“Como é a minha equipa? Uma equipa que gosta de ter bola, que quer defender bem, que retira espaço ao adversário, que não concede oportunidades. Depois, recuperando a bola, utilizamos o contra-ataque se for possível; se não for, jogar a bola no pé, chegar com a equipa junta ao último terço. Se perdermos a bola, estarmos juntos para recuperar”, explicava na antecâmara do jogo André David, treinador do Loures, antes de citar uma ideia de dois técnicos referência neste momento: Jürgen Klopp e Maurizio Sarri. “Existe uma responsabilidade em cada treinador na promoção de um jogo que dê prazer e que leve as pessoas ao estádio”, destacou. Nem sempre foi assim mas não deixou de ser uma lufada de ar fresco ver, ou confirmar mais uma vez, o bom trabalho que também é feito em divisões mais desconhecidas como o Campeonato de Portugal.

Para quem assistiu aos jogos do Benfica com o Sertanense ou do FC Porto com o Vila Real, é fácil resumir este jogo do Sporting em Alverca: não teve nada a ver. Porque enquanto águias e dragões conseguiam aproximações e oportunidades com uma aceleração mais forte, os leões mostraram poucas ideias, escassa dinâmica ofensiva e dificuldade em ligar blocos para asfixiar o Loures no seu meio-campo e não permitir que ganhasse confiança com a passagem dos minutos. É certo que a equipa verde e branca com ou sem Dost é completamente diferente; é certo que Montero e Raphinha (também lesionado) têm rotinas mais esclarecidas no ataque; é certo que Battaglia e Acuña dão outro pulmão ao resto da equipa. No entanto, num onze com tantos habituais titulares, esperava-se que a diferença entre as equipas fosse maior do que realmente foi.

Sporting vence Loures por 2-1 com golos de Bruno Fernandes e Nani e avança na Taça de Portugal

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Um exemplo prático do que se passou na primeira meia hora de jogo passa pelos remates dos dois conjuntos: aos 30′, numa tentativa de Rodrigo Thompson de fora da área que saiu fraca para Renan Ribeiro, o Sporting tinha dois remates com algum perigo de Bruno Fernandes e Nani na transformação de livres diretos em zona frontal do terreno; depois disso, houve apenas um cabeceamento com perigo de Marcelo pouco por cima da trave também na sequência de bola parada (canto). Jovane Cabral, com os habituais rasgos individuais com progressão em velocidade, ia tentando disfarçar as lacunas mas teve de ser o suspeito do costume a desbloquear os encontros mais presos. Aquele que, quando aparece, transforma a equipa.

Ficha de jogo

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Loures-Sporting, 1-2

3.ª eliminatória da Taça de Portugal

Complexo Desportivo do FC Alverca

Árbitro: João Malheiro Pinto (AF Lisboa)

Loures: Miguel Soares; Filipe Gaspar, Jamil Rodrigues, Fábio Marinheiro, Luis Qui Cui; Bruny Almeida, Léo Tomé, Gonçalo Silva (Juninho, 59′); Miguel Oliveira, Rodrigo Thompson (Enton Rosário, 67′) e Luís Elói (González, 77′)

Suplentes não utilizados: Filipe Leão, Rúben Freire, Ronan Rodrigues e Mauro Andrade

Treinador: André David

Sporting: Renan; Bruno Gaspar, André Pinto, Marcelo, Jefferson; Gudelj, Bruno Fernandes; Nani, Jovane Cabral (Miguel Luís, 90′), Carlos Mané (Petrovic, 68′) e Castaignos

Suplentes não utilizados: Salin, Lumor, Bruno César, Misic e Fredy Montero

Treinador: José Peseiro

Golos: Bruno Fernandes (42′), Nani (56′) e Juninho (90+2′)

Ação disciplinar: nada a assinalar

Olhando apenas para a parte ofensiva do Sporting nestes primeiros dois meses, existem dois grandes desbloqueadores de jogos: Raphinha e Jovane Cabral. Porque acrescentam velocidade, porque conseguem introduzir outras dinâmicas, porque dão à equipa verticalidade e criatividade. Se nenhum deles aparecer, os golos até podem surgir mas a probabilidade é menor. É aqui que entra Bruno Fernandes, que admitiu mesmo há menos de um mês através do Instagram não estar a atravessar a melhor fase, em resposta a um adepto após a derrota em Braga. Ainda assim, vai ajudando e já leva cinco golos.

