Há cerca de um ano, no momento em que aos poucos e poucos, quem ouvia For The First Time ficava rendido ao som dos Black Country, New Road, a banda já estava num estúdio a ensaiar as canções para Ants From Up There: “Sabíamos que queríamos fazer este álbum mal a pandemia começou. Escrever dois álbuns num ano foi algo que ambicionámos fazer. O primeiro era uma coleção de canções importantes para a formação da banda. Este é realmente o nosso primeiro álbum.” Do outro lado está Charlie Wayne, baterista da banda, e a baixista Tyler Hyde (filha de Karl Hyde, dos Underworld): “Há um ano estávamos em estúdio a escrever este álbum, mas só o gravámos entre julho e agosto na Ilha de Wight. Foi há um ano que nos interrogámos sobre o que queríamos. Tudo isto aconteceu muito rápido…”

Esta semana, dias antes do lançamento de Ants From Up There, o vocalista Isaac Wood anunciou que iria sair da banda, para bem da sua saúde mental. Tal como há um ano, os Black Country, New Road parecem derrotar-nos pelo presente: estamos sempre um passo atrás na sua existência. Elemento natural para uma banda constituída por sete elementos (agora seis), virtuosa na forma como procura a precisão e pensa num modo de todas as peças encaixarem no sítio certo. Se For The First Time encantava pela energia como reestruturava uma série de sons do rock independente norte-americano dos 1990s para o presente, Ants From Up There é uma banda em estado de graça, livre para procurar, encontrar e justificar o seu som. “Chaos Space Marine” é um belíssimo falso-medley de vários momentos do álbum, um compacto para tudo o que se abre a partir daí. “Concorde”, um dos singles deste novo álbum, floresce como a primavera.

Diz-nos Tyler: “É um álbum emocionalmente aberto. Estamos mais expostos como indivíduos, sobretudo o Isaac. Andámos à procura de mostrar emoções de um modo mais maduro. O primeiro era pura raiva, mas isso já não nos representava na altura. Procurámos uma representação de quem somos.” E quem são os Black Country, New Road?

[“Concorde”:]

A entrevista decorreu via Zoom, com os dois elementos num parque, pouco depois de um ensaio da banda. Quase no final, uma senhora passa por eles, vê-los com os instrumentos e pergunta se vão tocar qualquer coisa ali, é hábito alguém pegar num instrumento e tocar naquele sítio, diz ela. Eles dizem que não, que estão apenas a ser entrevistados mas que, de facto, estão numa banda. A senhora pergunta que tipo de banda são. Após alguma hesitação, Charlie e Tyler olham um para o outro e dizem “rock”.

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Os Black Country, New Road são a banda rock que toda a gente queria no catálogo. As suas prestações ao vivo e os dois singles editados em 2019 tornaram-nos muito cobiçados. Em 2020 surpreenderam ao assinar pela Ninja Tune, uma editora com poucas (para não dizer nenhumas) ligações ao rock e também pouco associada a esta ideia de banda. Porquê? “Não parecíamos ajustados à Ninja Tune. Mas parecia a coisa acertada porque não estávamos alinhados. Eles não tinham uma banda no roster deles, e estavam entusiasmados connosco. Nunca tínhamos assinado um contrato, eles nunca tinham assinado uma banda como nós. Portanto, eles não sabiam o que fazer connosco, iriam deixar-nos fazer o que quiséssemos – o que se mantém verdade até hoje. Era isso que queríamos. Se fosse outra editora, iriam querer que encaixássemos num molde qualquer. Mas nós não cabemos nesse molde.”, responde Charlie.

[ouça o novo “Ants From Up There” através do Spotify:]

A banda que não quer encaixar em moldes perde o vocalista dias antes do lançamento do segundo álbum: “Tudo na nossa carreira foi muito súbito. De momento, faz sentido irmos devagar, pensar no que fazer. Não estamos a pensar muito no futuro, mas no agora. Antes do Isaac sair, já falávamos de uma nova forma de existirmos. Nunca iríamos ficar com a mesma formação para sempre, ou fazer a mesma música. Uma grande mudança iria sempre acontecer. Isto não é uma mudança assim tão louca como se possa pensar.” Assim fala Tyler de um presente ainda incógnito

“Estamos a escrever música. É o que parece certo, não há nada mais. Estamos a falar contigo sobre um álbum que ainda não saiu. O tempo está do nosso lado, não vale a pena estar à espera de que isto, aquilo ou algo mais vá acontecer”, avança Charlie. Logo a seguir Tyler conclui: “Agora que as coisas são um pouco menos certas, encontramos conforto em estarmos juntos a escrever música. Naturalmente, somos atraídos uns pelos outros e, aqui estamos, a ensaiar outra vez: felizes por estarmos juntos, a fazer música com amigos… toda a gente está OK.”

Os Black Country, New Road insistem no presente. O presente é um álbum que acaba de sair e a adaptação da banda a uma nova realidade que acontece num momento inesperado. Numa das canções mais emocionantes (“The Place Where He Inserted The Blade”) de Ants From Up There, Isaac canta:

“You’re scared of a world where you needed
So you never made nice with the locals (…)

It takes a few years but they break bones
It takes a few months but our bones heal”

Mais à frente, em “Snow Globes” canta “Snow globes don’t shake on their own.”

Tyler: “Somos uma banda onde toda a gente tem de estar a 100% sobre qualquer decisão; senão tem de propor uma alternativa, somos muito restritos na nossa metodologia.” Mas também são uma banda muito marcada pelo seu ex-vocalista, Isaac Wood. As suas letras, a métrica, a forma de se expressar, cantar, era única. Há qualquer coisa de magnético ali, o nível certo de arrogância dos grandes e uma forma de cativar o ouvinte para o seu mundo. Há algo dele que percebemos de imediato ao ouvi-lo cantar.

[“Snow Globes”:]

Mas também há algo de tangível no resto dos Black Country, New Road. Se For The First Time tinha a energia da mais perfeita carta de apresentação em anos, Ants From Up There mostra uma banda em estado de graça, a descobrir o seu som, a perceber que soam muito melhor se estiverem a tocar ao vivo: daí escolherem para produtor o seu engenheiro de som dos concertos, Sergio Maschetzko, inexperiente nestas andanças e, por isso, ao mesmo nível da banda para experimentar e concretizar este som em permanente construção.

Por tudo isto, será inevitável e instantâneo procurar sinais da partida de Isaac Wood neste álbum. Até porque há temas recorrentes ao longo das canções, enfiados numa simbologia que o tempo saberá decifrar. O presente é este grandioso Ants From Up There, que termina com um épico de 12 minutos, “Basketball Shoes”, onde a banda concretiza todas as promessas das canções anteriores, nunca canção que propositadamente deixaram de fora do álbum anterior: “Estava completa para o primeiro álbum, mas deixámos de fora. Sabíamos que havia potencial para procurar outras canções dentro do mesmo género.”, conta Charlie.

O fim foi então o início de tudo. Os 12 minutos de “Basketball Shoes” são a chave de um álbum de uma banda que foi à procura deste som, canções de uma precisão empática, por músicos que só conseguem tirar o melhor das suas músicas quando estão a olhar uns para os outros. O futuro é isso mesmo, o futuro. O presente é um álbum que supera o primeiro, For The First Time, uma estreia como o rock britânico não via há décadas. Ants From Up There será ouvido durante muitos anos.