Enviado especial do Observador à Rússia (em Sochi)

“Já viste isto? Agora o Lopetegui fala em Madrid à mesma hora da conferência”, atira um jornalista espanhol para um colega que estava na sala de imprensa. Afinal, com a diferença horária, é uma hora depois. “É a mesma coisa, tem tudo menos de normal”, reforçou. Desde a “noite das facas longas”, como descreve o El Mundo, ao novo “resgate de Jorge Mendes a Florentino”, como destaca o El Confidencial, mudam os ângulos mas o assunto é o mesmo: por muito que se queira dar a volta ao que se está a viver, a Espanha atravessa um momento surreal que tentará transformar contra Portugal numa espécie de tempestade perfeita. Em paralelo, houve também a confirmação dessa fase completamente atípica já em Sochi, durante as conferências de antevisão.

Pormenor número 1: quebrando por completo o rigor suíço da organização da FIFA, a conferência começou com um atraso de dez minutos. Sim, é verdade, dez minutos não são nada; neste contexto do Mundial, são muito. Até demais. Pormenor número 2: a certa altura da conferência, Paloma Antoranz, responsável pela comunicação da seleção espanhola, teve de parar a conversa para “recordar” que o Mundial começava amanhã e que convinha falar também sobre o jogo de Portugal. Pormenor número 3: Sergio Ramos, o capitão, acabou por responder quase ao dobro das questões de Hierro, o agora treinador. Tudo ao contrário, ao ponto do próprio central atirar uma frase que marcou a conferência: “Parece que estamos num funeral e amanhã começa o Mundial”.

O jogador do Real Madrid, que de acordo com vários meios terá sido o maior defensor da continuidade de Julen Lopetegui no cargo (ao contrário dos companheiros do Barcelona), conseguiu fintar essa questão particular mas acabou por continuar a embater na perguntar que todos queriam ver respondida: como foram aquelas horas vividas no estádio?

“Temos de virar a página depois de um momento nada agradável mas que faz parte. A Espanha tem de estar sempre acima de tudo e todos e, se consideraram que era o melhor para todos, posso apenas dizer que não há ninguém melhor do que Fernando [Hierro] para ocupar a vaga de Julen [Lopetegui]. É alguém que admirados e dos mais idóneos que existem para que possamos continuar com a mesma ilusão e os mesmos sinhos em relação ao Mundial. Se dei opinião? Não somos nós que tomamos as decisões, só queremos deixar de falar nisso o mais depressa possível. Objetivos? ‘Passito a passito’, jogo a jogo…”, disse.

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Temos de aproveitar o trabalho que está feito, é impossível mudar algo do dia para a noite. O que quero é que a Espanha continue a jogar bem e bonito. Temos muito respeito pela seleção que é campeã da Europa, que tem um dos melhores do mundo e um selecionador com muita experiência.”, destacou o treinador Fernando Hierro

Sobre Portugal, duas referências especiais. Ao coletivo, “o campeão da Europa”, naquele que “tem tudo para ser um grande jogo”, e ao companheiro de equipa, Cristiano Ronaldo. “Claro que prefiro sempre ter a favor do que contra, terminou a época de uma forma grandiosa e é um alarme permanente. Mas é uma seleção muito completa, boa na parte ofensiva e muito segura atrás. Conseguiram criar um bloco muito competitivo”, resumiu a propósito do primeiro adversário no Mundial, antes de voltar a focar a ideia na importância de olhar em frente em vez de estar a dissecar tudo o que se tem passado.

“São decisões que se tomam e são outros, a nossa parte é a desportiva e só podemos fazer algo dentro de campo. É altura de deixar um pouco mais de lado as questões pessoais porque os problemas são sempre uma oportunidade de crescer. Críticas sobre o lance com Salah na final da Champions? Estou tranquilo, de consciência tranquila e não perco um segundo com isso”, rematou.

A seu lado estava Hierro, o selecionador que alguns órgãos descrevem como o “pai dos jogadores”. “Temos de aproveitar o trabalho que está feito, é impossível mudar algo do dia para a noite. O que quero é que a Espanha continue a jogar bem e bonito. Temos muito respeito pela seleção que é campeã da Europa, que tem um dos melhores do mundo e um selecionador com muita experiência. Só temos de prolongar o trabalho das últimas duas semanas e fazer bem as coisas. Tenho grande confiança nos jogadores”, referiu, colocando o encontro com Portugal como “uma das três grandes finais que existirão nos grupos do Mundial”. “Estamos num Mundial, os jogadores têm de aproveitar e desfrutar com paixão, com a certeza de que demos 100% de nós em todos os encontros que teremos na Rússia”, concluiu o antigo central e médio da Espanha… e do Real Madrid.

Uma hora depois, Julen Lopetegui era apresentado e numa conferência com muita emoção, onde admitiu entre lágrimas a amargura por não estar presente no Mundial no comando da Espanha, com quem nunca perdeu (14 vitórias e seis empates): “Ontem foi o dia mais triste da minha vida desde a morte da minha mãe mas hoje é o mais feliz”, disse o técnico, já depois de Florentino Pérez ter criticado a atitude de Rubiales em dispensar o treinador. Veremos até onde irá este momento surreal, sobretudo numa altura em que alguns cronistas dos maiores jornais do país levantam a possibilidade de castigos ao Real…