No dia seguinte àquele que terá sido o ato eleitoral mais mediático e polémico desde a redemocratização do Brasil, o país acorda com um novo Presidente da República: Jair Bolsonaro. O candidato do Partido Social Liberal venceu Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores, com mais de 55% dos votos na segunda volta das eleições e prometeu respeitar a democracia, a liberdade e a Constituição brasileira na primeira declaração enquanto Presidente eleito.

Nos editoriais aos pouco inesperados resultados eleitorais, os principais jornais brasileiros escolheram o mesmo tópico como tema principal: o facto de Jair Bolsonaro, durante toda a campanha, nunca ter revelado quaisquer medidas económicas, políticas e sociais que tenha como intenção tomar quando chegar ao Palácio do Planalto. A Folha de S. Paulo, que coloca o editorial na primeira página da edição desta segunda-feira e lhe dá o título “Constituição acima de todos”, sublinha que “pela primeira vez desde a redemocratização, a direita mais nítida e enraizada que se faz possível neste país de profundas contradições chega de forma legítima” à presidência.

O jornal de São Paulo reconhece que, nos primeiros discursos enquanto Presidente eleito, Bolsonaro “amainou a retórica agressiva” e fez ainda “o devido elogio à Constituição, à democracia e às liberdades”. Contudo, recorda que “durante 27 anos como deputado e ao longo desta eleição, Bolsonaro deu inúmeros sinais de que ignora rudimentos da convivência democrática” e acrescenta ainda que o agora Presidente brasileiro “demonstrou desconhecer o papel da imprensa livre”, revelando ainda que Jair Bolsonaro colocou uma ação judicial a três jornalistas da Folha de S. Paulo por estar “inconformado” com uma reportagem.

O editorial do jornal brasileiro aponta: “Subsiste uma distância entre o governante que manifesta o seu incómodo e aquele que deseja eliminar opositores e silenciar críticos; entre o governante preparado para chefiar uma nação democrática e aquele que não se adapta ao contraditório, ao escrutínio público e à livre circulação de ideias”. No último parágrafo, além de garantir que o jornal paulista “ficará onde sempre esteve”, o editorial da Folha de S. Paulo defende que Jair Bolsonaro “precisará assimilar as lições que nunca aprendeu e mostrar-se à altura do mandato recebido”.

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Já o Estado de S. Paulo – que dá ao editorial desta segunda-feira o título “Salto no escuro” -, sublinha a importância da “tiriricarização” da política brasileira, em alusão a Tiririca, o humorista que se candidatou e foi eleito para deputado sob o slogan “pior do que está não fica”. Naquele que é sem qualquer dúvida o editorial mais duro dos principais jornais do Brasil, o Estadão vinca que os brasileiros escolheram uma “antítese raivosa do lulopetismo” e que esta “ânsia de repudiar o que o PT e Lula da Silva representam” superou qualquer consideração política.

E vai mais longe: “Infelizmente para o Brasil, quem se apresentou para essa missão com sucesso não foi a oposição tradicional, organizada e responsável, e sim um obscuro parlamentar do baixo clero, portador de um discurso raivoso e vazio, que apelou aos sentimentos primários de uma parte significativa da sociedade exausta de tanto lulopetismo”.

O editorial do Estadão afirma que “ninguém sabe” quais são as ideias de Jair Bolsonaro para quando chegar ao Palácio do Planato, em janeiro de 2019 – “admitindo-se que as tem” -, e garante que “o eleitor escolheu Bolsonaro sem ter a mais remota ideia do que ele fará quando estiver na cadeira presidencial”. E deixa uma palavra ao PT que, como principal partido da oposição, terá “de repensar a sua atuação se quiser sobreviver à travessia do deserto” e um bom começo seria “passar a atuar tendo como objetivo primordial ajudar o País, e não, como de hábito, atender apenas aos interesses do partido”.

Já o Globo, que logo no título aponta para “A hora do rodízio democrático no poder”, publicou esta segunda-feira aquele que terá sido o editorial mais moderado. Além de sublinhar que o facto de Lula da Silva não se ter candidatado significa que “a lei foi respeitada”, o jornal diz que “a pacificação interessa à nação” e que para isso terão de existir “negociações entre situação e oposição”. “Enfrentar este cenário difícil não será apenas um desafio para governo e oposição, mas também para o regime democrático, com seus pesos e contrapesos”, sentencia o Globo.

[Veja o vídeo: O filme da noite em que o Brasil virou]