Foi um domingo de choques jurídicos entre diversos magistrados, mas que terminou com a manutenção do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva preso em Curitiba. A decisão final — por agora — foi tomada pelo presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Thompson Flores, que revogou a ordem de soltura determinada horas antes pelo desembargador de plantão, Rogério Favreto.

Tudo começou no final do dia de sexta-feira quando, poucos minutos depois do fecho do expediente normal daquele tribunal, dois deputados do PT (Partido dos Trabalhadores, partido de Lula da Silva) fizeram entrar um pedido de habeas corpus, apanhando de surpresa a própria defesa do antigo Presidente do Brasil.

Ao entregarem o pedido já depois do encerramento do tribunal aqueles dois advogados permitiram que este fosse analisado pelo juiz desembargador de plantão, o que não terá sucedido por acaso: Rogério Favreto foi durante quase 20 anos (de 1991 a 2010) membro do PT e chegou a ser secretário nacional da Reforma do Judiciário, no Ministério da Justiça, entre 2007 e 2010, precisamente durante a governação do petista. Mais: Favreto tem sido um crítico público do principal acusador do juiz que tem conduzido a operação Lava Jato, Sérgio Moro, tendo já votado sozinho e a favor das pretensões de Lula em anteriores decisões do coletivo.

Rogério Favreto, o juiz que mandou libertar Lula, já tirou uma selfie com o ex-presidente

Foi então este juiz que do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que, por ser o único de plantão durante o fim-de-semana, decidiu ordenar este domingo a libertação imediata do ex-presidente do Brasil. que está detido por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro para cumprir uma pena de 12 anos.

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Esta decisão foi num primeiro momento contrariada por Sergio Moro, da 13.ª Vara da Justiça Federal, em Curitiba, o juiz que julgou o caso e que condenou Lula em primeira instância. Moro foi apanhado por este pedido de habeas corpus enquanto estava de férias, segundo explica a Lupa, a agência de fact-checking da Folha de São Paulo, mas mesmo assim não acatou a decisão, afirmando que o desembargador Rogério Fraveto era incompetente para julgar o caso.

A batalha jurídica teve novo desenvolvimento poucos minutos depois, com o juiz de plantão a reiterar a sua ordem e depois com a Procuradoria Regional da República da 4ª Região a pedir ao TRF-4 para que fosse reavaliada a decisão que mandou soltar o ex-Presidente.

Entrou então em cena o relator da Lava Jato naquele tribunal, João Pedro Gebran Neto, que decidiu contra Rogério Fraveto e revogou o habeas corpus, remetendo qualquer nova decisão decisão para os tribunais superiores. O juiz de plantão voltou contudo a não aceitar esta deliberação, dando então uma ordem à Polícia Federal para que libertasse Lula da Silva “já na próxima hora”.

Enquanto a tensão política subia, com o PT a convocar os seus apoiantes para manifestações de apoio a Lula da Silva e outras contra-manifestações a saírem à rua em várias cidades brasileiras, o imbróglio jurídico subiu para o presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Thompson Flores, que recebeu recursos da Procuradoria da República e de um advogado. Neste quadro a Polícia Federal deixou passou o prazo da uma hora, ficando a aguardar a decisão do presidente do TRF-4, Thompson Flores.

Foi já ao fim da tarde que este decidiu endossar da anterior decisão do relator da Lava Jato, João Pedro Gebran Neto, assim suspendendo a ordem de habeas corpus de Lula, mantendo assim preso o petista.

“Não há como negar a incompetência do órgão jurisdicional plantonista à análise do writ (mandado de segurança) e a decisão de avocação dos autos do habeas corpus pelo Des. Federal Relator da lide originária João Pedro Gebran Neto há de ter a sua utilidade resguardada neste momento processual”, escreveu Thompson na sua decisão.

Esta deliberação veio pois ao encontro da posição João Pedro Gebran Neto, que pedira que se esclarecesse “que a jurisdição de plantão não exclui a competência constitucional por prevenção para questões relacionadas à execução da pena, composta no presente habeas corpus“.

Para evitar maior tumulto para a tramitação deste habeas corpus, até porque a decisão proferida em caráter de plantão poderia ser revista por mim, juiz natural para este processo, em qualquer momento, DETERMINO que a autoridade coactora e a Polícia Federal do Paraná se abstenham de praticar qualquer ato que modifique a decisão colegiada da 8.ª Turma”, argumentara Gebran Neto, citado pelo Estadão.

“O Desembargador Federal plantonista, com todo respeito, é autoridade absolutamente incompetente para sobrepor-se à decisão do Colegiado da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e ainda do Plenário do Supremo Tribunal Federal”, disse Moro, citado pelo G1.

Rogério Favreto tinha depois reiterado a ordem de libertação imediata “na próxima hora”, argumentando: “Já respondo a decisão do eminente colega, Des. João Pedro Gebran Neto, que este magistrado não foi induzido em erro, mas sim deliberou sobre fatos novos relativos à execução da pena, entendendo por haver violação ao direito constitucional de liberdade de expressão e, consequente liberdade do paciente, deferindo a ordem de soltura. Da mesma forma, não cabe correção, de decisão válida e vigente, devendo ser apreciada pelos órgãos competentes, dentro da normalidade da atuação judicial e respeitado o esgotamento da jurisdição especial de plantão”.

Luís Inácio Lula da Silva está detido deste 7 de abril, em Curitiba depois de ter sido condenado em segunda instância na Operação Lava Jato por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.  O ex-presidente foi acusado de receber como pagamento um triplex no litoral de São Paulo para favorecer uma empresa em contratos com a Petrobras. O ex-presidente negou sempre as acusações e afirmou sempre ser inocente.

Lula foi condenado por Sergio Moro em primeira instância e a condenação foi confirmada na segunda instância pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4). A defesa tentou evitar a prisão de Lula com um habeas corpus preventivo no Supremo Tribunal Federal, mas o pedido foi negado pelos ministros, por 6 votos a 5.

(Actualizado às 7h00 com a decisão do juiz presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Thompson Flores que manteve Lula na prisão)