Lopetegui chegou ao Real e virou Madrid de pernas para o ar, com as suas ideias e opções para a equipa merengue a darem que falar entre os aficionados madrilenos. Que o espanhol é dono e senhor das suas ideias, ninguém duvida — basta recordar a sua passagem pelo FC Porto, onde foram habituais as surpresas no onze dos azuis e brancos, bem como polémicas algumas opções que tomou durante a sua curta passagem pelo Dragão. Ora, tal como escreve o desportivo espanhol Marca na sua edição de hoje, “em Madrid manda Lopetegui” e as escolhas do ex-selecionador de La Roja já se fazem sentir.

Se o onze inicial apresentado na vitória por 4-1 sobre o Girona, no passado domingo, já foi motivo suficiente de comentários, as opções tomadas pelo técnico espanhol no decorrer da partida ainda mereceram mais notas de destaque. Principalmente, a alteração efetuada ao minuto 60: o lateral esquerdo Marcelo cedeu o seu lugar ao campeão mundial Varane. 

Marcelo foi substituído por Varane à passagem da hora de jogo e, no final, mostrou-se surpreendido com a decisão de Lopetegui (Créditos: Getty Images)

“A substituição surpreendeu-me, mas respeito a decisão do mister. Queria continuar a jogar porque estou bem, a 100%”, referiu o brasileiro, no final da partida, dissipando qualquer dúvida sobre uma possível alteração forçada — a troca devia-se mesmo a opção de Lopetegui. E foi o próprio a justificá-la, pouco depois, em conferência de imprensa: “Na primeira parte, fizemos coisas boas, mas concedemos demasiadas transições. Com o 2-1 na segunda ficámos mais tranquilos e, com a troca do Marcelo, queria reforçar o lado esquerdo com capacidade de jogo aéreo”.

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Foi a primeira vez que Marcelo, reconhecidamente um dos melhores defesas esquerdos do mundo, viu o seu número a vermelho na placa eletrónica porque “era preciso reforçar o lado esquerdo”. O brasileiro acusou o toque, mas Lopetegui fez de conta que não percebeu e lá reforçou a ideia de que no plantel do Real quem manda é o treinador.

Ao terceiro jogo oficial, ainda só foi possível ver Courtois em ação com a camisola do Real nos exercícios de aquecimento (Créditos: Getty Images)

E bastava olhar para o onze escolhido pelo espanhol para confirmar que estatuto, mediatismo ou valor do passe pouco ou nada importam para a entrada no onze inicial: Keylor Navas manteve a titularidade, relegando para o banco o ex-Chelsea Courtois, que se transferiu para Madrid com o objetivo de ser o número um merengue, mas que tarda a somar os primeiros minutos com a camisola branca; Modric, o croata finalista vencido no Mundial, voltou a saltar do banco, pela terceira vez, demorando a recuperar uma titularidade que foi indiscutível com Zidane e que ainda não aconteceu com Lopetegui; o campeão mundial Varane, parceiro de Sérgio Ramos no eixo da defesa na Supertaça Europeia frente ao Atlético de Madrid, perdeu o seu lugar no onze e ainda não foi titular na Liga, vendo Nacho ocupar o seu lugar.

Mas, para além dos supracitados atletas, de renome inegável no futebol europeu e mundial, é preciso acrescentar um outro: Vinícius Jr. foi contratado ao Flamengo por 45 milhões de euros (a contratação mais cara do Real neste defeso), mas ainda não se estreou pela equipa principal merengue. Ao invés, estreou-se no passado domingo com a camisola do Castilla, formação secundária do Real.

O Beiçola que limpava o lixo da rua para poder jogar futebol e que chega a Madrid a troco de 45 milhões

Se Lopetegui surpreendeu meio mundo ao escolher os onze eleitos que lançou no Estádio Montilivi, casa do Girona, não menos surpreendente é o estilo de jogo que tem imprimido neste novo Real. Pelo menos, quando comparado com aquilo que é o passado recente do campeão europeu, mas também, do seu maior rival, o campeão espanhol Barcelona.

Ora, recuando ao conjunto blaugrana liderado por Guardiola entre 2008 e 2012, é fácil identificar um dos principais motivos de sucesso e, simultaneamente, um dos maiores aliciantes para quem gosta de ver futebol — a posse de bola. Esta é a principal arma e unidade mais básica de qualquer equipa de Guardiola (como se pode assistir no Manchester City, clube campeão inglês na temporada passada com o espanhol ao comando) e, provavelmente, um dos maiores legados deixados pelo catalão em Barcelona: desde então, o conjunto culé foi a equipa com mais passes acertados em todas as edições da Liga Espanhola. 

Lopetegui chegou, viu e revolucionou o estilo de jogo do Real que, pela primeira vez na última década, vai superando o Barcelona na troca de bola (Créditos: Getty Images)

Em Madrid, a ideia oposta estava em vigor, com Mourinho no banco do Real a tentar combater o domínio de Guardiola com um jogo mais direto, fechado e com menos (muito menos) trocas de bola de pé para pé. Foram três anos de Mourinho, um Campeonato conquistado e uma diferença superior a 27 mil passes entre as duas formações. 

Com Zidane, a diferença no estilo de jogo não se fez notar assim tanto, pelo menos no que à troca de bola dizia respeito, e o Barcelona mantinha-se como a equipa mais eficaz na circulação do esférico, desde a primeira jornada da Liga. Até agora: à segunda jornada, o Real Madrid soma 1.505 passes contra 1.470 dos blaugrana e tem maior percentagem de acerto com 90.76% dos seus passes a levarem o destino desejado em oposição aos 87.89% do Barcelona.

Neste momento, o Real Madrid é a formação que mais vezes tocou no esférico (1.880 toques que superam os 1.795 do Barcelona) e, pese embora os dados se refiram apenas a duas jornadas, é possível verificar uma mudança de paradigma na ideia de jogo merengue com a chegada de Lopetegui ao comando — os brancos têm a bola mais tempo, gerem-na melhor e circulam-na com mais eficácia do que os seus adversários.

Para tal, muito contribui o maestro alemão Toni Kroos. Sem Modric, é o ex-Bayern Munique quem comanda o jogo do Real e, nos dois encontros realizados até ao momento na Liga Espanhola (vitórias sobre Getafe, 2-0, e Girona, 4-1), acertou 220 passes em 226 tentados. O alemão é quem mais passa e quem melhor o faz: 97.35% de eficácia.

Toni Kroos tem sido o maestro da nova filosofia de jogo do Real, com o maior número e a melhor percentagem de passes acertados na Liga (Créditos: Getty Images)

É certo que o Campeonato ainda agora começou e que é prematuro tirar conclusões ao fim de apenas duas jornadas. Mas também já é certo que Lopetegui chegou a Madrid disposto a impor o seu cunho e levar as suas decisões avante. Até agora, por mais surpreendentes que possam parecer as suas opções, o técnico espanhol parece saber o que está a fazer.