Ao longo de três pisos, as paredes grafitadas tornaram-se o cenário das coleções para o outono/inverno 2023/24. A passerelle “estacionou” num dos pisos deste edifício e foi lá que se encontraram as coleções dos jovens designers da plataforma Bloom com os designers da parceria Canex, a plataforma que traz ao Porto criativos africanos para apresentarem as suas propostas. O Portugal Fashion arrancou uma nova edição esta quarta-feira, num parque de estacionamento antigo em vias de se tornar morada de empresas tecnológicas.

O israelita que fez de Portugal a sua casa, as vencedoras do concurso de novos talentos e uma jovem marca mostraram as suas coleções entre e pilares e bancos corridos para os convidados. Da plataforma Canex, Sava, Yeside Laguda, Bloke, Ntando XV e Olooh foram os nomes a registar esta quarta-feira. O Portugal Fashion vai entrar numa “nova era” na próxima edição de outubro, mas por agora, as rampas que unem os três pisos deste espaço ajudaram a dar balanço para os três dias que se seguem. Aqui ficam os destaques deste primeiro dia, em que todos os desfiles foram abertos ao público.

O amor e a inteligência artificial de encontro marcado na passerelle

O ponto de partida da coleção de House of Wildflowers foi uma declaração de amor de um bot de inteligência artificial (i.a.) para um humano, conta o fundador, Amir Shavit. O designer diz ter ficado maravilhado com as possibilidades que a i.a. proporciona e começou  a trabalhar com um software de geração de imagem de a.i. Depois a história desta coleção foi-se desenrolando. Primeiro veio o conceito. “E se a inteligência artificial desenvolve sentimentos, o que vamos fazer?” Das pesquisas resultou um parceiro para combinar com este tema tecnológico: a era Rococó. “Uma natureza muito doce, meiga e amorosa que faz um bom confronto entre o muito antigo e o muito novo, entre amor e doçura e um mistério que é possível que corra mal.”

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A coleção, apresentada na plataforma Bloom, chama-se “O triunfo de Vénus” e o nome foi emprestado por uma pintura Rococó, da autoria de François Boucher, mas para o designer é também “um wishful thinking, queremos acreditar que aconteça o que acontecer, se a i.a. desenvolver a capacidade de amar, o amor vai ganhar”. Na passerelle vimos peças de alfaiataria assimétricas misturadas com outras em texturas delicadas com um padrão floral em tons pastel, num contraste de dureza com doçura. O padrão e da autoria de Shavit e  alfaiataria é um amor antigo. “É como escultura. Uma boa peça de alfaiataria tem o seu próprio corpo.”

Algumas peças foram adornadas com puxadores de gavetas vintage apanhados “por todo o lado”. Para o designer o género “é uma construção social”, contudo explica que “os corpos femininos e masculinos são diferentes” e que é necessário “responder de formas diferentes para os valorizar”. Tanto ele como as raízes da marca são queer, “por isso tem de haver uma mente aberta e uma atitude flexível no que toca ao género e à auto-expressão”, mas no fundo, está desenhar roupas para pessoas e não para géneros.

House of Wildflowers, por Amir Shavit. © MELISSA VIEIRA/ OBSERVADOR

Amir Shavit é israrelita, nascido em Jerusalém, e judeu sefardita. Visitou Portugal em 2019 e conta que “houve qualquer coisa no ar que foi mágica, foi como amor à primeira vista”. Acabou por se mudar há dois anos, está por cá para ficar, diz que quando está em stress e muito cansado, a língua portuguesa sai natural e fluidamente e afirma que tem fé na indústria da moda portuguesa. “Esta é a casa que escolhi para mim. Assim como dizemos que os amigos são a família que escolhemos, este foi o país que escolhi.”

O novo masculino e o obscurantismo romântico das jovens vencedoras

Ainda na plataforma Bloom, as jovens designers Andreia Reimão e Kaya Magalhães regressaram à passerelle do Portugal Fashion depois de terem sido os destaques do concurso Bloom da última edição. Cada uma trouxe quatro looks numa apresentação livre que colocou o público em diálogo com os modelos. Andreia Reimão foi a vencedora e para esta coleção mergulhou no universo de imagens intimistas do fotógrafo Clifford Prince King. Fez do vestuário interior a sua base de trabalho e decidiu puxá-lo para o exterior. Começou com inspiração na roupa masculina da década de 1920 e criou um universo próprio com tecidos de gravatas, rendas femininas e pelo. “A minha ideia com esta coleção é ter uma certa formalidade, mas mais soft e descontraída”. A coleção era masculina e a designer apresenta-a como “um novo tipo de menswear”, um conceito que acredita que hoje em dia “não faz sentido ser tão rígido”.

Kaya Magalhães venceu a menção honrosa e trouxe a coleção “Only Lovers Left Behind”, que “cria um espaço onde podes ser o mais obscuro e, em simultâneo, o mais romântico e sparkly”. O resultado foram quatro looks que contam com folhos, rendas e laços que cobrem o corpo feminino do pescoço aos tornozelos.

Baralhar e voltar a dar, ou a arte de reutilizar materiais

O primeiro dia de desfiles encerrou com o desfile de Ahcor. Tudo começou com “um espaço muito amplo que qualquer pessoa pode ir preenchendo com as suas ideias”, explica Sílvia Rocha ao Observador. “Isto parece muito estranho”, confessa a designer, “um silêncio  tão grande que consegue ser perturbador, mas que nos dá um conforto, uma sensação de segurança por não termos nada a rodear-nos e a perturbar-nos”. E como é que tudo isto se traduz numa coleção de moda?

Ahcor, por Sílvia Rocha © MELISSA VIEIRA/ OBSERVADOR

Tudo começou com um trabalho de estudo e mistura dos materiais. Uma das das bandeiras da marca é precisamente a procura de trabalhar de forma consciente. A designer não se aventura a afirmar que faz um trabalho sustentável, porque diz que, mesmo usando dead stock, tem consciência de que está a colocar peças novas no mercado. “Tento trazer estas coleções na forma que considero que é a menos agressora, a mais sustentável possível”.

A Ahcor (Rocha escrito ao contrário) nasceu em 2020 e nesta filosofia de matérias-primas, juntam-se aos restos de stock de materiais, peças de roupa suas ou compradas que desfaz e usa os têxteis em novas criações, e ainda materiais que não são habitualmente usados em vestuário. Estava mesmo ali ao lado um bom exemplo, nesta coleção há um vestido cor de rosa que foi concebido com o têxtil que era usado para estofos de uma companhia aérea. E com uma coleção de 15 looks, Sílvia Rocha levantou voo para o próximo outono/inverno.

Na fotogaleria em cima veja algumas das imagens dos desfiles.