Quando Rui Costa subiu ao palanque da primeira Assembleia Geral do Benfica depois da contratação de Roger Schmidt (com uma aprovação de quase 75% no Orçamento do clube) houve quase uma necessidade de explicar a aposta no técnico alemão para colocar tudo e todos na mesma página. “Foi um ano que ficou abaixo dos pergaminhos que o Benfica exige. Não estou satisfeito e sei que nenhum de vós estará. Por esse motivo, iniciámos já uma alteração na estrutura do futebol e escolhemos um treinador que mudará o paradigma do que pretendemos para o futuro, com o objetivo de tornar a equipa mais competitiva, sendo certo que a formação, como tenho dito, ocupará sempre um lugar especial na definição do plantel”, referiu. E as mudanças, umas mais visíveis do que outras, começaram a ser entendidas ao longo da pré-época.

Uma estreia de sonho: Benfica goleia Midtjylland com hat-trick de Gonçalo Ramos e tem pé e meio no playoff da Champions

As alterações nas regras internas, também com o propósito de blindar um balneário que teve nos últimos meses demasiadas janelas abertas para deixar sair informação, foram acontecendo, mas também em campo houve mudanças pouco habituais para esta fase da temporada. Logo à cabeça, uma que se tornou a mais visível e cristalina nas últimas semanas: em vez de fazer as habituais experiências táticas e técnicas nos encontros de carácter particular que ia realizando com adversários de diferentes realidades e a apresentar desafios diversos, Schmidt apostou sempre na mesma equipa (a única exceção foi a rotação na baliza, sendo que entre Vlachodimos e Helton Leite o número 1 para a época pode ser outro…). Ou seja, sem segredos, sem tabus, com a preocupação centrada na construção de uma ideia e de rotinas da mesma.

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“A pré-época foi muito importante para nós. A partir de amanhã [terça-feira] começam jogos quase de dois em dois dias. Estamos a jogar bem mas não somos perfeitos. Para melhorarmos precisamos de jogos e para mim é preciso jogá-los. Sei que há alguma pressão em todos, nos jogadores, que querem jogar a fase de grupos da Liga dos Campeões. Estou entusiasmado e desejoso de ver o que vai acontecer”, tinha explicado o germânico no lançamento da partida com o Midtjylland, sem abordar a questão da equipa.

“Temos a confiança da pré-época mas devemos mostrar a mesma coragem, atitude e energia dos particulares. Estamos prontos e com a ajuda dos adeptos esperamos ter um excelente primeiro jogo. Com o Newcastle já tivemos uma ideia disso e iremos fazer o nosso melhor. Equipa? Vamos ver mas não têm havido muitas mudanças. Os jogadores têm muitos minutos e mostraram que estão em boas condições físicas. Têm um excelente espírito e estão preparados sempre que precisarmos deles. Claro que é o treinador que tem de tomar decisões mas quando há muitos jogos seguidos, como acontece com o Benfica, temos de ter um plantel sólido e extenso”, destacou ainda a esse propósito Roger Schmidt.

Em campo, tudo ficou comprovado. A equipa foi a mesma mas com mais minutos de alta intensidade que “atropelou” por completo uma frágil equipa do Midtjylland, que sai da Luz satisfeita por ter ficado apenas com três golos de diferença numa eliminatória resolvida (4-1). Destaques? Gonçalo Ramos com o primeiro hat-trick pelos encarnados, David Neres pela capacidade de desequilíbrio pela direita, Enzo Fernández e o regressado Florentino Luís pela forma como conseguiram empurrar a equipa para o meio-campo contrário transformando o jogo num sentido único. No entanto, a grande diferença foi mesmo a mudança naquilo que é o paradigma de jogo da equipa com Roger Schmidt, sempre balanceada para o ataque, com enorme capacidade de criar ocasiões, a jogar no reduto adversário e a recusar tirar o pé do acelerador.

