O início das carreiras de José Mário Branco e Sérgio Godinho estão interligados, há músicas que são partilhadas nos seus primeiros álbuns, Mudam-se Os Tempos, Mudam-se As Vontades e Os Sobreviventes, e que revelam a cumplicidade necessária para exercitar a música pré-25 de Abril. Mas a amizade e a colaboração artística entre os dois permaneceu ao longo das décadas seguintes. Falámos com Sérgio Godinho sobre o início dessa relação.

Onde e como conheceu José Mário Branco?
Conheci-o em Paris, quando fui de Genève para Paris, já me tinham falado dele,  amigos comuns. Embora sejamos ambos do Porto, conhecemo-nos de facto em Paris. Muito rapidamente criou-se uma amizade muito forte com ele e com a mulher dele na altura, com quem teve dois filhos, a Isabel Alves Costa.

Quando é que sentiu que essa amizade se desenvolveu para lá do vosso trabalho?
Foi alguém com quem comecei a ter uma grande intimidade e amizade e, ao mesmo tempo, tivemos experiências musicais crescentes e que acabaram por ser muito duradouras. Ele estava a compor, compunha em francês; eu também estava a compor, mas de uma maneira menos desenvolvida. Quando começaram a consolidar-se as canções, fizemos quatro temas juntos, com letra minha e música dele, que estão no primeiro disco dele [Mudam-se Os Tempos, Mudam-se As Vontades]… há uma delas que está no primeiro disco dele e no meu, “O Charlatão”. No meu primeiro disco, Os Sobreviventes, ele esteve sempre presente, foi uma espécie de produtor informal. Foi uma amizade solidificada pela cumplicidade musical e que se manteve sempre. Somos um pouco como irmãos. Digo que somos… estou a falar nisto no presente, porque isto não se esvai.

E como foi quando voltaram para Portugal?
Cruzámo-nos muitas vezes depois do 25 de Abril, quando voltámos, como é evidente. Mais tarde tivemos aquela ótima aventura do Três Cantos, com o Fausto, que foi algo de muito próximo e de muito orgânico, em que eu, o José Mário e o Fausto também, parecia que nos conhecíamos desde sempre. E de certa forma conhecíamo-nos desde sempre. Havia uma cumplicidade que nunca foi abalada por nada. Não houve desavenças, as nossas opiniões políticas não eram as mesmas, mas isso também… embora fossemos ambos de esquerda, etc., recentemente no meu último disco, Nação Valente, há uma canção… pedi-lhe uma música, fiz a letra, uma canção chamada “Mariana Pais, 21 Anos” que tem mesmo a marca do José Mário. É uma marca de composição autoral extremamente  forte e muito inspirada, a inspiração é algo que é misterioso. Não se percebe muito bem de onde é que vem, mas existe. E o José Mário é um tipo musicalmente inspiradíssimo. Ele teve também uma grande influência como produtor, no som do Zeca Afonso. A partir do Cantigas do Maio e o Venham Mais Cinco, as prestações do José Mário deram um novo fôlego às canções do Zeca. E foi muito importante. E com o Camané, aqueles arranjos… aí mais a produção, a produção do José Mário foi fulcral.

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Sabe como se iniciou essa relação com o Camané? Como surgiu o interesse pelo fado e a vontade de trabalhar como Camané.
Isso não sei, tem de perguntar isso ao Camané. Vem por influência da Manuela de Freitas, sempre gostou muito de fado.

Que importância teve o José Mário Branco em Os Sobreviventes como produtor informal?
Foi isso. Foi um produtor informal, alguém que esteve sempre presente. Ao fim de contas, ele também estava a experimentar novos caminhos nesse aspeto.

E que novos caminhos eram esses? Como foi vê-lo a descobrir esses novos caminhos?
Tinha referências musicais muito ricas, muito diferentes. E muito influenciada pela música de teatro, música contemporânea. Tinha outras referências, eu tinha mais referências rock, pop e folk, e é uma conjugação de tudo isso.

Que canções guarda na memória do vosso trabalho conjunto?
“O Charlatão” foi com certeza uma espécie de pico da nossa colaboração.