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A vida do Cineclube do Porto dava um filme, mas é num livro que a sua história se vai contar

Este artigo tem mais de 5 anos

O cineclube mais antigo do país está desde 2013 na Casa das Artes, no Porto, onde encontrou a estabilidade que procurava. Agora está a recuperar o acervo e quer lançar um livro com a sua história.

O Cineclube do Porto programa duas vezes por semana na Casa das Artes.
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O Cineclube do Porto programa duas vezes por semana na Casa das Artes.

Ana Catarina Peixoto

O Cineclube do Porto programa duas vezes por semana na Casa das Artes.

Ana Catarina Peixoto

O relógio marca 15 minutos antes das 18 horas. Estamos na Casa das Artes, no Porto, onde as portas de uma das salas estão abertas para receber mais uma sessão de cinema organizada pelo Cineclube do Porto, também denominado de Clube Português de Cinematografia (CPC-CCP). É aqui que, desde 2013, o cineclube mais antigo do país continua a trazer cinema alternativo à cidade duas vezes por semana. E não pretende parar.

O público vai entrando aos poucos no espaço. Encontram-se caras familiares, sócios mais velhos e novos visitantes. “É muito fácil conhecer um amigo que tem um pai, um avô, um tio ou um primo que era do cineclube”, começa por dizer José António Cunha, que esteve ao leme da associação durante sete anos – mas tornou-se sócio há mais tempo — e foi um dos responsáveis pelo renascimento do cineclube em 2010, depois de um período de inatividade devido a problemas financeiros.

Rebobinando a fita 73 anos, foi em 1945 que o projeto nasceu, da mente de um grupo de estudantes liderados por Hipólito Duarte, no Liceu Alexandre Herculano. Além de ter sido um ponto de encontro entre estudantes, amadores e amantes do cinema, e um dos rostos desta arte na cidade, foi também um local de resistência à censura do regime do Estado Novo. As lutas têm, aliás, sido várias. Em 2010, quem teve “a coragem” para voltar a dar vida a esta associação, encontrou problemas por resolver, como o estado de degradação da sede histórica do cineclube na Rua do Rosário, onde os sócios assistiam aos filmes e reuniam em assembleia. Era a casa e o coração do CPC-CCP.

“Estávamos naquele edifício desde 1961 ou 63. O cineclube fez história lá e aquilo fez história por nós”, explica o membro da direção ao Observador. Com os problemas financeiros também a acumularem-se, foi necessário sair daquela que foi “a casa da associação”, bem como dividir o seu acervo por várias instituições. A ideia, refere José António Cunha, não foi mudar a essência da associação, mas sim “avançar sem nunca romper com a identidade do cineclube”.

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Com o acordo estabelecido com a Direção Regional da Cultura do Norte em 2013, o CPC-CCP arranjou uma nova casa, que recebe agora novos associados, mas tem também amigos mais velhos que são presença assídua na Casa das Artes, como é o caso de Maria Alice Machado, de 72 anos, sócia do cineclube desde os 16. Maria é do tempo em que nem todos os filmes podiam ser vistos. Era no cineclube que tinha o espaço (e a liberdade) para ver aquilo que o Estado Novo censurava. “Lembro-me bem de quando a PIDE entrava por lá de vez em quando, sem precisar de pedir licença”, conta. Como reagiam? “Nós nem nos mexíamos, não podíamos fazer nada”.

Maria lembra “as palestras que existiam na sala do cineclube e as idas ao cinema Trindade ao domingo de manhã, à hora da missa”, uma rotina a que se habituou. “Gostava e gosto, principalmente, dos filmes que via, que me educaram e que não podia ver no cinema normal”, respondeu. Fossem colóquios, debates ou simples exibições, “a sala ficava sempre cheia”.

Em cada sessão exibida, os espectadores levam um folheto personalizado sobre o filme que vão ver.

A associada, tal como o cineclube, passou pelo Passos Manuel, pelo Batalha e pelo Campo Alegre e agora vem à Casa da Artes todas as semanas com o marido, que conseguiu convencer a juntar-se às sessões há sete anos. Os dois vivem perto e isso facilita a tarefa. “O facto de o cineclube vir para aqui deu a estabilidade que já merecia há algum tempo. É quase como entrarmos em alto mar e agora estamos em velocidade cruzeiro”, refere Ana Caneiro, responsável pela programação do cineclube na Casa das Artes.

Os sócios mais antigos — e agora os mais recentes — continuam a sentir que esta é a sua segunda casa, e a prova está nas histórias que Joana Canas Marques, a atual diretora do CPC-CCP, vai contando: “Houve um sábado em que estava a fazer porta e já tinham passado dez minutos desde o início da sessão. De repente um casal de idade abre a porta e entra. Eu disse-lhes que não podiam entrar e eles responderam: “Oh menina, a menina não estava cá e já eu ia ao cineclube, não posso entrar? Isto é como se fosse a minha casa!” José acrescenta: “Nós não tivemos de fazer nada. Só abrimos as portas e aquilo foi uma festa. Por tudo o que tinha acontecido antes.”

O cinema de bairro e o cinema que não há na Baixa

Para a responsável, a regularidade da programação na Casa das Artes tornou-se um critério essencial para captar o público que vem hoje ao cineclube. “As pessoas sabem que há filmes todas as semanas e que há um certo critério. Há uma confiança do público naquilo que estamos a programar”, refere.

