O quarto volume de Heartstopper, novela gráfica direccionada para o público infanto-juvenil, chegou a Portugal no momento em que a série televisiva, cuja acção corresponde aos dois primeiros livros, chegava à Netflix. A autora – escritora e ilustradora inglesa nascida em 1994 – já tinha publicado outros livros, mas foi esta série, inicialmente publicada online, que conquistou um maior número de leitores. A sinopse conta a história – rapaz conhece rapaz.

No centro da narrativa, temos Charlie, que será a personagem mais credível. Nele, vê-se o conflito permanente, e é este que garante a relação empática por parte do leitor. Estudante do ensino secundário, foi e é vítima de bullying por ser gay. A tensão é tanta que o rapaz se esconde na sala de artes para evitar os olhares dos outros durante a pausa para almoço.

Neste cenário, surge Nick, por quem se apaixona. Logo de início, vê-se o medo de que a coisa dê para o torto, já que o primeiro acredita que o segundo é heterossexual e que, por isso, a paixão não morrerá a sós no deserto mas em dor. Nick, por sua vez, parece demasiado perfeito: seguro, craque do rugby, popular. E, na relação pessoal, estóico e justo. A amizade entre os dois adensa-se, para os leitores fica claro o limbo entre a amizade e a paixão, embora Charlie mantenha o conflito – não sabe o que virá dali.

Oseman explora com credibilidade as dúvidas de quem é inexperiente, já que para quem vê tudo se vai montando sem grandes hesitações. Há várias cenas em que a autora se mete pelos clichês do romance de Hollywood – um rapaz abre a porta e eis o outro lá fora, com a chuva que lhe caiu em cima; neva e saem de casa os dois, deitando-no no chão e fazendo figuras de anjos com os corpos. Também isso está bem montado, já que o que é evidente aparece com subtileza, e acima de tudo aparece sempre permeado das dúvidas de Charlie, por quem vemos a maior parte da narrativa.

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Título: Heartstopper
Autora: Alice Oseman
Editora: Cultura Editores
Páginas: 84

Nick também vai sendo terreno de dúvidas, uma vez que está nos passos da descoberta da sua sexualidade. A sua construção é um pouco naive, uma vez que parece, ao longo da história, demasiado perfeito, contra uma personagem que aparece permanentemente como vítima de abusos, insegura, desrespeitada, abatida por problemas de saúde mental. Nick, neste cenário, é mais difícil de afrontar, e ainda que dê um bom contrapeso também se vai sentindo alguma implausibilidade. Este não é dramático, uma vez que é assumido por Charlie o tempo todo, razão pela qual o leitor se enleva no romantismo à toa de um primeiro amor.

Com isto, Oseman cria um bom retrato do estilo “coming of age” em que se vai percebendo o conflito entre a pressa da adolescência e a chegada à vida adulta. Nos livros, tudo sabe a transição. Nota-se a sensibilidade da autora, que vai tratando as saídas do armário no cenário da adolescência de forma credível. E, mais do que isso, múltipla, com consequências diferentes para cada personagem. Se uma é aplacada por piadas e humilhações, outra já parte de uma condição diferente, que lhe permite influência sobre os outros. E, ao já ter apreço social, o cenário de um bullying tão intenso como o de Charlie parece, e é, implausível.

Assim, a história vai tendo pontos altos de dúvida e depois de alegria, que têm como pano de fundo a possibilidade da rejeição social, o que significa que a amabilidade dos adolescentes existe de braço dado com o temor, também do leitor, de que a coisa dê para o torto. Sem grande dificuldade, os livros transportam para qualquer escola secundária, sem grandes maniqueísmos, havendo sempre mais dúvida do que certeza.

Em volumes dirigidos ao público jovem, com um grafismo claro e uma prosa rápida, a autora inglesa obrigou à empatia, partindo de uma personagem que nos mete no seu stress. Não sendo panfletário, torna-se pedagógico por mostrar situações concretas e também por assumir formas de cenários hollywoodescos que, sendo clichês, rompem o clichê. De resto, cabe acrescentar que, ainda que os livros se foquem em Charlie e Nick, a série, que foi dirigida por Euros Lyn e contou com o roteiro de Alice Oseman, permite a expansão das personagens secundárias. Aí aumentam-se as perspectivas, embora os livros já agarrem a intensidade de quem parece viver pela primeira vez.