As vítimas do naufrágio deste domingo ao largo da costa italiana, a cerca de 30 km de Crotone, continuam a ser registadas. O balanço atual dá conta de 64 mortes, mas a Organização Internacional para as Migrações (OIM) estima serão 100. Entre os mortos estarão cerca de 20 crianças, entre elas um bebé de poucos meses. Há também cerca de 80 sobreviventes que estão a ser acompanhadas pelas autoridades. Alguns já partilharam testemunhos do que levou à tragédia, outros falaram sobre a dor da perda que sofreram nesta viagem. A embarcação terá partido da Turquia há quatro dias e teria a bordo entre 180 e  250 pessoas, a maioria cidadãos do Irão, do Paquistão e do Afeganistão.

“Estava escuro, deviam ser umas cinco [horas]. De repente, os contrabandistas, quatro ao todo, quando estávamos a 500 metros da costa, viram luzes, flashes vindos de tochas iluminavam a escuridão. Eles ficaram com medo, pensaram que era a polícia que os esperava. Então mudaram a rota para atracar noutro lugar”, relataram sobreviventes do naufrágio, citados pelo Corriere della Sera. “Mas tinha de ser rápido, aumentar a velocidade: a única forma era aliviar o peso a bordo. Então atiraram pessoas ao mar nas ondas que agitavam a traineira. Quantos? Pelo menos 20 pessoas.”

Já de manhã, uma paquistanesa de 21 anos não queria deixar a praia, onde ainda tinham lugar as buscas do naufrágio, e entrar num autocarro para um centro de acolhimento. “O meu marido…”, chorava a jovem, apoiada por duas enfermeiras da Cruz Vermelha que lhe davam uma garrafa com chá quente, relata o jornal italiano. O marido seria um dos corpos no areal da praia, cobertos por lençóis brancos, e este é um dos testemunhos que o Corriere della Sera relata, recolhidos no hospital, por elementos da polícia e voluntários.

“Tínhamos medo, porque o mar tinha subido. Eu aproximei-me do meu marido e rezei. Os coletes salva-vidas? Deram a muito poucas pessoas, nós não tínhamos”, conta a jovem, que não quis identificar-se. “Ouvimos um barulho muito alto. Então o barco partiu-se ao meio, talvez tenha passado por cima de uma pedra: eu estava abraçada ao meu marido, caímos ao mar, nunca mais o vi”. O casal veio da cidade indiana de Punjab e casou-se antes da viagem, para a qual partiram com uma mochila com garrafas de água e sandes para comerem.

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Na mesma praia, um homem que estaria na casa dos quarenta anos e seria afegão, segundo relato do jornal italiano, contou aos socorristas em italiano compreensível que tinha vindo da Alemanha para esperar pela esposa. “Aqui estão as mensagens de Whatsapp que ela me enviou às quatro horas. Depois, ela morreu.”

Já no hospital, um jovem de 16 anos contou que foi para o mar com a irmã de 28. “Fui salvo, ela perdeu a vida. Não tenho coragem de ligar aos meus pais para contar o que aconteceu. Talvez amanhã eu ligue, se tiver forças”, contou aos psicólogos.

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“Quando chegámos ao local do naufrágio, vimos cadáveres a flutuar por todo o lado e resgatámos dois homens que seguravam uma criança”, contou Laura De Paoli, a primeira médica a chegar ao local, à agência de notícias italiana Ansa. Os homens, irmão e tio da criança, salvaram-se, contudo o menino de sete anos não sobreviveu. “Tentámos reanimá-lo, mas os pulmões estavam cheios de água. Tinha sete anos.” Contou a médica que trabalha para a CISOM (Corpo Italiano di Soccorso dell’Ordine di Malta), que apoia a guarda costeira em operações de salvamento no mar.

O enviado da agência ao local da tragédia dá conta de que cerca de 60 sobreviventes foram levados para um centro de acolhimento em Isola Capo Rizzuto, onde terão trocado as roupas molhadas por cobertores. Entre eles estava uma mulher com o nariz partido que gritava o nome do filho, que ainda não foi encontrado.

Na manhã desta segunda-feira foram recuperados três corpos. Um homem estava na praia a centenas de metros do local do acidente; um outro corpo foi recuperado do mar por um barco patrulha da guarda costeira a cerca de 400 metros da costa; e o terceiro estava nas pequenas ilhas de Le Castella, a 3,5 milhas náuticas da costa, segundo a Ansa. Uma outra morte foi também registada na manhã de segunda-feira: um homem que, já no hospital, não resistiu aos ferimentos graves sofridos no naufrágio.