A ideia, explica Joana, é ter uma programação equilibrada, até porque “esta sala são duas salas ao mesmo tempo”: Por um lado é mais alternativa e exibe filmes que normalmente não passam na Baixa da cidade e, ao mesmo tempo, “também serve um pouco como cinema de bairro, para quem vive aqui perto”.

Para Joana Canas Marques, a regularidade da programação tornou-se um critério essencial para captar o público que vem hoje ao cineclube.

Entre obras de Jean-Luc Godard, a “Montanha” de João Salaviza ou o “Solaris” de Tarkovsky, não há “nenhum tipo de filme que seja especificamente sinónimo de casa cheia”, tratando-se de uma programação organizada a nível temático e que mistura o clássico com o contemporâneo e os filmes de autor. “Se há um filme que está a estrear e bate certo com o tema que nós queremos, não é por ser contemporâneo que nós não passamos, mas também não é por ser em estreia que o passamos”, sublinha José António Cunha.

Além dos filmes, aquilo que, segundo os responsáveis, diferencia os cineclubes e outras associações culturais das grandes salas de cinema é a forma como as obras são exibidas. É este aspeto que Joana Canas Marques diz fazer a diferença para que quem entra na sala fique com vontade de lá voltar.

Temos sócios que vêm dizer que não gostaram do filme, temos sócios que vêm agradecer porque viram o filme, outros sugerem filmes e outros sócios que vêm só dizer que a semana correu mal ou bem. Isto é um sítio de encontro com o pretexto do cinema”, reforça a diretora, acrescentando que tentam sempre, em média, ter apresentações duas vezes por mês.

Para João Gomes, que começou a assistir às sessões apresentadas pelo cineclube há dois anos, por sugestão de um amigo, o melhor das sessões como as que o CPC-CCP organiza é que “além de não ter pipocas, tem um público que gosta de cinema”. Aqui não há conversas a meio ou até mesmo a luz constante dos telemóveis.

João faz questão de marcar presença todas as semanas nas duas sessões, independentemente do filme que está programado. “Mesmo que eu saiba à partida que o filme talvez não vá ser do meu agrado eu venho ver, porque gosto de cinema e é isso que é bom, é ter filmes que posso não gostar e no fim fazer uma crítica, uma reflexão, dar a opinião com os amigos”, explica ao Observador.

Os bilhetes para os filmes exibidos pelo Cineclube do Porto podem ser de quatro tipos: o bilhete normal: (3,50€), o bilhete para estudantes e pessoas com mais de 65 anos (2,50€), o bilhete para os associados do cineclube (0,50€) e o bilhete és.cultura (jovens nascidos no ano 2000 – gratuito.

“Mais um programador na cidade ajuda todos”

Em Portugal, não há muitos trabalhos que mostrem a evolução das programações fora do circuito comercial, mas um estudo apresentado em maio pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP), com a colaboração do Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA), indica que a maior parte dos concelhos portugueses não tem cinema nem mesmo salas comerciais. A concentração deste tipo de sessões está em Lisboa e no Porto, onde se localizam 49% dos ecrãs de cinema nacionais.

Também o Cineclube do Porto viu aparecer, desaparecer e reaparecer alguns espaços dedicados ao cinema na cidade, como o cinema Batalha ou o cinema Trindade, reaberto em 2017. “Há um ano e meio talvez não estívessemos a falar do Trindade como um dado adquirido e hoje é um dado adquirido e um dado muito positivo”, sublinhou Joana Canas Marques. José António Cunha acrescenta que “o facto de haver mais um programador na cidade ajuda todos” e mostra que “o que faltava era programação e as pessoas voltarem à ideia de cinema”.

Uma biblioteca pública de cinema e um livro para o futuro

Agora que a associação tem mais estabilidade e recuperou algum fôlego a nível financeiro, um dos projetos que está a ser desenvolvido é a recuperação e o tratamento do acervo do CPP, em conjunto com a Casa do Infante, para “poder tornar o espólio do cineclube numa biblioteca pública de cinema do Porto”, avança Joana Canas Marques.

O projeto está a ser desenvolvido desde 2014 e encontra-se atualmente na última fase de recolha. Nessa biblioteca, o público poderá consultar toda a programação do cineclube – incluindo a que foi censurada – e até as correspondências da associação. Depois da recolha, o objetivo é também realizar uma investigação sobre o cineclube e conclui-la com a edição de um livro, nos 75 anos do CPC-CCP, em 2020.

Vamos entrevistar várias pessoas associadas ao cineclube, reunir um conjunto de informação que está dispersa. Quanto mais pessoas tiverem consciência do que é o cineclube e do que foi o cineclube e de toda a importância que teve a nível nacional e até internacional, isso vai ajudar também a sobrevivência da associação”, afirmou Joana Canas Marques

“A ideia deste projeto é um pouco também perspetivar esta história não necessariamente como uma cronologia, mas pelo menos criar uma âncora de referência sobre aquilo que foi o papel do cineclube ao longo do tempo, que é muito mais o tempo dos outros do que o nosso, porque o nosso é muito recente. É preciso fazer jus a isto tudo que vem detrás.”, concluiu José António Cunha.

(Texto editado por Helena Cristina Coelho)

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