Marcelo Rebelo de Sousa nomeou Lucília Gago com a nova procuradora-geral da República (PGR), de acordo com nota publicada no site da Presidência da República. A notícia foi dada pelo jornal Público minutos antes da confirmação oficial. Está assim encontrada a substituta de Joana Marques Vidal por proposta do primeiro-ministro António Costa.

O Presidente da República justifica a escolha com a defesa da “limitação de mandatos, em homenagem à vitalidade da Democracia, à afirmação da credibilidade das Instituições e à renovação de pessoas e estilos, ao serviço dos mesmos valores e princípios”.

E aponta o caminho para a sucessora de Joana Marques Vidal:  “continuidade da linha de salvaguarda do Estado de Direito Democrático, do combate à corrupção e da defesa da Justiça igual para todos, sem condescendências ou favoritismos para com ninguém”.

Marcelo deixa mesmo um rasgado elogio à atual procuradora-geral da República, ao afirmar que tal linha de atuação foi “dedicada e inteligentemente prosseguida pela senhora dra. Joana Marques Vidal”.

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As razões de António Costa

O Presidente da República fez ainda questão de publicitar no site da Presidência uma carta que o primeiro-ministro dirigiu a Marcelo com a proposta do nome de Lucília Gago. Com a data desta quinta-feira, dia 20 de setembro, a missiva é um resumo das razões que levaram António Costa a propor o nome daquela magistrada do Ministério Público. E as palavras-chave dessa carta são as seguintes:

  • “Continuidade”. O primeiro-ministro começa por enfatizar que deseja que o “processo” de substituição de Joana Marques Vidal “decorra em atempada confluência entre o Governo e a Presidência da República”, permitindo uma “transição tranquila e a continuidade da ação do Ministério Público” (MP).
  • “Autonomia”. Para Costa, a “autonomia do MP é um principio fundamental” que é assegurado pelo Estatuto do MP e que “garante aos seus magistrados liberdade de consciência de ação, protegendo-os contra a interferência de quaisquer poderes.”
  • “Separação e interdependência de poderes”. O processo de escolha do PGR implica a “intervenção e concordância necessárias entre o Governo e o Presidente da República” mas também é a “expressão do princípio constitucional de separação e interdependência de poderes e deve ser conduzido de molde a reforçar a autonomia do Ministério Público, mediante garantia da plena autonomia do procurador-geral da República no exercício das suas funções”
  • “Mandato longo e único”. É precisamente para reforçar a autonomia do procurador-geral que António Costa defende um mandato “longo e único”, de modo a que possa “ser exercido com plena liberdade relativamente a quem propõe ou nomeie”. Para este efeito, o primeiro-ministro invoca não só diversos “magistrados”, assim como o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e a “Comissão Europeia para a Democracia através do Direito, órgão consultivo do Conselho da Europa” — todos estes órgãos defendem que os titulares do cargo do PGR devem estar limitados a um mandato.
  • “Procurador-geral adjunto”. Seguindo a linha de pensamento que Carlos César, líder da bancada parlamentar do PS, já tinha antecipado esta semana, António Costa justificou, por último, que “é desejável que a personalidade a nomear seja um magistrado do MP, com estatuto de procurador-geral adjunto e com experiência nas áreas de ação do MP, em particular a ação penal”.

Tal como o Observador noticiou, a procuradora-geral Joana Marques Vidal começou por mostrar-se renitente em ser reconduzida no cargo. Só após uma segunda conversa com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa é que houve abertura e disponibilidade para continuar a liderar a cúpula do MP. O semanário Expresso também noticiou que estavam reunidas as condições políticas para um acordo entre Marcelo e António Costa com vista a assegurar a continuidade de Marques Vidal.

Joana Marques Vidal já disse a Marcelo que aceita ficar. Os bastidores do processo

Quem é Lucília Gago?

Nascida em Lisboa a 26 de agosto de 1956, Lucília Gago licenciou-se em Direito na Universidade em Lisboa no ano de 1978, dois anos mais tarde ingressou no Centro de Estudos Judiciários. Em 1994, depois de trabalhar como Delegada do Procurador da República, foi promovida a Procuradora da República, tendo exercido funções numa Vara Criminal de Lisboa, no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa e no Tribunal de Família e Menores de Lisboa.

À semelhança da sua antecessora, Joana Marques Vidal, Lucília Gago é especialista em direito da família e, no DIAP, exerceu numa secção especializada em crimes cometidos no exercício de funções públicas ou políticas, corrupção, branqueamento de capitais e criminalidade economico-financeira.

O caso das viagens fantasma de deputados e da morte de dois Comandos foram alguns dos mais mediáticos em que esteve envolvida. Foi escolhida por Joana Marques Vidal para substituir Maria José Morgado no cargo máximo do DIAP, numa deliberação por votos que lhe deu a vitória quase com unanimidade (14 votos a favor contra duas abstenções).

Lucília é casada com outro procurador, Carlos Gago, que em tempos ocupou um lugar na direção da PJ e chegou a ser um membro destacado do PCTP/MRPP. Num artigo de 2016 do jornal Expresso, um magistrado que não quis ser identificado descreveu-a como sendo “uma magistrada de fibra que não tem muita experiência na área criminal e não gosta de exposição mediática”.

Nos passados anos de 2016 e 2017 foi diretora do DIAP de Lisboa e exerce, desde o mesmo ano de 2017, funções na PGR, onde criou e desenvolveu um Gabinete de coordenação dos magistrados do Ministério Público na área da Família, da Criança e do Jovem.

Entre 2014 e 2015 foi também a coordenadora da comissão legislativa criada para rever o sistema jurídico na área dos processos de adoção, tendo acumulado também, entre 2012 e 2016, funções como coordenadora e docente da área da família e menores do Centro de Estudos Judiciários. Chegou a assinar também um e-book intitulado “Violência Doméstica – Implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas do fenómeno”.

As reações à nomeação

O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público foi um dos primeiros a reagir à nomeação de Lucília Gago. António Ventinhas disse concordar com o mandato único para este cargo e esperar que a nova procuradora “se faça rodear de uma boa equipa que a permita levar a cabo as exigentes missões da sua função”.

“O que esperamos é que se continue o bom trabalho desempenhado até agora pela Dra. Joana Marques Vidal, que se consiga continuar a fazer com que todos os portugueses sejam iguais perante a lei, que se continue o combate à criminalidade económico-financeira e que se consiga fazer mais e melhor com cada vez menos meios”, afirmou em declarações à TVI 24.

Já o bastonário da Ordem dos Advogados espera que a próxima procuradora-geral da República mantenha as boas relações institucionais entre os dois organismos e que discuta os temas da justiça de forma frontal.

“Não tenho grandes referências, sei que vem do direito da família e menores. Desejo, contudo, que se mantenham as boas relações institucionais sem prejuízo da forma como cada um vê a justiça”, comentou Guilherme Figueiredo à Lusa.

O bastonário dos advogados espera que Lucília Gago “traga a mesma relação de discussão dos temas de forma frontal”, sublinhando que o facto de a magistrada vir da área da família em nada interferirá no combate ao crime económico. “O mais importante é ter capacidade para gerir a magistratura do Ministério Público, criar pontes com as outras entidades. A gestão de pessoas e meios é o mais importante”, referiu.