Saiu fumo branco da reunião desta terça-feira entre o Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) e a Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM), que representa as empresas do setor. Até ao final do mês não se fala em greves (pelo menos foi o acordado), mas quanto a tudo o resto, sindicato e patrões parecem discordar na leitura do que se passou dentro da sala.

No final da reunião, em declarações aos jornalistas, o vice-presidente do sindicato Pedro Pardal Henriques não detalhou com clareza os termos do acordo, mas revelou que as duas partes chegaram a um entendimento. Se os associados das duas entidades aprovarem as condições do acordo — que serão reveladas em primeira mão a estes intervenientes e só depois publicamente —, este será assinado no final do mês.

Hoje vimos uma ANTRAM disposta a negociar, com várias cedências. Desde logo na carga horária: houve um compromisso de respeitar os horários de trabalho dos trabalhadores de matérias perigosas. Tanto por parte da ANTRAM como por parte do Governo, houve um compromisso sério na verificação com rigor dos horários de trabalho destes condutores, que passarão a ser trabalhadores normais, com um horário de trabalho como todos os outros”, começou por dizer Pedro Pardal Henriques.

Relativamente às exigências salariais do sindicato, que pedia ordenados de 1200 euros mensais para estes trabalhadores, o sindicalista afirmou que na reunião foi encontrado “um valor que aproxima” daquilo que era exigido. Esse valor só será revelado depois de ser apresentado aos associados das duas entidades presentes na negociação. “Vamos apresentar aos nossos associados, a ANTRAM vai apresentar aos seus associados, se todos chegarem a acordo todos nós ficaremos satisfeitos”, apontou Pedro Pardal Henriques, que sublinhou repetidamente que esse valor “aproxima-se muito do valor que estávamos a pedir inicialmente”.

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Houve ainda um pré-acordo em “questões relacionadas com seguros, que vínhamos a reclamar, e com questões de saúde, [nomeadamente a realização de] exames médicos mais regulares, tendo em conta a exposição a que estas pessoas estão sujeitas”, esclareceu o porta-voz do sindicato.

O prazo para que se confirme o acordo foi apontado para o final do mês. É “um prazo de paz social”, para as duas partes se voltarem “a sentar e fechar” o acordo”. Já sobre o reconhecimento desta categoria profissional, Pedro Pardal Henriques adiantou que a negociação também está “muito bem encaminhada”, estando ainda por definir se esse reconhecimento acontecerá através de “contrato coletivo próprio” ou através de um contrato já existente que pode ser “negociado”. Serão, ainda assim, reconhecidas “algumas características próprias do trabalho destas pessoas” se o acordo for aprovado, garantiu o sindicalista.

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Já para a associação que representa os patrões, não foi nada disto que se passou dentro da sala. A começar pela alegada nova postura da ANTRAM para negociar, que o sindicato agora elogia.

“Não há abertura diferente. A abertura da ANTRAM nesta reunião, como em todas as outras, foi a de promover o trabalho, os motoristas e as empresas. Foi a mesma abertura de sempre. Notamos sim uma diferença substancial por parte do sindicato. Que veio apresentar-nos uma proposta substancialmente diferente daquilo que tinha sido publicitado, bastante mais próximo daquilo que achamos serem valores aptos a ser apresentados e discutidos com os nossos associados”, disse Pedro Polónio, vice-presidente da associação. E que valor é esse? A ANTRAM, tal como o sindicato, não diz.

Mas levanta a ponta do véu: “São valores bastante diferentes do que tem sido divulgado [pelo sindicato]. Digo-lhe apenas que os 1.200 euros de salário base eram absolutamente incomportáveis para as empresa e colocariam em causa a sua sobrevivência”. A ANTRAM diz mesmo que a proposta que o sindicato levou hoje a reunião “nada tem que ver” com aquela que tinha sido apresentada anteriormente.

E reitera que “a ANTRAM não vai colocar de forma alguma em causa a rentabilidade, a capacidade e a permanência no mercado das suas empresas. Não vai entrar em acordos que não sejam possíveis de suportar pelas empresas”, salientou Pedro Polónio.

No que toca à criação de uma categoria especial, mais uma vez, a ANTRAM afirma que “contrariamente àquilo que se faz passar, estes trabalhadores têm de facto um regime diferente dos outros trabalhadores” e que “relativamente à criação de uma categoria específica, não ficou nada acordado”. Pedro Polónio diz até que as negociações estão “muito longe de chegar” à criação de uma categoria própria para os transportadores de matérias perigosas.

As contradições entre o sindicato e a ANTRAM não se encerram nas conclusões da reunião desta terça-feira, até porque começam nas próprias condições de trabalho que um ou outro lado afirma ter, a começar pela questão do horário. Uma das reivindicações do sindicato era um horário de trabalho de 8 horas diárias. E Pedro Pardal Henriques refere que da reunião resultou um “compromisso sério, tanto por parte da ANTRAM, como por parte do governo”, “na verificação do rigor dos horários de trabalho”.

Segundo o sindicato, estes horários eram muitas vezes violados, com casos de trabalhadores com horários superiores a 8 horas. A ANTRAM sublinhou que “as cargas horárias não são aquelas que têm vindo a ser referidas”.

Se os associados das duas entidades em negociação, ou somente de uma delas, não aceitarem os termos do acordo, “existem outras formas de luta normais”, apontou o vice-presidente do sindicato, que elogiou o “clima de boa fé” revelado nesta nova negociação, na qual viu uma ANTRAM “diferente, disposta a negociar e compreender os problemas destas pessoas”.

Em abril, uma greve dos motoristas de matérias perigosas, coordenada pelos sindicatos do setor, colocou em risco o abastecimento de combustível a aeroportos e gasolineiras. A greve terminou na manhã de 18 de abril, após três dias de corrida às bombas de gasolina. Chegou, também, a haver voos cancelados na sequência da greve.

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