Título: Sete Casas Vazias
Autor: Samanta Schweblin
Editora: Elsinore
Ano da Edição: fevereiro de 2020
Páginas: 128
Preço: 14,99€

A edição portuguesa de Sete Casas Vazias foi publicada em fevereiro deste ano pela Elsinore

Foi com uma coletânea de contos, Pássaros na Boca, que Samantha Schweblin ficou conhecida. Bem recebido pela crítica (foi galardoado com vários prémios, incluindo o da Casa de las Americas, atribuído pela organização cubana com o mesmo nome), o livro ganhou maior atenção em 2019 depois da sua tradução para o inglês, dez anos depois da sua publicação na Argentina, e da sua nomeação, numa primeira fase, para o International Booker Prize.

Com o livro de contos seguinte, Schweblin não teve tanta sorte — publicado em 2015, depois do também muito elogiado Distância de Segurança, a primeira tentativa da escritora argentina na ficção longa, Siete casas vacías aguarda ainda a tradução para o inglês e a atenção que todos os seus livros merecem. Felizmente para os leitores portugueses, a coletânea ficou disponível em Portugal em fevereiro, numa edição da Elsinore que tem como título Sete Casas Vazias.

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Composto por sete contos, o livro de Schweblin é viagem por sete casas, sete vidas, cada uma com os seus problemas e aflições. O tempo é o da contemporaneidade, e só à luz dessa noção temporal é que é possível compreender os dramas das personagens, quase todas femininas. Os temas são caros à autora — os limites do pessoal e do privado, tema do seu mais recente romance, Kentuchis, e como a semente da desconfiança e do desconforto pode, através das nossas ações, germinar no interior de um espaço que devia ser sinónimo de segurança, a casa.

O conto central do livro, e o maior de todos, “A Respiração Cavernosa”, aborda isto mesmo, assim como a questão da saúde mental, também muito presente ao longo da coletânea (o texto inicial, “Nada disso”, fala de uma mãe psicologicamente desequilibrada, e o segundo, “Os meus pais e os meus filhos”, sobre um casal de idosos, pais da personagem principal, que estão a ficar senis). Este texto, o quarto da coleção, conta a história de Lola, que desconfiava que “a sua vida tinha sido demasiado longa, tão simples e leve, que agora lhe faltava peso para desaparecer”.

Com peso a mais e uma idade já avançada, Lola depende do seu marido para as tarefas do a dia a dia, dentro e fora de casa. À sua condição física, associa-se ainda uma outra, psicológica, que a impede de deixar a habitação. Fechada em casa, vive obcecada com as mesmas tarefas (ver o seu programa de televisão favorito, embalar o importante e esperar pela morte) e com uma rotina que parece ser incapaz de interromper. Este ciclo é perturbado pela chegada de novos vizinhos e de um jovem que, ao se tornar amigo do seu marido, se intromete num domínio que até então Lola considerava seguro e intransponível. Esta situação precipita a mulher numa espiral de paranoia que a leva a perder toda e qualquer noção da realidade.

Os limites do privado e do pessoal e os efeitos que a sua transposição têm em cada um de nós são o tema central de Sete Casas Vazias. A nossa casa é o nosso santuário, e a perturbação deste lugar sagrado faz desmoronar toda a sensação de segurança e conforto. Schweblin levou isto ao extremo no seu último romance. Em Kentuchis, a última grande sensação tecnológica, uns peluches mecanizados que servem para ligar em pessoas em cantos opostos do globo, tornam-se um pesadelo generalizado quando os seus donos se apercebem que quem está do outro lado nem sempre é bem intencionado.

A triste realidade será sempre a triste realidade

É por causa desta ligação temática, e não apenas por um ter antecedido o outro, que faz todo o sentido ler Sete Casa Vazias antes de Kentuchis. O último romance de Schweblin é uma evolução natural dos contos de Sete Casas Vazias, que lhe serve de apresentação. Infelizmente, a publicação em Portugal do romance no ano passado, antes do livro de contos, privou alguns leitores da possibilidade de acompanhar este crescendo temático.

Em Sete Casas Vazias, Samantha Schweblin apresenta um retrato dos tempos de hoje, com um detalhe e astúcia só possível ao melhor dos observadores. A forma como a escritora argentina consegue captar as subtilezas da contemporaneidade, marcada por uma paranoia muitas vezes excessiva que convive ao mesmo tempo, e de forma irónica, com uma noção cada vez mais esbatida dos limites do pessoal e do privado, é uma das suas maiores forças e a forma como nos leva a pensar sobre tudo isto, refletindo acerca das nossas ações, uma das suas maiores qualidades. Lê-la é, em 2020, mais do que obrigatório.