“Compreendo tudo aquilo que foi escrito e estou de acordo! É verdade, nada justifica as minhas exibições não estarem ao nível das do ano passado ou que apareça por simples momentos e volte a desaparecer. Acredita que mais do que ninguém sinto-me frustrado com isso e com a falta de qualidade que tenho vindo a apresentar. E a culpa não é de ninguém a não ser minha. Porque sou responsável por mim mesmo e independentemente de tudo sou eu quem joga, sou eu quem tem de perceber o que tem de melhorar e fazer melhor. Mas uma coisa prometo: que atitude e compromisso vou ter sempre e nunca vou faltar com isso por mais que jogue bem ou mal isso vai estar sempre no meu jogo! E acredita essa tua crítica que considero construtiva ajudou-me a perceber que por vezes tenho de confiar em mim mesmo porque vocês confiam e esperam muito de mim assim como eu espero! Obrigado e um abraço”, escreveu a 25 de setembro na suas redes sociais.

Depois de voltar da Seleção Nacional, Bruno Fernandes foi titular um pouco mais recuado no corredor central. Voltou a não fazer o jogo mais conseguido desde que chegou a Alvalade, longe disso, mas teve o condão de levar “a sério” uma partida contra um adversário inferior na antecâmara da aguardada receção ao Arsenal para a Liga Europa. E apontou o golo que deu vantagem ao Sporting a três minutos do intervalo, com um remate do “meio da rua” com algumas culpas à mistura para Miguel Soares, que não conseguiu travar um remate forte mas que saiu ao meio da baliza.

Na segunda parte, aquele tal fator determinante apareceu: Jovane Cabral. Todas as jogadas de perigo ou de golo nasceram dos pés do miúdo que se estreou mais ou menos há um ano, também num jogo da Taça de Portugal, com o Oleiros: foi o ala que sofreu a falta dentro da área que permitiu a Miguel Soares “redimir-se” do golo sofrido e travar o penálti marcado por Bruno Fernandes (que falhou o primeiro castigo máximo desde que chegou ao Sporting, o que viria a condicionar a nível pessoal o resto do jogo); foi o ala que obrigou o guarda-redes do Loures à defesa incompleta que permitiu a Nani, na recarga, apontar o 2-0 (56′); foi o ala que conseguiu criar desequilíbrios em velocidade que Castaignos, o avançado avesso aos golos, quase transformou (e foi o ala que acabou por dar lugar à estreia de mais um miúdo da formação, o campeão europeu Sub-17 e Sub-19 Miguel Luís).

Com o passar dos minutos, o Loures, que nunca deu o jogo por perdido, também criou oportunidades. Rodrigo Thompson, na área, rematou já em desequilíbrio para defesa de Renan; mais tarde, Miguel Oliveira surgiu isolado nas costas dos centrais verde e brancos mas permitiu a defesa com o pé do guarda-redes brasileiro; já nos descontos, Juninho, filho do antigo médio leonino Mário que se tornou célebre por um golo decisivo frente ao FC Porto para a Taça de Portugal nas Antas, voltou a explorar as costas da defesa do Sporting, ganhou a frente a Marcelo e rematou em arco na área para o 2-1 final.

A equipa de José Peseiro qualificou-se para a quarta eliminatória mas ainda ouviu assobios por parte dos adeptos que se deslocaram a Alverca numa noite que teve chuva pelo meio. Valeu a vitória mas os dois golos apontados a uma equipa que milita no Campeonato de Portugal não disfarçam as duas maiores lacunas dois meses depois do início dos encontros oficiais: por um lado, o Sporting continua sem capacidade de construção na primeira fase, um problema evidente que condiciona depois muito do jogo ofensivo (e prejudica elementos como Bruno Fernandes e Nani); por outro, é incapaz de gerir ritmos de jogo, tempos de posse e qualidade de circulação quando precisa do resultado ou quando já está em vantagem. Há mais problemas numa equipa que desde início todos sabiam que seria um problema por todas as circunstâncias que o clube viveu em termos desportivos e institucionais, mas estes dois são os que cavam a diferença para os mais diretos rivais. E dois meses depois, ainda não conseguiram ter uma resolução válida.