Os Jogos Olímpicos de inverno só começam no próximo dia 4 de fevereiro mas andam a ser disputados fora dos campos, das pistas e dos estádios há vários meses. Depois de Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Austrália decretarem um boicote diplomático aos Jogos, recusando-se a enviar uma delegação oficial a Pequim, ficou claro que o evento seria muito mais político do que desportivo. As notícias dos últimos dias só vieram engrossar essa ideia.

Na semana passada, o Comité Olímpico britânico anunciou que iria dar telemóveis temporários a todos os atletas e elementos do staff que viajassem para Pequim devido aos receios de espionagem por parte do governo chinês. “Demos conselhos práticos aos atletas e a todo staff para que possam tomar uma decisão pessoal sobre se querem ou não levar levar os respetivos dispositivos móveis para os Jogos. Quer queiram levar os próprios equipamentos ou não, providenciámos aparelhos temporários que podem usar”, indicou o Comité ao The Guardian, referindo então que não se tratava de uma proibição mas sim de um simples conselho.

Jogos Olímpicos de Pequim. Um boicote de inverno que é mais política que desporto

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O Comité Olímpico dos Países Baixos, contudo, foi um passo mais longe. Os neerlandeses indicaram mesmo aos atletas que era preferível que não levassem os respetivos telemóveis, tablets ou portáteis e vão fornecer aparelhos temporários que serão destruídos no fim dos Jogos Olímpicos. “A importância da cibersegurança cresceu ao longo dos anos. Mas a China fechou completamente a internet, o que a torna um caso muito específico”, explicou um porta-voz do Comité ao jornal De Volkskrant.

Ainda assim, a organização dos Jogos Olímpicos já anunciou que, ao longo da duração do evento, atletas, elementos do staff e jornalistas estrangeiros poderão aceder ao Twitter e ao Facebook de forma normal. Tal como já havia acontecido noutros Jogos, o Comité Olímpico britânico indicou aos atletas que conversem e discutam com o organismo quando e se quiserem tomar posições de cariz político — algo que os grupos de defesa dos direitos humanos consideram perigoso.

Jogos Olímpicos de Inverno Pequim2022 só para espectadores convidados

“As leis chinesas são muito vagas no que toca aos crimes que podem ser alegados para processar as pessoas devido à liberdade de expressão. As pessoas podem ser acusadas por entrar em brigas ou provocar confusões. Existe todo um rol de crimes que podem ser colocados ao nível de comentários críticos mas pacíficos. E, na China, a taxa de condenação é de 99%”, explicou Yaqiu Wang, uma investigadora sobre o país para a Human Rights Watch, ao The Guardian. A especialista garantiu ainda que os atletas vão encontrar um “estado de vigilância orwelliano” e que dificilmente o Comité Olímpico Internacional poderá interceder a favor de alguém se algo correr mal.

De outros pontos do globo, contudo, chegam vozes que não consideram correta a total resignação ao silêncio. Rob Koehler, o diretor-geral da Global Athlete, a maior organização internacional de defesa dos atletas, garantiu que o Comité Olímpico dos Estados Unidos já indicou que as considerações políticas não serão permitidas. “É absolutamente ridículo que estejamos a dizer aos atletas que têm de estar calados. Mas o Comité Olímpico Internacional também ainda não disse proativamente que vai protegê-los. O silêncio é conivência e é por isso que temos preocupações”, atirou.