A Iniciativa Liberal tem Convenção marcada para o próximo fim de semana e João Cotrim Figueiredo é o primeiro subscritor da única moção de estratégia global que vai a votos na reunião magna. No documento a que o Observador teve acesso, a IL abre portas ao que tem vindo a dizer nos últimos meses: o partido está disposto a “ser a chave” de uma solução governativa “alternativa ao PS”. Aliás, o partido admite um cenário idêntico ao que foi construído nos Açores, com um “acordo escrito”, mas sem o Chega estar envolvido.

O documento com mais de 80 páginas — a última moção tinha apenas 16 — estabelece os objetivos até 2023, com foco nas eleições legislativas antecipadas que podem levar a IL a aumentar o número de deputados. Sem a crise política, o partido liderado por Cotrim Figueiredo demoraria mais dois anos a ter esta oportunidade, o que obrigou a uma redefinição de metas e formas de trabalhar. Agora, além da ideia de “liberalizar Portugal”, a moção tem um lema: “Preparados.”

Desde cedo é possível perceber que a Iniciativa Liberal que vai a votos em 2022 é diferente daquela que elegeu um deputado único em 2019. Desde logo pela ambição: a IL pretende manter uma “natural, lúcida e muito saudável desconfiança liberal quanto ao poder político”, mas recusa demitir-se das “responsabilidades” que já sente. Para que tal aconteça, o partido está disposto a “ser a chave de uma solução de governo alternativa à do Partido Socialista”.

E para isso não exclui qualquer cenário: pode fazer parte de um “governo de coligação com forças políticas não-socialistas e não-populistas”, assumindo que o programa deve refletir um cariz reformista e medidas liberais; e admite uma “viabilização parlamentar” desde que exista um “acordo escrito” que pressuponha a adoção de medidas liberais.

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Contudo, e para que fique escrito aquilo que Cotrim Figueiredo tem repetido por diversas vezes, a moção esclarece que a Iniciativa Liberal não vai celebrar, “em nenhum dos atos eleitorais previstos ou antecipados, quaisquer acordos escritos ou verbais, pré ou pós-eleitorais com o PS, o Bloco de Esquerda, o PCP ou o Chega”. À direita, coloca apenas uma linha vermelha ao Chega, deixando as portas abertas para PSD e CDS.

Apesar de estar disponível para “influenciar o poder político”, a Iniciativa Liberal tem consciência da necessidade de organização interna e da “fasquia elevada” que essa ambição exige (com eleições no final de janeiro). Como tal, a médio-prazo acredita que é possível assinalar a “evolução” daquilo a que os próprios chamam “o partido do Twitter e dos cartazes” para um “partido responsável que pode ser charneira”. Se esta é uma “atitude essencial a médio-prazo”, a IL vê o final da linha como a declaração de que “o liberalismo e as ideias liberais vieram para ficar”.

“Se o partido não der provas de que está preparado, estará mais vulnerável aos apelos do ‘voto útil’, não será visto como parceiro idóneo, terá menos poder negocial e menos influência. No fundo, terá perdido uma oportunidade de solidificar o projeto liberal para Portugal”, admite-se na moção estratégica para os próximos anos.

A ambição liberal numa tabela: mínimo de 3, máximo de 8 deputados

João Cotrim Figueiredo já tinha revelado o número de deputados que considera possível alcançar nas próximas eleições e agora deixa-o por escrito. Na moção estabelece um conjunto de cenários com os mínimos e os máximos para o partido, nomeadamente os locais em que podem ser eleitos liberais.

O objetivo nacional são 4,5% dos votos nas próximas legislativas e a eleição de cinco deputados, “nos distritos de Lisboa e Porto e com possibilidades também em Braga, Setúbal e Aveiro”. Esta ambição permitiria passar de um deputado único para um grupo Parlamentar, o que, de acordo com o mesmo documento, aumentaria “fortemente o impacto político da Iniciativa Liberal dentro e fora do Parlamento”.

Mais do que isso, há cenários a ter em conta (e a IL coloca-os na moção em tabela):

A Iniciativa Liberal explica na moção estratégica global que o partido “muito dificilmente elege em círculos pequenos que elejam menos de oito deputados” e “dificilmente elege em círculos médios (8-10 mandatos) como Viseu, Coimbra, Faro, Santarém e Leiria, em que o partido tem bom potencial eleitoral, mas em que necessitaria de votações na ordem dos 10%”.

