A guerra pelo poder no PSD/Lisboa, que terá eleições em 2018, já começou. A fação de Rodrigo Gonçalves, o presidente interino, e a fação de Carlos Carreiras e Pedro Pinto já contam espingardas. Ambos os lados cacicam e cada um tem o seu candidato a líder (Gonçalves está com Rui Rio; Carreiras e Pinto estão com Santana Lopes). Já há data para as eleições da concelhia (13 de janeiro, o mesmo dia das diretas), e candidatos a candidatos: a ex-líder da JSD/Lisboa e o antigo chefe de gabinete de Santana são nomes apontados para avançar contra Gonçalves. Há também uma polémica: o desaparecimento de fichas de 68 novos militantes.

Os 68 militantes desaparecidos vão votar em Gonçalves?

Rodrigo Gonçalves tornou-se líder interino da concelhia, porque era o número dois, assim que Mauro Xavier se demitiu em abril de 2017 na sequência do conflito que tinha com a direção nacional. Apesar de liderar o PSD/Lisboa, Gonçalves não tinha a maioria na concelhia e foi destituído do cargo pelos seus colegas de comissão política. Para o seu lugar foi escolhido Paulo Quadrado — líder do núcleo Oriental, que ficou apenas algumas semanas no cargo — mas Gonçalves recorreu para o Conselho de Jurisdição e conseguiu recuperar o lugar.

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A fação de Gonçalves, acusa Paulo Quadrado de ter feito desaparecer as fichas de 68 militantes, enquanto foi líder da concelhia, que tinham sido inscritos por Rodrigo Gonçalves ou pelos seus homens de mão. As fichas foram então enviadas para a sede nacional — onde, por regulamento, ficam dois meses, para apurar se são inscrições reais e legais — e devolvidas à concelhia. Os apoiantes de Gonçalves, acham que Quadrado fez desaparecer as fichas. A entrada de novos militantes que votem numa determinada fação é uma forma de crescer eleitoralmente em eleições internas dos partidos. Só que, como o processo burocrático das fichas passa pelos dirigentes partidários que controlam os vários órgãos, são comuns as guerras entre fações para que os militantes sejam aceites.

O presidente do núcleo Oriental diz que não as fez desaparecer, mas mandou-as “arquivar no arquivo da distrital, já que a concelhia não tem sede”. Ainda assim, a fação de Gonçalves acredita que todos esses militantes já terão capacidade eleitoral (entretanto já passaram os seis meses necessários) nas eleições de 13 de janeiro. Paulo Quadrado tem opinião diferente: confirma que recebeu as fichas quando regressaram da sede, mas que estas tinham seguido “com a indicação de que os militantes tinham sido aprovados na concelhia, mas fui ver a ata e não tinham sido aprovados, por isso arquivei“. Na versão de Paulo Quadrado, as inscrições estavam irregulares e foi nessa qualidade que foram devolvidas da sede. Ou seja: os militantes não foram aceites.

Para adensar o mistério, o secretário-geral do PSD, José Matos Rosa, limita-se a dizer ao Observador: “Não conheço o caso”. No entanto — entre as versões de Gonçalves e Paulo Quadrado — há um facto consensual: as fichas passaram pela São Caetano à Lapa.

Quem quer perder contra Rodrigo?

A fação de Carreiras e Pedro Pinto — a fação do passismo — não é tão homogénea como a de Gonçalves, podendo surgir mais do que um candidato. A ex-líder da JSD/Lisboa, Joana Barata Lopes, confirma ao Observador que está a ponderar avançar, revelando que tem recebido apelos e apoios:

Confirmo que é uma possibilidade. Fui contactada por militantes do concelho, de valor e qualidade inquestionáveis, manifestando apoio e disponibilidade para me acompanharem nesse desafio. Essas manifestações, independentemente do número de votos que valem, impelem-me a refletir.”

Joana Barata Lopes acrescenta ainda que “Lisboa, enquanto estrutura concelhia, bateu no fundo e isso é evidente”. “Talvez seja o tempo certo para, na resposta a essas solicitações, começar de novo, agregar um valor e uma qualidade que Lisboa precisa e merece — e demonstrar que não podemos ficar indiferentes”.

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Do mesmo lado (o de Passos, de Santana, de Carreiras, Pedro Pinto ou Pinto Luz) outro dos nomes que correm nos bastidores é o do santanista Diogo Agostinho, que esteve na estrutura da JSD/Lisboa quando esta era liderada por Joana Barata Lopes. Diogo Agostinho foi chefe de gabinete de Santana Lopes na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e, em declarações ao Observador, também não exclui a possibilidade de avançar: “Sou militante do PSD e tenho os mesmo direitos e deveres de qualquer militante.” Além disso, acrescenta que anda “há muitos anos a pensar Lisboa“, lembrando que até tem “um blogue com esse nome”. Apesar de ser militante desde os 17 anos, Diogo Agostinho não tem o mesmo passado na estrutura que Joana Barata Lopes. Dos dois nomes, já noticiados pelo jornal i, provavelmente, só avançará um.

