A realidade virtual (RV) é para muitos o futuro dos videojogos. Por enquanto, ainda não chegámos à evolução mostrada no mundo imaginado por Ernest Cline e colocado na tela do cinema pela mão de Steven Spielberg, em Ready Player One, ou num episódio de Black Mirror, mas vamos vendo, aos poucos, como a tecnologia vai avançando cada vez mais nesse sentido. Zero Latency e as suas experiências no mundo RV já estão em funcionamento no Dolce Vita Tejo desde dezembro e, esta semana, a nossa equipa pôde testar o novo jogo, Singularity.

Quando entramos pelas portas de vidro para uma sala escura, começamos a ver outro mundo, completamente diferente da zona de restauração de onde saímos. É quase uma porta para o futuro. À direita, encontramos vários módulos de jogos VR, corridas de motos ou carros com headsets que fazem lembrar as extintas salas de jogos adaptadas aos dias de hoje. Estes jogos, com duração de alguns minutos, são para quem quiser algo mais rápido e individual e são o sítio onde podemos encontrar cadeiras para experiências no qual não existe interação: é como estar numa montanha russa, só temos de nos sentar e aproveitar a viagem. Qualquer uma é aconselhável como teste para quem nunca colocou um visor na cabeça, para perceber a sua reação pessoal à RV, porque uma percentagem mínima de pessoas tem problemas com os dispositivos.

A mente humana está “programada” para apenas reconhecer o que é real. Por isso, quando vemos alguém como Luís de Matos a “fazer desaparecer” alguém ou algo da nossa frente, após aqueles segundos de espanto, a mente vai à procura do “truque”, porque sabe que o que acabou de ver “não é real. Não acreditamos no que acabámos de ver. Em inglês, isto chama-se “disbelief”, que, mal traduzido, é “descrença”. Mas também temos o outro lado da moeda, que é “Suspension of Disbelief” ou a suspensão da descrença, aquilo que acontece quando estamos no cinema ou no teatro e que nos permite ignorar o que é falso, mesmo que apenas temporariamente.

Quando vemos na tela um Super-Homem a voar pelos céus, não vamos pensar que é impossível. Ali, para aquele efeito acreditamos que um homem pode ser mais rápido do que uma bala, mais forte do que uma locomotiva ou capaz de voar. Na realidade virtual, esta noção do que é real pode ser complicada, porque algumas produções, como as de Zero Latency, têm um nível de qualidade tão elevado que a linha que separa o jogo da verdade começa a esbater-se na nossa cabeça, criando um conflito. É raro, mas como vamos descrever à frente, é possível.

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Mas afinal o que é Singularity?

Ao contrário da quase totalidade das experiências atuais que nos “prendem” a uma consola ou ao computador, Zero Latency é uma experiência de RV de grupo (até seis pessoas), na qual nos movemos dentro de uma sala grande, que reconhece os nossos movimentos no espaço, transferindo-os para dentro do ambiente virtual do jogo. É o nosso corpo que se mexe, são as nossas pernas que andam e nos fazem andar no jogo, e são os sistemas de segurança e sensores da sala que nos impedem de andarmos a colidir com as paredes, colunas, e outros jogadores, criando uma sensação muito real do que é apenas virtual.

A nova aventura é de imersão total no espaço — é-nos dito, na sala de preparação, que a inteligência artificial de uma estação ganhou consciência e que a nossa missão é derrotá-la e trazer tudo à normalidade. Portanto, depois de ter todo o briefing de segurança, equipamento e testes, cruciais para um jogo destes decorrer sem problemas, a nossa equipa lá foi salvar o dia.

Dia ou noite? No espaço, o tempo é relativo

Dentro da enorme sala onde vamos jogar o nosso mundo transforma-se depois de colocarmos os headphones e visores. Quando olhamos uns para os outros não nos vemos a nós como somos, vemos os nossos avatares de armadura e arma futurista nas mãos prontos para a ação. Começamos devagar com uns inimigos que não apresentam grande ameaça, um mal necessário para que cada um se habitue a este maravilhoso mundo novo.

Avançando literal e virtualmente no jogo – já que nos movemos todos numa grande sala – começam a entrar as dúvidas na nossa cabeça: apesar de ter um aspeto de videojogo quase todos os nossos sentidos estão ali focados, os headphones abafam todo o som que poderia vir de fora do jogo, os nossos olhos apenas veem aquelas imagens, e até quando queremos olhar para as nossas mãos, o que vemos são as mãos do nosso personagem a segurar uma arma hi-tech. A ilusão tornou-se real. Por isso é que quando estamos a passar por portas fazemos movimentos para evitar as ombreiras. Um degrau faz imensa confusão, porque damos um passo esperando um declive, mas o chão real está ao mesmo nível.

Para além da sala de Zero latency ser grande, há uma série de sensores que impedem os jogadores de colidirem entre si ou mesmo com as colunas que estão ali no meio.

Talvez a melhor/pior parte tenha sido a que decorreu numa das salas maiores: o esquadrão encontrava-se numas plataformas flutuantes e tudo em volta era espaço vazio. A sensação de vertigens é incontornável. Confesso que tive alguns problemas a atravessar uma ponte com pouco mais de 50 centímetros de largura para sair dessa plataforma e chegar à sala seguinte, enquanto que, na minha cabeça, dizia a mim mesmo: “Mas estás estúpido? Anda como deve ser, estás numa sala no Dolce Vita, não vais cair e morrer!”. Mesmo assim, os meus pés, dando passos mínimos, não saíram da plataforma, não fosse o diabo tecê-las.

Depois isso, o pelotão do Rubber Chicken enfrentou os drones mais difíceis e até o Boss gigante com eficácia extrema, e até pareceram um desafio menor. Toda a situação é recheada de muitos tiros, risos e alguns gritos. A coordenação de equipa foi crucial para vencer Singularity e, no final, mostramos que é o espírito humano de cooperação que irá vencer sempre as máquinas.

Singularity é emocionante, apesar de rápido — são cerca de 15 minutos que pareceram cinco. Como já referimos, o tempo no espaço virtual é ainda mais relativo do que na Terra real. Os cenários são gerados aleatoriamente, assim como os inimigos, de onde vêm e como atacam, tornando os  jogos repetidos sempre diferentes e permitindo sempre um desafio novo a quem quiser jogar mais do que uma vez. O cenário principal é sempre familiar mas nunca igual. Singularity e Zombie Survival são experiências que demonstram para onde a realidade virtual pode levar a nossa definição de entretenimento, até em grupo. E quem sabe se, em poucos anos, um “Vamos beber um copo?” não pode ter um “E que tal irmos antes derrotar monstros para o espaço?” como resposta?

Texto de João Machado e fotografias de Sérgio Serra, Rubber Chicken