é incontornável, o trilho do sucesso está encontrado. Só falta agora dinamizá-lo. Atenção, é um caminho de espinhos. Nada fácil. Aliás, bem difícil. Basta ver o currículo nacional, mais derrotas que vitórias e ainda nenhuma fase final. Uisch, isso dói.

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Dói mesmo. Se a isso acrescentarmos alguns resultados estapafúrdios, como o 13-0 da Alemanha, em 2003, aí então é que a porca torce o rabo. “Que sensação de impotência”, lembra Carla Couto. “Quando os mais fortes são realmente mais fortes, parece que um comboio passou por nós. Ainda por cima, essa Alemanha acabara de se sagrar campeã do Mundo e estava cheia de moral.” Para quem não sabe, Carla Couto é a mais internacional de sempre, com 145 jogos. “Nunca me esquecerei da estreia: 11 do 11 de 1993, no Estádio São Luís, em Faro. Com a Suécia.” Daí até 2012, Carla Couto é uma das dignas emigrantes do nosso futebol.

Forma-se no Sporting, por imposição do pai. “Eu queria era jogar andebol e veja lá onde fui parar.” Segue-se uma aventura imensa. “O Trajouce chegou-se à frente. Daí fui para o 1.º Dezembro, depois saí para o Futebol Benfica e voltei para o 1.º Dezembro. Pelo meio, estive a jogar três meses na China, na fase final da Superliga, fiz a pré-época no Arsenal. De repente, apareceu o convite da Lazio. “Já tinha feito nove jogos pela Lazio e nunca tinha ido ao Olímpico. A minha primeira vez foi para ver o Sporting, na Liga Europa. E vi a águia Vitória. Ou melhor, a irmã da águia Vitória, a do Benfica. Sabias que no primeiro jogo, ela aterrou no relvado, em vez de em cima do símbolo da Lazio? Mas tudo bem, eles, da Lazio, adoraram. Faz parte de um momento pré-jogo que enfeitiça tudo e todos.”

É isso, da águia, e a evolução de Portugal. Com Carla Couto a marcar de penálti, a seleção consegue o resultado mais gordo de sempre em 2011, um 8-0 à Arménia, em Erevan, na qualificação para o Euro-2013. Três anos depois, a federação tem a feliz ideia de apostar num jovem de 32 anos. Estamos a 25 fevereiro 2014 e a sede da FPF enche-se para ouvir Francisco Neto. “É algo de que me orgulho muito, ter o privilégio de ser convidado para selecionador nacional. Independentemente da idade, deixou-me muito feliz e ao mesmo tempo com grande responsabilidade. O futebol feminino está em crescimento, não só em Portugal como em todo o mundo, e estar envolvido nesse crescimento no meu próprio país é algo que me motiva imenso.”

E a adaptação? “Fácil, bastante fácil. Já conhecia o funcionamento e as rotinas da FPF e já conhecia a maioria das jogadoras porque fui treinador de guarda-redes da seleção entre 2008 e 2010.” Como é feito o visionamento das jogadoras que jogam no estrangeiro? “Sempre que possível, deslocamo-nos aos clubes no estrangeiro. Por norma, e não só no estrangeiro, solicitamos aos clubes que nos enviem os vídeos dos jogos. Procuramos ter um relacionamento de proximidade com clubes e treinadores (tanto em Portugal como no estrangeiro) e, já que a maioria dos clubes filma os seus jogos, todos os fins-de-semana temos acesso aos desempenhos das nossas jogadoras.”

Como é o ambiente de balneário da seleção feminina? “O ambiente é muito positivo, de grande amizade e companheirismo. Todas elas partilham o mesmo sentimento: a paixão pelo jogo e por representar o país.” E qual o objetivo traçado por si? “A curto prazo, uma aproximação às seleções do top 20 mundial para conseguirmos cada vez mais disputar os jogos olhos nos olhos. A longo prazo, como é lógico, o apuramento para uma grande competição (Europeu ou Mundial). É algo que todos desejamos. Quem sabe o Euro-2017?”

Quem sabe mesmo? É hoje, o dia. À maratona da qualificação, com quatro vitórias, um empate e três derrotas, segue-se o play-off com a Roménia. A capitã Cláudia Neto é também a goleadora de serviço, com seis golos. Que poderiam até ser mais, caso não falhasse um penálti na Irlanda e outro há quatro dias, na 1.ª mão do play-off, no Restelo. Calma lá, isso são pormenores. Claúdia Neto é claramente a figura e se hoje estamos a escrever isso é devido a ela. O sistema de desempate da UEFA para a fase de grupos é o confronto direto. Ora bem, Portugal acaba com 13 pontos, os mesmos da Finlândia. Quem passa, quem passa como melhor segundo? Portugaaaaaaaal. Ao 0-0 em Helsínquia, responde-se com o 3-2 na Trofa. Aos 27′, 2-0 para as más. Cláudia Neto reduz aos 29′, empata aos 45′ e dá a volta aos 84′. Tudo, tudo, tudo, ela. Cláudia Neto, pois claro. Hat-trick. O segundo de Portugal na qualificação, após Edite Fernandes vs. Montenegro, em Petrovac.

Onde jogam esta Cláudia Neto? No Linköpings, da Suécia. E as outras? A avaliar pelo onze de há quatro dias, aqui vai o onze ideal: Patrícia Morais (24 anos, Sporting); Matilde Fidalgo (22, Benfica), Carole Costa (26, Cloppenburg/Alemanha), Dolores Silva (25, Jena/Alemanha); Sílvia Rebelo (27, Braga), Amanda daCosta (27, Chicago Red Stars/EUA), Suzane Pires (24, Santos/Brasil); Carolina Mendes (28, Djurgadens/Suécia), Ana Borges (26, Chelsea/Inglaterra) e Ana Leite (25, Bayer Leverkusen/Alemanha). No onze, destaque para Matilde Fidalgo. É a mais nova e a única representante daquela selecção nacional sub-19 que chega às meias-finais do Euro-2012. Pois é, o tal sonho começa-se por baixo, pelas camadas jovens. E evolui até aos seniores. Tal e qual o futebol masculino, com o título de campeão europeu de juniores em 1961, com Pedroto no banco, a servir de alavanca para os Magriços em 1966.