Construir um bom ambiente de equipa é muitas vezes aquilo que faz depois a diferenciação entre todas as equipas. Não é fácil, às vezes torna-se mesmo impossível, mas no final tem o seu peso. Aliás, ainda este fim de semana houve um bom exemplo disso no abraço em lágrimas entre Jonas Vingegaard e Wout van Aert no final do contrarrelógio que voltou a consagrar a Jumbo-Visma com vitória na etapa e no Tour. É sempre assim? Nem por isso. E passando para a Fórmula 1, não é fácil encontrar essa comunhão de objetivos e ideias capaz de fazer a separação entre o que constitui o melhor resultado a nível pessoal e o que funciona como o melhor resultado para todos incluindo a equipa. Em França, a Ferrari mostrou que é possível.

A estratégia da Ferrari foi vermelho sobre azul: Leclerc consegue pole position em França (com ajuda de Sainz)

Pelo que se vai percebendo, Charles Leclerc e Carlos Sainz têm globalmente uma relação pacífica. Isso não invalida que de vez em quando as conversas via rádio não aqueçam. Por mais do que uma vez o monegasco já se queixou à equipa que deveria passar à frente do companheiro porque estava a lutar pelo Mundial, o espanhol também teve de engrossar a voz em Silverstone com um “Vá lá, não inventem” (literalmente) no dia em que conseguiu a sua primeira vitória de sempre na Fórmula 1. Agora, na qualificação feita num circuito Paul Ricard ainda mais quente do que se esperava (com tudo o que isso tem de influência a nível de pneus e capacidade de arrefecimento dos monolugares), jogaram como equipa e ganharam.

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Não foi propriamente a estratégia mais ortodoxa, como se viu sobretudo no arranque da Q3, mas, perante a inevitabilidade de Carlos Sainz cair dez lugares por penalização após o que se passou na Áustria onde ficou com o carro a arder e teve de fazer reparações mais profundas no carro a nível de unidade de potência, a equipa italiana apostou tudo no regresso às pole positions de Charles Leclerc, colocando quase o espanhol como “aguadeiro” para a missão cumprida aproveitando cones de ar que formava para o companheiro. “Tenho de agradecer ao Carlos, fez um trabalho fantástico”, admitiu Leclerc. “Tínhamos este plano para o fim de semana e conseguimos cumprir na perfeição com o Charles”, destacou Sainz.

No entanto, e a partir de agora, Leclerc estava a jogar sozinho tendo em conta que o espanhol iria sair da 19.ª posição, sem possibilidades de lutar pelos lugares cimeiros onde estavam os dois Red Bull de Max Verstappen e Sergio Pérez tendo logo atrás os britânicos Lewis Hamilton, Lando Norris e George Russell. Mais: se é verdade que a Ferrari dominou as duas primeiras sessões de treinos livre e mais tarde o período de qualificação, o campeão mundial mostrou nos TL3 que poderia ter argumentos para lutar pela vitória assim conseguisse acertar também na melhor estratégia para destronar a formação italiana. Se a pequena recuperação do monegasco (38 pontos de distância) abria um especial interesse no Grande Prémio de França, todos estes pontos colocavam esta corrida como um ponto importante da temporada.

A saída voltaria a ter uma especial importância na prova, fosse pela capacidade de Leclerc segurar ou não a liderança da corrida, fosse pela tentativa da Red Bull de pelo menos manter Pérez em terceiro para poder depois trabalhar com Verstappen na estratégia delineada a nível de paragens. E foi a Ferrari que ficou a ganhar: apesar das notícias que davam conta de alegados problemas no monolugar do monegasco, Leclerc teve um excelente arranque, segurou sem problemas a liderança e Lewis Hamilton aproveitou para saltar também para a terceira posição, à frente de Pérez e de Fernando Alonso, outra grande saída. Lá atrás, o único problema, nas curvas mais à frente, foi com Tsunoda, após um toque de Ocon que levou a um peão. Carlos Sainz, tal como a equipa previa, subiu ao 17.º lugar e ganhou mais uma posição na volta seguinte.

Sempre com especiais atenções com os pneus perante as altas temperaturas em França, as voltas iam passando sem grandes alterações. Verstappen manteve-se sempre a distâncias abaixo de um segundo de Leclerc, Hamilton conseguiu defender-se muito bem de Sergio Pérez mostrando que as atualizações no Mercedes surtiram efeito, Russell conseguiu ultrapassar Alonso para procurar o ataque ao mexicano, Sainz continuou a ganhar posições chegando a décimo na 14.ª volta com um tempo que fazia com que o neerlandês pudesse correr o risco de entrar atrás de si caso passasse pelas boxes. Só mesmo nessa fase houve um aumento mais substancial da vantagem de Leclerc na frente, entre 1.6 e 1.8 segundos.

Verstappen saiu para as boxes pela primeira vez na 16.ª volta, quando os pneus davam já sinais de desgaste a afetar os tempos, conseguindo ainda assim reentrar na sétima posição atrás de Lando Norris (com Ocon e Ricciardo à frente de Sainz, até o espanhol conseguir ultrapassar também o australiano). Existia a dúvida sobre quando Leclerc poderia sair para as boxes também mas isso deixou de ser questão pouco depois, com o monegasco a sair a direito numa curva e todos os pilotos aproveitaram a “borla” para trocar de pneus. A repetição despistou a possibilidade de um furo nos pneus da frente mas algo se passou no carro, que perdeu por completo a traseira e foi depois a deslizar até à barreira de pneus com a frente trancada. No entanto, e já depois de voltar à zona das boxes, o próprio piloto reconheceu que o erro foi sobretudo seu.

O safety car entrou em pista, Verstappen estava na frente com Hamilton em segundo e Pérez em terceiro, a corrida mudava por completo e o neerlandês tinha a vitória na mão perante a vantagem que conseguiu logo cimentar em relação ao britânico. Nada corria bem à Ferrari e até a passagem pelas boxes de Sainz correu mal, com uma saída tardia que obrigou Alexander Albon a uma travagem tardia e valeu uma penalização de cinco segundos ao espanhol quando ocupava já a quinta posição após ultrapassar Ricciardo, Lando Norris e Alonso. Era o piloto mais rápido em pista mas ficava com o que restava da corrida condicionada.

Se até aí a corrida foi interessante de seguir e com vários pontos de disputa, a partir desse momento foi uma prova monótona (em relação à liderança) e com lugares garantidos: Verstappen, aproveitando mais um erro de Leclerc e da Ferrari, ganhou e deu um passo importante para a revalidação do título; Hamilton, que fazia o 300.º Grande Prémio da carreira, mostrou que as atualizações da Mercedes não chegam para os Red Bull mas melhoraram o monolugar e conseguiu o melhor resultado do ano naquele que foi o quarto pódio consecutivo; Pérez foi tentando segurar a terceira posição. Não conseguiu: após ser ultrapassado por Sainz (que baixou depois a oitavo pela penalização e acabou em quinto), ainda teve um toque com Russell mas o safety car virtual alterou as contas do mexicano, que foi ultrapassado pelo britânico e permitiu que a formação britânica tivesse também o seu melhor resultado de 2022.