Apesar da disposição enviada à UEFA num 4x3x3, os dinamarqueses apostaram numa linha defensiva a cinco com três médios colados a anularem qualquer espaço para o jogo entre linhas e os avançados Sory Kaba e Sisto na frente sempre à espreita da profundidade em caso de recuperação. Até mais do que isso, os dinamarqueses surpreenderam pela forma como se adiantaram nos minutos iniciais sem bola, deixando a construção de jogo dos encarnados bloqueada perante duas perdas pouco habituais ao longo da pré-época. No entanto, o primeiro sinal de perigo apesar dessa vontade acabou por surgir só aos 11′, quando David Neres tinha deixado o indício inicial de uma noite inspirada: Sisto conseguiu sair em velocidade, arriscou a iniciativa individual apesar de ter um companheiro em melhor posição à esquerda e atirou rasteiro ao lado.

Depois, tudo mudou. E mudou quase forma natural, com o jogo a resumir-se ao mais forte no meio-campo do mais fraco fazendo prevalecer uma dinâmica ofensiva e uma reação à perda que deixou o Midtjylland sem capacidade de esticar a equipa em campo. A equipa crescia, as individualidades apareciam e criou-se uma sociedade dos golos entre uma cara nova e um “velho conhecido” agora na posição onde sempre jogou na formação: David Neres desequilibrou pela direita fintando para fora e deixando o adversário por terra, cruzou tenso e Gonçalo Ramos fez mais golos de cabeça num encontro do que tinha feito até aqui nos seniores dos encarnados (17′ e 33′). Pelo meio, Olafsson ainda desviou para canto uma tentativa de meia distância do brasileiro, um autêntico quebra cabeças com Gilberto por perto (20′).

Nem mesmo de bola parada, naquele que tinha sido um dos pontos a melhorar dos encarnados na fase de pré-temporada, os dinamarqueses conseguiam criar o mínimo perigo junto da baliza de um Vlachodimos que foi pouco mais do que um espectador, ao passo que o Benfica mostrava o outro ponto forte da sua nova identidade: a recuperação de bola em zonas adiantadas para iniciar de imediato o ataque ou arriscar o remate à baliza. Foi assim que Enzo Fernández fez o seu segundo remate, neste caso muito por cima mas na sequência de um desses lances onde ganhou a bola perto da área contrária. Foi assim que Florentino Luís foi aparecendo em zonas mais adiantadas do campo. O público gostava mas o melhor estava ainda para chegar com João Mário a marcar um canto longo e Enzo Fernández a fazer o 3-0 ainda antes do intervalo com um remate de primeira sem deixar cair a bola que sofreu ainda um desvio (40′).

Jogo acabado? Não. Longe disso até. Porque se é verdade que o Benfica de Schmidt caía sempre um pouco nas segundas partes, fosse por uma questão física, fosse pelas trocas feitas, agora manteve o pé na mesma no acelerador e deitou por terra as tentativas do Midtjylland colocar “gelo” no jogo com uma circulação a alargar mais os centrais. Aliás, bastaram dois minutos para Gonçalo Ramos ficar perto do hat-trick, com um desvio de cabeça após passe longo de Otamendi defendido por Olafsson e recarga ao lado. O golo não foi aí, não foi numa segunda chance flagrante de 1×0 na área (57′) mas surgiu mesmo à terceiro já depois de uma bomba de David Neres à trave após saída rápida (59′), com Gilberto a fazer o lançamento lateral na direita, Rafa a cruzar e o avançado a colocar a bola entre as pernas do guarda-redes (61′).

Estava fechado o primeiro hat-trick de Gonçalo Ramos no Benfica, estavam quebradas as dúvidas em relação ao que poderia ser a capacidade física da equipa no segundo tempo tendo em conta até os seis jogos oficiais que o adversário levava, estava dado o mote para a procura de mais golos que não surgiram por mérito de Olafsson num livre direto de Grimaldo (67′) e por uma dose de azar à mistura, num remate de David Neres que foi parar ainda aos pés de Ramos para um desvio que bateu literalmente no guarda-redes contrário (71′). No entanto, e contra a corrente do jogo, acabou por ser o Midtjylland a reduzir na sequência de uma grande penalidade de Morato sobre Paulinho que Sisto não desperdiçou (76′) antes de Henrique Araújo e Yaremchuk falharem nos últimos minutos a possibilidade merecida de manita.