Portanto, e com todas as cartas em cima da mesa, o partido diz ter “hipóteses otimistas de eleger em Braga, Setúbal, e Aveiro”, caso exista uma “dinâmica” de campanha que permita “atingir votações na ordem dos 5%-6%”. E, baseado nas mesmas contas, a IL acredita que “tem boas hipóteses de eleger, inclusivamente mais do que um deputado, nos maiores círculos (Lisboa e Porto)”.

João Cotrim Figueiredo será o cabeça de lista por Lisboa e o foco do partido está na escolha dos candidatos a deputados a incluir lugares presumivelmente elegíveis. O critério é a construção do “melhor grupo parlamentar possível” e isso levará a Iniciativa Liberal a avaliar a capacidade política, técnica, oratória, a complementaridade de experiências e competências, a diversidade de percursos, idades e perfil e as garantias de integração e articulação exemplar nos trabalhos de equipa.

Há questões em que a IL mantém a visão das últimas eleições: apresentar listas próprias em todos os círculos eleitorais e ir sozinha a votos, “recusando expressamente qualquer coligação pré-eleitoral”. E também no caso dos independentes, a quem pretende continuar a dar “abertura”, e dos “novos rostos” em cada ida às urnas, uma das tradições do partido.

Iniciativa Liberal não terá ex-CDS nas listas e está disponível para apoiar Governo sem cargos em ministérios

O público-alvo e as “ideias” que se impõem aos cargos

Com o intuito de crescer, de aumentar o número de votos nas eleições legislativas e a longo prazo, a IL prioriza as demografias em que o partido e os membros se devem focar: jovens e classe média dinâmica, onde aponta para pequenos empresários e comerciantes, profissionais liberais, trabalhadores por conta própria e empreendedores, profissionais da Cultura e indústrias criativa, proprietários e aforradores, funcionários públicos e quadros técnicos e gestores de empresas privadas.

O partido faz questão de mostrar (mesmo para dentro) que é preciso ser “coerente” para assegurar esse crescimento: “São as ideias que mudam as coisas, não são os protagonistas.” Afirmando-se como um “movimento de contracultura, uma revolução estética, um farol de difusão de ideias e soluções liberais”, a IL pretende “arejar um país excessivamente dominado por mentalidades estatistas com medo do futuro”.

E entre essas ideias, o partido faz questão de mostrar que “há causas que não podem ser indevidamente monopolizadas pela esquerda e, em relação às quais, é fundamental divulgar a abordagem liberal”. Durante os próximos anos haverá reformas que a IL pretende colocar na agenda política e mediática: reformas que aumentem a liberdade política; reformas que aumentem a liberdade de escolha; reformas que aumentem a liberdade económica; reformas que protejam as liberdades e direitos fundamentais.

“A nossa missão é desafiar a hegemonia socialista, presente em todos os partidos, e puxar o centro ‘consensual’ para o campo liberal”, pode ler-se na moção estratégica, em que a IL recusa uma aproximação ao centro, “onde supostamente se ganham eleições e cargos”, se for necessário “diluir” as ideias liberais. “Não queiramos aproximar-nos do centro como ele é visto em Portugal, estimulemos o centro a aproximar-se de nós, estimulemos o centro a centrar-se no programa liberal.”

Por outro lado, também há um afastamento de “purismos radicais“, tendo em conta que João Cotrim Figueiredo considera que “um posicionamento mais radical alienaria grande parte do eleitorado ‘que é liberal e não sabe’, e limitaria grandemente a nossa capacidade de deter capacidade de impacto sobre a cultura, a política e a governação”.

A IL pretende ser “relevantes aos olhos da comunicação social de massas”, pois entende que não é a falar para “bolhas” que conseguirá ser “politicamente relevante”.

Na moção estratégica global, a Iniciativa Liberal assume também a aspiração que tem a ser um partido de implantação nacional, mas também usa o documento para assegurar que não existe nenhum outro partido que possa “reclamar” ser o “Partido Liberal de Portugal”.

“Há liberais noutros partidos, alguns estarão a tentar contribuir para um projeto liberal para Portugal, outros não o estão a conseguir fazer. A Iniciativa Liberal é o veículo mais eficaz para implementar as ideias liberais em Portugal porque tem a sua cultura liberal como ponta de lança inegociável da sua ação.” Aliás, diz até que há outros partidos que “quando muito [podem] namorar políticas ‘liberalizantes'”.