“O Caminho do Poder” (Steve Zaillian, 2006)

Produzida e escrita pelo realizador, foi a segunda versão cinematográfica do prezado e premiado romance de Robert Penn Warren, baseado na figura do político sulista dos anos 30 Huey Long, ‘populista’ americano quase por antonomásia. Sean Penn (no relation, acho eu) é um caso flagrante de má escolha para o papel do protagonista e as outras escolhas não foram melhores, em todos os capítulos. A primeira versão (‘A corrupção do poder’, 1949) é outra loiça, embora o realizador Robert Rossen manifeste a sua tendência, nem sempre dominada, para o melodramatismo, a que não escapou sequer um dos seus mais memoráveis filmes (o brilhante The Hustler, ‘O jogo da vida’, 1961, com George Scott, viperino num dos seus mais malévolos personagens, Jackie Gleason, inolvidável, Piper Laurie e, claro, Paul Newman, além da esplêndida fotografia do grande Eugen Shüfftan; teve continuação em ‘A cor do dinheiro’, de Martin Scorsese, com Paul Newman e Tom Cruise).

O All the King’s Men de Rossen teve sete nomeações e três Oscars: melhor filme, melhor actor (Broderick Crawford) e melhor actriz secundária (Mercedes McCambridge, a lutuosa megera de Johnny Guitar). O romance e o primeiro filme passam-se em pleno new deal. Eram os tempos que ecoam na campanha de Donald Trump (os homens e as mulheres esquecidos, diz Trump, que sabe que estamos no século XXI): os tempos em que o sacrossanto Franklin D. Roosevelt deu curso à retórica do forgotten man.

“Um rosto na multidão” (Elia Kazan, 1957)

Retrata a ascensão aos píncaros da política e a queda, literalmente estrepitosa, de um lídimo representante do white trash, o ‘rebotalho branco’ que, a julgar pela opinião progressista, constitui hoje, misteriosamente, quase cinquenta por cento da população dos Estados Unidos. É a ‘doutora Frankenstein’ que criou o monstro quem acaba por destruir a sua criatura. Com argumento do comunista desiludido e arrependido Budd Schulberg (o mesmo de ‘Há lodo no cais’, do famoso romance sobre Hollywood intitulado What Makes Sammy Run e do livro de contos Some Faces in the Crowd, entre os quais o que lhe serviu aqui de base), é dos primeiros filmes a chamar a atenção para o nascente poder mesmérico da televisão – o trampolim que faz saltar para a ribalta política nacional ‘Lonesome’ Rhodes, um hillbilly dado à bebida, com jeito para cantar e para dizer inconveniências e o que a populaça pensa.

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Quem o descobre nas profundas do Arkansas e pressente a força da sua atração é uma jornalista ambiciosa que depois recua perante os resultados da sua experiência. A jornalista é Patricia Neal – antes da trombose; Walter Mathau, de proverbial cachimbo em punho, desempenha o papel de scriptwriter blasé do protagonista, Lee Remmick é uma cheerleader provocante e o malandro é interpretado por Andy Grifith. A publicidade do filme, traduzida livremente, não deixa os seus créditos por mãos alheias: Adorava o poder! Bebia-o puro em grandes golos … gostava do sabor, da maneira como se combinava com o bourbon e o pecado que lhe corriam no sangue!

“O Último Hurrah” (John Ford, 1958)

É famosa a auto-descrição do realizador numa assembleia de cineastas: ‘My name is John Ford. I make westerns.’ Ford não fez só fitas de cowboys. Numa carreira que abarca grande parte do século XX (desde o cinema mudo até bem entrados os anos 60). Realizou cento e tal filmes entre os quais se contam adaptações de obras literárias como ‘As vinhas da ira’, de Steinbeck, ‘O poder e a glória’ de Graham Greene ou ‘O denunciante’ de Liam O’Flaherty, filmes de guerra, filmes de quase todo o género, como a sua épica e esplendorosa comédia dramática ‘Um homem tranquilo’ (The Quiet Man, 1953). ‘O ultimo hurrah’, baseado num romance de Edwin O’Connor, é a história de uma ‘eleição perdida’ por um político americano de ascendência irlandesa, no ocaso da sua carreira.

