O PS de Costa está numa deriva “centrista” desde que Rui Rio se mostrou “dependente” de uma aliança com Chega, e o PCP e o PAN estão a “legitimar” o Governo socialista. À esquerda, só o Bloco de Esquerda está a posicionar-se como “alternativa” e é aí que quer posicionar-se no debate político e conquistar votos. É isto que se lê numa primeira versão da moção política da direção do partido, assinada à cabeça por Catarina Martins, Pedro Filipe Soares e Marisa Matias, que será discutida e  apresentada à Convenção de maio.

“A escolha de uma via centrista pelo PS é a recriação de uma tática que já vimos falhar em inúmeros países”, lê-se no texto, a que o Observador teve acesso, onde a direção do Bloco de Esquerda pega no exemplo de Emanuel Macron, em França, para o comparar à tática de António Costa, afirmando que essa busca do centro político tem um resultado imediato: criar “alternância sem alternativa” e “excluir os avanços sociais do diálogo à esquerda”. Sem isso, dizem os bloquistas, a única cola que sobra entre a esquerda é a “chantagem da perda do poder para a direita” — sendo que se trata de uma direita “radicalizada” porque está “dependente” de um partido como o Chega.

Uma cola que pode não ser suficiente, avisa a direção do Bloco de Esquerda. Lembrando que os bloquistas viabilizaram o Orçamento Suplementar em 2020 num regime de “colaboração crítica face ao choque inicial da pandemia”, assim como têm viabilizado as sucessivas renovações do estado de emergência, o BE reitera que votou contra o Orçamento do Estado para 2021 por considerar que, por um lado, a maior parte das medidas previstas no suplementar ficaram na gaveta, e, depois, porque colocou condições de entendimento que não foram respeitadas pelo Governo. Condições essas que se mantém por serem, no entender do Bloco de Esquerda, a chave da resposta à crise pandémica e social.

A porta mantém-se aberta (ou não) na medida em que as condições são as mesmas. “No futuro imediato, é ainda na resposta a essas questões [recuperação do SNS, reforço da proteção social, reposição de direitos laborais eliminados pela troika, e combate aos abusos dos bancos] e às do investimento público para o emprego e a transição climática que se verificarão aproximações ou distanciamentos face ao governo“, lê-se no projeto de moção. Ou seja, o Bloco de Esquerda está a correr em pista própria, separado do Governo e da geringonça, desde que bateu com a porta no ano passado e não mexe uma vírgula nas condições que levaram à rutura.

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Apelo ao voto útil à esquerda: PCP e PAN são cúmplices do Governo

Como parte da estratégia de descolagem do Governo, o Bloco aponta o dedo ao PCP e ao PAN, que seguraram o Governo no último Orçamento do Estado e que, nessa medida, estão amarrados à “débil” resposta à crise. “Confortada à direita pelo apoio do Presidente da República e legitimada à esquerda pelo PCP e pelo PAN, a política de débeis paliativos permite ao PS expandir o centro político, que passou a ocupar sozinho desde que o PSD anunciou a sua dependência de uma aliança com a ultra-direita”, lê-se.

É o início da dramatização do apelo ao voto útil à esquerda: só o voto no Bloco de esquerda será um voto na “alternativa” à esquerda. A estratégia é essa, ao mesmo tempo que o Bloco mantém um pé na “geringonça” mantendo a porta entreaberta para futuras negociações e mantendo uma postura “colaborativa” na viabilização das renovações do estado de emergência. “O Bloco é uma garantia de uma alternativa à esquerda que recusa uma governação que retoma a lógica da austeridade”, lê-se na moção.

As autárquicas e as “maiorias sociais para combater o medo”

Perante a “reconfiguração da direita” que está em marcha, com a polarização em torno da “ultra-direita” e do pólo “ultra-liberal”, e com o PSD de Rio a tentar “sobreviver aos partidários de Passos Coelho” e o CDS a “desaparecer”, o Bloco de Esquerda entende que não há qualquer “fatalidade democrática” que leve a direita radicalizada ao poder.

É aí que entra a necessidade de reforçar a esquerda para ser “alternativa” à junção dos vários partidos à direita. “A direita radicalizada pode ser derrotada se a potência das alternativas à esquerda lograr responder à maioria e aos setores mais penalizados na crise”, lê-se, voltando uma vez mais às velhas condições impostas ao PS: reforçar os apoios sociais, o SNS e dar maior proteção laboral aos trabalhadores.

Mas se chegar o dia em que o projeto de uma direita radicalizada for um projeto de poder, então o Bloco de Esquerda não faltará à chamada: “O Bloco não aceita nenhum recuo e formará maiorias sociais para combater a agenda do medo“.

É também neste esboço da moção estratégica que o Bloco de Esquerda de lança para as autárquicas. No texto elaborado por Catarina Martins, Marisa Matias e Pedro Filipe Soares fica claro que o BE não fará coligações pré-eleitorais com o PS (tal como não fará com partidos da direita). Apenas poderá fazer coligações com movimentos independentes. “O Bloco apresenta listas próprias, abertas à participação de candidatos independentes e não realizará coligações com os partidos de direita e com o Partido Socialista”, lê-se.

Coisa diferente é não estar disponível para formar maiorias nas várias autarquias, pós-eleições, desde que não seja com partidos de direita. “Em cada executivo, o Bloco está disponível para todas as responsabilidades, contribuindo para a formação de maiorias que, excluindo os partidos de direita, assentem em compromissos sobre medidas fundamentais”.

O texto da moção foi enviado na quinta-feira aos militantes e ficará agora em discussão no trabalho preparatório até à convenção, que se irá realizar no final do mês de maio, depois de ter sido adiada devido à crise pandémica.