O humorista brasileiro Gregório Duvivier pediu este sábado à esquerda e à sociedade civil brasileira que vigiem o Presidente eleito, pressionando nas ruas para que Lula da Silva não se esqueça de quem o elegeu contra o candidato da extrema-direita.

“A gente não precisa de ocupar as ruas só para remover um Presidente, mas também para pressioná-lo. Então, a esquerda precisa entender que a vitória de Lula é a vitória da democracia”, mas “ela precisa de continuar sendo conquistada e a gente vai precisar continuar pressionando e indo às ruas, porque Lula já está sofrendo a pressão de um monte de setores pouco democráticos com quem tem de se conciliar”, afirmou Duvivier, em entrevista à Lusa, dando o exemplo dos militares ou setores evangélicos.

Se não existir essa pressão nas ruas e da sociedade civil, Lula da Silva “só vai conciliar com quem o está pressionando, forças armadas, o mercado financeiro, a IURD [Igreja Universal do Reino de Deus] e outras igrejas da mesma laia”, disse o humorista e ativista.

O ator, conhecido globalmente pelo coletivo Porta dos Fundos e pelo seu programa de humor GregNews, traz o seu monólogo “Sísifo” (que evoca o mito grego) a Portugal mais uma vez para uma série de espetáculos entre 7 e 10 de dezembro, com passagens por Lisboa, Porto, Coimbra e Águeda.

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Para Duvivier, “a gente vai precisar ficar no encalço de Lula, o que não significa ficar sendo golpista, dizendo ‘vamos derrubar seu governo, fora Lula!'”, mas para que o novo Presidente “faça um governo para a sociedade civil, e não só para o mercado, Forças Armadas e Igreja Universal”.

“As Forças Armadas brasileiras são golpistas, sempre foram, ao contrário das portuguesas. Elas passaram os últimos 200 anos ameaçando a democracia brasileira, lutando contra ela e diversas vezes conseguiram”, avisou, comentando que este problema estrutural não é entendido fora do Brasil.

“Os portugueses às vezes não têm essa dimensão, porque têm umas forças armadas muito diferentes, que ajudaram vocês a ter a democracia de volta e participaram da Revolução de 74 e no Brasil nunca participaram em nada que não fosse um atentado à democracia”, afirmou o ativista, admitindo que o grande desafio do novo Presidente é “recuperar as instituições que foram corrompidas por Bolsonaro”, como a polícia federal ou a fiscalização ambiental.

No contexto eleitoral e após as eleições, considerou, que “se não fosse um juiz no Supremo especial, Alexandre Moraes, que foi quem mais bateu de frente e segue batendo de frente com os golpistas”, se não fosse ele, “talvez não teria sobrado a democracia brasileira”.

Mas Duvivier agradeceu também a muitos “funcionários do Estado” que resistiram ao “bolsonarismo”, que “são heróis de muita gente”.

Agora, cabe a Lula da Silva fazer algo que o Brasil “não fez” na “redemocratização em 85”, que é seguir “o exemplo de Portugal de 74 que botou os golpistas para correr”, obrigando, então, muitos dirigentes do Estado Novo a “fugir para o Brasil”.

“Não tivemos capitães como Portugal”, em 1974 e “ninguém no exército se colocou contra os generais que estão até hoje falando e falando, desafiando a democracia, dizendo que houve fraude”, apontou.

Hoje, muitos militares, “estão dando sinais de que poderão embarcar numa onda golpista de Bolsonaro”, não reconhecendo o resultado das eleições, mas Duvivier avisa: “Eu espero que o Lula faça uma limpeza mesmo” e “responsabilize todas essas pessoas que trabalham hoje contra a vontade civil das urnas”.

Pelas suas ações, Jair Bolsonaro “uniu o campo democrático brasileiro todo de um lado só” e, nestas eleições, “quem teve apego à democracia no Brasil criticou-o”.

O ainda Presidente “atacou tudo o que é sagrado no Brasil”, a “democracia, a ciência, a cultura, a Amazónia, a natureza”, e juntou, na sua oposição, “Lula e Marina [Silva, ex-ministra do Ambiente] que estavam brigados, ou Fernando Henrique [Cardoso, ex-presidente, de direita] e [Guilherme] Boulos”, de extrema-esquerda, numa “frente de união perante o perigo do fascismo, do pensamento único, fundamentalista, intolerante, racista, machista, homofóbico”, explicou.

E por isso, no Brasil, “a nossa direita democrática é a nossa esquerda revolucionária” na oposição a Bolsonaro, comentou Duvivier.

Nesse sentido, “a democracia brasileira talvez sai fortalecida no sentido porque está unida e vimos que somos maioria” nas eleições, salientou, considerando que a eleição presidencial “foi um plebiscito” ao processo democrático.

A vitória de Lula da Silva “foi a vitória da democracia, que nesse segundo turno tinha de um lado, o detrator da democracia, que sempre falou que a ditadura tinha que ter matado mais pessoas, chama o golpe de 64 de revolução, ou seja, é um detrator das instituições democráticas e do outro um sujeito que nasceu da redemocratização”.

No que diz respeito ao Presidente eleito, a vida política da Lula da Silva “nasceu na luta contra a ditadura e que, mesmo quando preso injustamente, respeitou as instituições, mesmo quando elas eram uma condenação injusta política”, disse o humorista, comentando a condenação do líder do Partido dos Trabalhadores por acusações de corrupção, uma decisão que foi depois anulada.

“Com todas as críticas que ele tem, o Lula é um democrata, com muito apego à democracia, muito respeito pelas instituições democráticas”, considerou, elogiando o povo brasileiro: “A gente escolheu a democracia e mostrou que tem muito apego a essa instituição”.

Agora, Luiz Inácio Lula da Silva precisa de promover o diálogo, com uma “comunicação mais transparente com o povo para que o povo entenda que a democracia não está ganha e é preciso que a gente lute por ela todos os dias”.

“A democracia não é algo que você conquista e ponto final porque nada politicamente é conquistado para sempre”, frisou Duvivier, recordando que o processo democrático “não é um sistema binário”.

A democracia é “um espetro no qual se pode caminhar o tempo todo para cima e para baixo”, considerou. “O Brasil, por exemplo, era uma democracia, mas foi ficando um pouco menos com o ‘impeachment’ absurdo de 2016” e “a gente perdeu muitos pontos nessa escala democrática”.

Por isso, Lula da Silva deve “fazer que o povo entenda que a democracia segue em risco, mesmo com ele eleito, e precisa convocar a população a defendê-la, o que significa ocupar as ruas mesmo, muitas vezes”, insistiu.