Interpretado por Spencer Tracy, o protagonista é um político ‘à antiga’, derrotado por um opositor meio-idiota, marionete da ‘máquina’, ‘vendido’ com êxito pela propaganda na televisão (a televisão, mais uma vez) e pela exploração dos novos padrões da respeitabilidade burguesa e da correcção política: o vencedor é até certo ponto um ‘anti-Trump’. O filme não é para deitar fora mas é um filme mediano na filmografia de Ford, onde sobressaem hoje clássicos como ‘Cavalgada heroica’ (Stagecoach, 1939) ou ‘A desaparecida‘ (The Searchers, 1956). Para o consagrar como um dos maiores cineastas de Hollywood bastava, aliás, um filme como ‘A paixão dos fortes’, My darling Clementine, 1946. Ele sabia o que dizia na célebre reunião.

“O Enviado da Manchúria” (John Frankenheimer, 1962)

Richard Condon (que morreu fez vinte anos em Abril) foi o autor do romance de ‘política-ficção’ em que este filme se baseou – e que foi dos seus livros aquele que mais ampla notoriedade lhe deu. O filme, por seu lado, cimentou a reputação do então jovem cineasta que o realizou, sobre um argumento do George Axelrod, que escrevera dois dos melhores filmes de Marylin Monroe (‘Paragem de autocarro’ e ‘O pecado mora ao lado’). Ao todo, Condon escreveu duas dúzias de thrillers. Houve um tempo em que eu lia todos os que apanhava. Na sua ficção, Condon nunca rejeitava uma boa teoria da conspiração (não foi o caso do seu primeiro livro, escrito aos 43 anos, The Oldest Confession, uma das suas obras menos barrocas, mas muito bem escrito, história de um roubo em Espanha, com epígrafes tiradas das várias fases da suerte de matar).

‘O candidato da Manchúria’ prenunciou todos aqueles filmes dos anos 70 – ainda hoje com vária descendência – em que descobrimos que ‘o inimigo somos nós’ ou, para usar uma referência mais erudita, perguntam, no fundo, ‘quem guarda os guardiões?’. Em ‘O enviado da Manchúria’ há uma conspiração comunista que está por trás dos ‘anticomunistas’ (uma argumentação anti-McCarthysta um tanto arrevesada). Em 2004, Jonathan (‘O silêncio dos inocentes’) Demme realizou um remake, que troca a Coreia pelo Kuwait e os comunistas por grandes interesses económicos (que havia de ser?) mas não estava nos seus melhores dias.

“O Candidato” (Michael Ritchie, 1972)

Diz-nos a secção de trivialidades da respectiva biografia no IMDB que o realizador comprou em 1994 (por 995.000 dólares) a casa de Brentwood em que morreu Marylin Monroe. Não a gozou durante muito tempo (morreria, com pouco mais de sessenta anos, em 2001). Desde o princípio da sua carreira que Ritchie esteve ligado a Robert Redford, que o contratou para a sua estreia no cinema como realizador em ‘Os corredores da montanha’ (Downhill Racers, 1969; o argumento, diga-se, já agora, foi do grande escritor James Salter, numa das suas raras incursões cinematográficas).

O protagonista desse filme era interpretado por Redford, que também interpreta o papel do improvável ‘Candidato’ democrata destinado a perder, um ‘idealista’ que nunca se meteu em política. A gente envolvida neste filme é gente que está do ‘lado certo da história’, a começar por Redford e pelo argumentista Jeremy Larner, escritor de discursos para o Senador Eugene J. Mc Carthy, um democrata ‘progressista’, quando no turbulento ano de 1968 o senador foi candidato à nomeação pelo Partido Democrático como concorrente à presidência dos EUA (perdeu para Humphrey). ‘O candidato’ também se poderia chamar ‘a corrupção do poder’: quando Bill Mc Kay acaba por ganhar, o que implicou algumas maquinações, o paizinho, um político do Establishment, cumprimenta-o ominosamente com a seguinte frase: ‘Meu filho, agora és um político.’ E o filme fecha com o angustiado vencedor a dizer ao seu principal conselheiro: ‘Que fazemos agora?’ E um quarto de hotel vazio.