O mundo está cheio de problemas que causam angústia ao mais distraído dos habitantes do planeta Terra (em Marte ainda não dá para viver e até as sondas se comportam como se viajassem no IP5). Vladimir Putin, a guerra na Síria, o Brexit e a senhora Le Pen, a ameaça Trump e o Estado Islâmico, os atentados na Europa e a zika que não dá tréguas, as tufões no Haiti e o Boko Haram. O arsenal de Kim Jong-un. E o regresso de Phil Collins.

É verdade, Philip David Charles Collins, o mago da pop que se tinha reformado antecipadamente anunciou o regresso às lides com o lançamento de mais um disco de originais e a publicação de uma autobiografia. A revelação foi feita à revista Rolling Stone em finais de 2015, um sinal forte de que esta grande publicação internacional se converteu à propagação do terrorismo desde o momento em que ofereceu a sua capa a Dzhokhar Tsarnaev, um dos mentores do atentado na maratona de Boston. Na altura a revelação lançou o pânico nos líderes de opinião, gatekeepers e colunistas de suplementos culturais, entre outros admiradores de Will Oldham, Angel Olsen e Benjamin Clementine, mas é agora o momento de rasgar as vestes.

British singer Phil Collins performs during the opening ceremony of the 2016 US Open tennis tournament at the USTA Billie Jean King National Tennis Center in New York on August 29, 2016. / AFP / Jewel SAMAD (Photo credit should read JEWEL SAMAD/AFP/Getty Images)

Phil Collins em Agosto deste ano na cerimónia de abertura do Open dos EUA

Por estes dias, Philip David começou a revelar pormenores sobre a sua tournée de ressurreição, comprovando que o regresso vai acontecer de corpo inteiro e com um espectáculo de luz e som capaz de rivalizar com os melhores lagares de azeite nacionais. O problema é que Philip David parece apostado em estilhaçar as fronteiras entre o bom e o mau gosto, adoptando uma pose desconcertante. Ciente do poder da autodepreciação, que não é um instrumento apenas ao serviço dos humoristas portugueses, baptizou a digressão de “Not Dead Yet”. E, heresia das heresias, foi visto em público e na televisão, o que é quase a mesma coisa, a actuar com os muito respeitáveis The Roots num talkshow norte-americano. Touché, Philip David.

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Diga-se que a questão Phil Collins ficou arrumada para muitos melónamos nos idos de oitenta, quando canções como “Against All Odds” integravam colectâneas em formato vinil e cassete, dividindo o protagonismo com Tina Turner, George Michael ou Ofra Haza, a Madonna de Tel-Aviv. Os tempos dos gloriosos dos Genesis já tinham passado — Peter Gabriel já tinha dado o salto — e Phil Collins tinha encetado um movimento vertical pela ala direita, largando a bateria e assumindo o cargo de vocalista/ponta de lança de uma das bandas mais importantes da história do rock. Com Phil Collins à cabeça (calva) ficavam para trás as composições conceptuais que ombreavam com a duração de uma conferência de imprensa de Vitor Gaspar e os Genesis guinavam em direcção à sempre ambígua pop. Menos teatralidade e extravagância, mais canções orelhudas.

Estava dado o mote para Philip David abraçar também uma carreira a solo, que acabaria por transformá-lo num milionário, num Sir da coroa britânica e também numa espécie de Comic Sans da música. À semelhança da fonte tipográfica, Collins teve a sua era de ouro mas rapidamente caiu em desgraça junto das elites bem-pensantes e dos futuros ouvintes da XFM, entre outras congéneres estrangeiras. Sinal disso mesmo são as petições que apelam a que Collins se mantenha em pré-reforma, desrespeitando assim a vontade do filho Nicholas, que quer muito acompanhar o pai em palco.

A verdade é que, ao contrário do seu compratiota Joe Coker, por exemplo, Phil Collins não ficará para a história como o criador da mais famosa canção para bares de striptease, o que lhe dá uma enorme vantagem moral sobre o bluesman que chegou a actuar em Woodstock, mas que claramente veio a ressentir-se dos consumos recreativos naquela localidade americana. Vá, não há nada de errado em trautear “A Groovy Kind of Love” ou “Sussudio”, desde que os integristas da Pitchfork não estejam nas imediações, caso contrário corremos sério risco de uma fatwa, conceito que assombrou a década de oitenta, e seguintes, de outro artista britânico.

Convenhamos, os versos de Philip David nada têm de ofensivo e muito menos satânico. E a era dos isqueiros em concertos, com a sua naïvité, era preferível à actual enxurrada de smartphones que pululam nos espectáculos ao vivo. Como se hoje só pudéssemos validar uma experiência através de um ecrã ou da opinião arguta de um Marques Mendes. Balelas. Bem-vindo de regresso, Sir Phil. Traz o teu azeite. Não só o ar é de todos como ainda haverá muito boa gente a querer molhar o pão.

Pedro Vieira é consultor da Booktailors, pivô de televisão e ilustrador relutante.