Já é difícil ganhar a Rodrigo Gonçalves, mas se o eleitorado se dividir torna-se praticamente impossível. A lógica diria que Luís Newton, reeleito presidente de junta de freguesia da Estrela, não avançaria por ter mais a perder do que a ganhar em sair derrotado contra Gonçalves (um cenário provável). Ainda assim, com Newton, nem tudo o que parece é. A prova disso foi a manobra para afastar José Eduardo Martins da liderança da bancada municipal do PSD em Lisboa, que apanhou o partido de surpresa. O facto de ser presidente de junta e o envolvimento no “caso Huawei” — que está a ser investigado pelo Ministério Público — seriam “contras” na hora de entrar na corrida. Ainda assim, o presidente da junta da Estrela é sempre um nome a ter em conta, tal como Sérgio Azevedo, embora o envolvimento no “caso Huawei” também desaconselhe a uma batalha difícil com a família Gonçalves.

A data ainda não foi marcada no jornal oficial do PSD, o Povo Livre, mas na última reunião da Assembleia Distrital, tanto o presidente da Mesa, Hélder Sousa Silva, como o líder distrital, Pedro Pinto, falaram na possibilidade de as eleições da concelhia se realizarem no mesmo dia das diretas: 13 de janeiro, data avançada pelo jornal i. Ao Observador, Hélder Silva confirmou que 13 de janeiro foi a data que lhe foi dada por Pedro Pinto. As eleições não têm uma relação direta entre si, mas é claro qual o lado dos apoiantes de Santana e qual o lado dos apoiantes de Rio.

Rodrigo Gonçalves, o invencível em Lisboa?

Do lado de Gonçalves, tudo indica que irá avançar o próprio líder de fação, Rodrigo Gonçalves, um dos maiores caciques do PSD/Lisboa. O próprio o anunciou numa reunião de concelhia e é isso que esperam todos os seus apoiantes. “Depois desta guerra que travou com Passos, Rodrigo é o melhor candidato e tem que avançar. Além disso, é ele que consegue mais votos“, disse ao Observador um dos seus apoiantes. À partida, Rodrigo Gonçalves parte na pole position, pois tem uma base entre 700 a 900 votos fiéis — muito à custa de esquemas de cacique já relatados pelo Observador –, sendo muito difícil tirar a concelhia ao homem que controla um dos três núcleos da concelhia: o Central. Em julho, a concelhia tinha 6.692 militantes ativos, mas votaram apenas 1.440.

A rede da família Gonçalves: como se tornaram poderosos no PSD/Lisboa

Rodrigo Gonçalves deu uma demonstração de força na lista de delegados de Lisboa para a Assembleia Distrital, nas eleições de julho para a distrital. O passismo venceu em toda a linha, no distrito, em todas as concelhias, menos onde Gonçalves impôs a sua lei: na lista de delegados de Lisboa. A lista que apoiou, liderada por Morais Sarmento, conseguiu 800 votos, contra apenas 597 da lista encabeçada por Marina Ferreira (apoiada pela fação Carreiras-Pinto-Newton). É muito difícil virar o jogo em Lisboa, que tem uma aritmética muito peculiar.

O PSD/Lisboa está divido em três núcleos: o Central, liderado pela fação da família Gonçalves, que tem militantes e uma capacidade mobilizadora maior; o Oriental, presidido por Paulo Quadrado; e o Ocidental, controlado pela fação de Luís Newton e de Sérgio Azevedo, que tem na sua área de influência as juntas da Estrela e de Santo António, por exemplo.

Por razões históricas, o PSD em Lisboa tinha secções sem a existência de uma concelhia. Desde a fundação do partido e até 2011, havia nove secções do PSD espalhadas pela capital, da letra A à H, incluindo depois a secção Oriental. Acima destas, estava a poderosa distrital de Lisboa. Em 2011, fundiram-se as secções e foram criados três grandes núcleos. Os dirigentes dos núcleos lisboetas mantêm um controlo dos seus votos e é isso que lhes vai garantindo o poder. Depois de Rodrigo Gonçalves ser o líder da histórica secção A, quando esta foi convertida em Núcleo Central, o presidente passou a ser Daniel Gonçalves, pai de Rodrigo Gonçalves. Desde junho de 2015, porém, a liderança do Núcleo passou para Pedro Reis, amigo de Rodrigo Gonçalves.

Um apoiante de Rodrigo Gonçalves explica ao Observador que acredita que “a votação do Rodrigo ainda vai crescer” porque “havia muita gente do lado do Passos e o Passos agora, politicamente, não conta”. A mesma fonte fala, por exemplo, de outras pessoas que não estavam nesta fação e que, com Rio, se aproximaram de Rodrigo Gonçalves. É o caso de Luís Metelo, que enfrentou Mauro Xavier nas últimas eleições da concelhia (conseguiu 87 votos). A família Gonçalves não só não perde, como soma apoios. Até António Preto apareceu agora, por força da candidatura de Rui Rio: além de o ter acompanhado ao programa 5 para a Meia Noite, jantou com Rio e Gonçalves em Oeiras antes da última sessão do ex-autarca do Porto com militantes da distrital de Lisboa, a 16 de novembro.