Jerónimo de Sousa deixou esta segunda-feira vários avisos à navegação socialista. Entre o reconhecimento de que a atual proposta de Orçamento do Estado para 2017 consegue dar resposta a alguns dos “prementes problemas” dos portugueses, mantendo a linha de recuperação de rendimentos que tem vindo a ser seguida, o secretário-geral comunista assumiu que este não é o Orçamento de que o “país precisa” e que a margem está cada vez mais curta: o cumprimento de metas de défice cada vez mais ambiciosas pode deitar tudo a perder, foi avisando.

“A opção pela fixação de metas de défice como o previsto para 2017 (de 1,6% do PIB), — que muito para lá do que poderia ser sustentado quanto a uma almejada saída de Portugal da condição de procedimento de défice excessivo, já por si contestável, — colocará o país num rumo que pode tornar inconciliável o prosseguimento do caminho de reposição e conquista de direitos“, reiterou Jerónimo de Sousa.

O líder comunista falava aos jornalistas, em conferência de imprensa a partir da sede do partido em Lisboa, depois de o comité central do partido ter reunido esta manhã. Para o PCP, as medidas que foram sendo adotadas pelo Executivo socialista, apesar de positivas, “não iludem fraco crescimento económico, a manutenção de uma taxa de desemprego estruturalmente elevada e níveis de investimento insustentáveis que comprometem recuperação futura”.

Os reparos de Jerónimo de Sousa não ficaram por aqui. “A opção do governo do PS de não enfrentar decididamente os interesses do capital monopolista e de não romper com orientações essenciais que têm caracterizado a política de direita, compromete a resposta cabal e necessária a questões estruturais do país”, notou o secretário-geral comunista.

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Depois de Catarina Martins ter aproveitado as jornadas parlamentares do Bloco de Esquerda para avisar António Costa e o Governo socialista de que não basta lutar por “migalhas” e que é preciso avançar para a renegociação da dívida, foi agora a vez de Jerónimo de Sousa insistir que a questão que “está colocada é a da escolha entre enfrentar os constrangimentos e chantagens do grande capital e da União Europeia ou não poder responder a necessidades de desenvolvimento do país, aos problemas e aspirações do povo português“.

PCP insiste: aumento extraordinário de dez euros tem de chegar às pensões mais baixas

Ainda assim, e apesar de todas as limitações e contradições identificadas pelo PCP, os comunistas, garantiu Jerónimo de Sousa, vão se bater por melhorar o Orçamento do Estado para 2017 em sede de discussão da especialidade, desde logo, avançando com uma proposta de aumento até 10 euros de todas as pensões, incluindo as mais baixas, alargando, assim, a proposta do Governo socialista.

Os socialistas decidiram inscrever neste Orçamento um aumento extraordinário de pensões até 10 euros para as pensões entre 275 euros e 628,28, deixando de fora as pensões mínimas das mínimas, como explicava aqui o Observador. O PCP quer agora pressionar o Governo a alterar a proposta e incluir as pensões mais baixas. “Consideramos que é possível encontrar uma solução e vamos insistir com a nossa proposta“.

E este não é o único ponto de encargos do PCP para a discussão do Orçamento na especialidade. Os comunistas garantem que se vão bater, entre outras matérias, pelo fim das limitações à contração de trabalhadores na Administração Pública, pelo aumento do número de escalões no IRS — medida que constava nos acordos celebrados à esquerda e que ainda não foi cumprida –. pelo aumento da derrama estadual para empresas com lucros superiores a 35 milhões de euros e pela tributação das transações financeiras — duas reivindicações antigas do PCP.

Jerónimo e a Caixa: “Não pode haver filhos nem enteados”

O tema “Caixa Geral de Depósitos” acabou, naturalmente, por dominar parte da conferência de imprensa de Jerónimo de Sousa. Questionado sobre a polémica em torno da recusa de António Domingues, novo presidente do banco público, em entregar a declaração de rendimentos ao Tribunal Constitucional, o secretário-geral comunista foi taxativo: “Não pode haver filhos nem enteados“. Ou seja, por outras palavras, os comunistas não aceitam regimes excecionais.

“Consideramos que estes administradores têm a obrigação de respeitar aquilo que é a exigência aos políticos e aos altos cargos da administração pública”, sublinhou Jerónimo de Sousa.

A par da recusa de António Domingues, a questão do salário que o próximo presidente da Caixa vai auferir também tem marcado a discussão pública e política. O PCP chegou mesmo a apresentar uma proposta no Parlamento — chumbada por PS e PSD — que visava tabelar o salário dos gestores públicos em função do vencimento auferida pelo primeiro-ministro. Agora, é a vez de os sociais-democratas avançarem com uma proposta para acabar com o regime de exceção dos gestores da Caixa. O PCP, assumiu Jerónimo de Sousa, embora repudiando o salário dos gestores da Caixa e a recusa em entregar a declaração de rendimentos no Palácio Ratton, já avisou: não vai votar ao lado de PSD nesta questão.

Para os comunistas, de resto, o partido liderado por Pedro Passos Coelho quer apenas destabilizar e enfraquecer a Caixa para tornar mais provável uma eventual privatização. E com isso o PCP não compactua, assumiu o líder comunista. Além disso, continuou Jerónimo, os sociais-democratas continuam sem explicar a razão que os levou a chumbarem a proposta do PCP. “Voto contrário com voto contrário se paga“, sugeriu.