Pertinho e pequenino

A melhor parte do aeroporto é estar perto. É tão perto de tudo, que mal fechamos a porta do Uber com uma mão, já estamos a mostrar o passaporte com a outra na porta de embarque, enquanto sopramos bisous pelo ar aos amigos. Aparentemente, a pior parte é ser pequeno, antigo, escuro e por isso não se parecer bem com um aeroporto europeu de país rico, mas não nos enganemos, porque é isso que lhe dá personalidade. Para quê uma selva com uma cascata como em Changi, Singapura, quando podemos ter um aeroporto onde parece que houve uma festa incrível na noite anterior e as paredes ainda estão cansadas de tanto dançar? Outros aeroportos são streaming, o de Lisboa é cassete gravada em casa, garganta rouca do Whisky com Coca Cola e beatas pelo chão.

Não conheço ninguém que diga Humberto Delgado. Para os portugueses, o aeroporto é simplesmente o aeroporto e isso também é bom, porque a familiaridade é preciosa — quando vou para Paris, por vezes penso se toda a gente que trabalha no aeroporto não se está a despedir quando embarco. Isso explicaria em parte por que em Lisboa as pessoas que estão na segurança sejam simpáticas e até entusiastas, ou talvez seja porque sabem que nunca ninguém fez uma bomba que caiba num frasco de gel de banho.

Os portugueses, noto bastante, ainda se vestem quando viajam e é engraçado como desatam a rir e a falar alto assim que atravessam a segurança. De qualquer modo, é óbvio que todos nos sentimos melhor livres e com o cinto de volta nas calças, deixamos de temer julgamento. E quem não teme julgamento, onde vai? Ao McDonald’s, sempre o restaurante mais movimentado no aeroporto, o que não espantará demasiado se pensarmos que as opções incluem ovos moles e a pastelaria Versailles, com o café três vezes mais caro. Por mim, confesso que quando olho para os restaurantes do aeroporto, fico com saudades da nova Boulangerie que o Gomes abriu na Comporta.

Affaires e Toblerones

Na última vez que estive na ilha central, onde é mais difícil arranjar lugar do que no Ramiro, imaginei que uns passadiços por cima seriam boa ideia, dado o apetite insaciável que há em Portugal por tudo o que esteja abaixo dos olhos. E a quantidade de pessoas de manga curta e colete acolchoado à espera do voo? Sendo friorenta, admiro sempre quem viaja de manga curta, mas confesso incapacidade de perceber o colete.

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Na Portela (o outro nome do aeroporto), o Duty Free é tão pequeno que nem chega a cheirar a perfume, embora lá estejam os clássicos chocolates gigantes em promoção. O que leva alguém a comprar (e carregar) um Toblerone do tamanho de um braço é um enigma. É como se toda a gente viesse de ter um affaire e precisasse de expiar a culpa, carregando os Toblerones como penitência. Já a parte com produtos portugueses faz lembrar um supermercado, o que talvez seja inevitável. Não havendo perfumes, roupas ou maroquinerie de luxo, oferecem-se magnetos para o frigorífico do Santo António, pastéis de nata e muito Licor Beirão, o que me faz pensar que o aeroporto de Lisboa é também muito isso, um cocktail de Licor Beirão com livros do Yuval Harari, (que existem por lá, à venda na Fnac). Na parte internacional, há galos de Barcelos, bonequinhos da Nossa Senhora, bonés com as cores da bandeira e vinho Planalto, não vá alguém querer levar um pouco do país para os confins do mundo, como nos Descobrimentos.

A partir do dia 1 Dezembro foi implementado em todos os aeroportos Portugueses, um novo sistema de controle, através de pulseiras, para agilizar a triagem de todos os passageiros que entram e saiam do país, de forma a existir uma maior prevenção à COVID-19. Esta medida é colocada na sequência do estado de calamidade, imposto pelo Governo. 1 de Dezembro de 2021 Aeroporto Humberto Delgado, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Amoroso e amuado

Quando se conhece melhor, é fácil de perceber que mais do que qualquer outra coisa, o aeroporto de Lisboa é amoroso, a palavra que os portugueses usam muito para referir coisas pequenas e preferem não usar as exatas para não ferir sensibilidades. É pequeno, apertado e sempre em stress, nunca lhe passou pela cabeça que pudesse receber 30 milhões de passageiros (como em 2019) e por isso está sempre um pouco amuado e faz tudo para que as pessoas tenham de esperar. Explica que, em Lisboa, os toilettes estejam sempre a ser limpos por funcionários sem pressa, o que significa naturalmente que é preciso procurar outro, em caso de necessidade. É bom verificar este asseio. Só é mau porque há poucos toilette e o seguinte também está sempre a ser limpo. Não surpreende que as pessoas usem o toilette no avião, assim que chegam do autocarro. Sim, porque de onde quer que vejamos o assunto, voar a partir de Lisboa incluirá sempre a viagem de autocarro mais cara das nossas vidas.

Voilà, au revoir et à la prochaine.

Patrícia Le Mans estudou Filosofia e Moda. Gosta de queijo, champagne e de ameîjoas à Bulhão Pato. Tem mãe portuguesa, pai francês, vai flutuando entre Lisbonne e Paris e escrevendo para o Experimentador Implacável.