O Ministério das Finanças vai clarificar o decreto-lei que criou o apoio às rendas e que, segundo o Diário de Notícias, está a ser contrariado por um despacho interno do Governo remetido aos serviços da Autoridade Tributária para a operacionalização daquela ajuda pública. “Subsistindo dúvidas, e a bem da segurança jurídica, promover-se-á por via legislativa tal clarificação”, disse fonte oficial das Finanças em resposta a questões enviadas pelo Observador.

O Diário de Notícias escreve, esta quarta-feira, que o Fisco foi instruído a cortar na fórmula de cálculo do apoio às rendas, através de um despacho interno assinado pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Nuno Félix. Esse despacho, a que o Observador teve acesso posteriormente, tem a data de 31 de maio e altera os critérios de cálculo da taxa de esforço ao considerar o rendimento bruto (inclui a matéria coletável mais as deduções específicas) e aqueles que estão sujeitos a taxas especiais — como pensão de alimentos ou os relativos às rendas — para definição da elegibilidade e do valor do apoio.

Despacho interno das Finanças corta no apoio às rendas, alterando o definido no decreto-lei

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Estipula o despacho que “devem ser consideradas as deduções específicas que tenham sido consideradas nos rendimentos apurados para determinação da taxa”, sendo que o rendimento para a determinação da taxa “deve ser não só o rendimento englobado e tributado à taxa de geral de IRS, como também o rendimento tributado às taxas especiais, uma vez que a lei não qualifica o tipo de taxa, logo o rendimento para determinação da taxa, pelo que onde a lei não distingue não deve o intérprete distinguir”.

Esta formulação poderá contrariar o decreto-lei que está em vigor, segundo o qual deve ser considerada a matéria coletável. Com esta alteração, os rendimentos considerados são superiores aos que dita a lei atual, o que poderá levar a valores de apoio inferiores ou mesmo a situações de exclusão. E, por consequência, a uma despesa menor (240 milhões) do que a que resultaria da aplicação plena da lei como estava a ser interpretada (mil milhões, segundo o DN).

Questionado pelo Observador, o Ministério responde que o despacho interno “uniformizou e clarificou a aplicação do apoio extraordinário, em tempo útil de este chegar ao terreno quando as famílias mais precisam e no pressuposto de não estar a ser ultrapassado qualquer limite legal”. E acrescenta: “Subsistindo dúvidas, e a bem da segurança jurídica, promover-se-á por via legislativa tal clarificação“. A mesma fonte não indicou quando é que essa clarificação ficará refletida na lei.

O Ministério explica que este despacho segue uma “prática habitual” que acontece “sempre que necessário”. O despacho “visa dar orientações uniformes aos serviços sobre a aplicação concreta da medida de apoio às rendas, assegurando os princípios que subjazem a todos os apoios de rigor orçamental, de rapidez de aplicação, justiça e de equilíbrio“. O Governo não diz, porém, se a alteração introduzida pelo despacho tem origem em erros no cálculo do impacto orçamental do apoio.

No despacho interno, o Governo entende que “a lei em causa recorre a um conceito de rendimento anual sem definição legal expressa com correspondência na legislação fiscal e, consequentemente, quanto ao rendimento mensal do agregado familiar”.

Ao jornal, o Governo já tinha esclarecido que pretende “assegurar um tratamento equitativo dos diferentes tipos de rendimento”, pelo que o apoio foi calculado “com base no rendimento coletável, ao qual acrescem: 1) a correspondente dedução específica, 2) os rendimentos considerados para a determinação da taxa geral do IRS aplicável, e 3) os rendimentos considerados para a aplicação das taxas especiais”.

Apoio vai ter de ser confirmado com base nas declarações de 2022 — o que pode levar a ajustes

Segundo o Ministério, o que o despacho faz é clarificar os conceitos de rendimento anual e rendimento médio mensal. Mas também clarifica que os dados a ter em conta são os das declarações de 2022, como a Lusa já tinha avançado. Quando a medida começou a ser paga, o valor do subsídio foi calculado com base na declaração de rendimentos de 2021, mas uma vez concluída a campanha de 2022 o apuramento do apoio terá de ser confirmado à luz da nova declaração. Ou seja, haverá situações em que o apoio pode ser reduzido ou aumentado.

“O apuramento do Apoio deve ser confirmado, para a totalidade do universo, com base no rendimento declarado relativamente ao ano de 2022, nas declarações de rendimentos entregues em 2023, devendo para o efeito a AT transmitir à SS e ao IHRU, as informações relevantes para que estas entidades possam desenvolver os respetivos procedimentos que decorrem da lei”, lê-se no despacho. Na resposta enviada ao Observador, as Finanças também admitem que haja “ajuste no montante de apoio”.

Além disso, no caso dos locatários terem uma taxa de esforço superior a 100% dever-se-á aguardar pelas declarações de IRS de 2022 (entregues em 2023), como já noticiado pelo Expresso.

Por outro lado, ficam excluídos os agregados sem rendimentos declarados ou aqueles cujo domicílio fiscal não coincide com o contrato de arrendamento.

O Governo estima que mais de 185 mil famílias recebam o apoio à renda, o que corresponde a cerca de 200 mil pessoas. Destas, cerca de 36 mil têm de atualizar o IBAN na Segurança Social Direta e cerca de 20 mil têm prestações inferiores a 20 euros, “o que significa que pode ainda não ter sido processado”. Os abrangidos vão receber uma carta da AT com a informação sobre o valor a receber.

Inflação: valor do apoio à renda vai ser confirmado em função do IRS de 2022

Entretanto, o Bloco de Esquerda pediu uma audição parlamentar dos ministros das Finanças e da Habitação para esclarecerem os problemas ligados ao apoio.