Nem remodelação, nem dissolução. António Costa sobreviveu à última das etapas da via sacra imposta por Marcelo Rebelo de Sousa antes das férias: o Conselho de Estado para avaliar a situação do país (leia-se, a atuação do Governo). O primeiro-ministro, apurou o Observador, ouviu críticas duras de um grupo de cinco conselheiros (Cavaco Silva, Miguel Cadilhe, Francisco Pinto Balsemão, António Lobo Xavier e  Luís Marques Mendes) que tentaram desmontar os dados económicos apresentados por António Costa na quinta-feira no debate do Estado da Nação.

Como o primeiro-ministro teve de sair para apanhar o avião — e nem ele nem o Presidente conseguiram fazer a intervenção final — Marcelo deixou no ar a ideia de fazer uma segunda parte do Conselho de Estado: “Sendo assim, continuamos este debate em setembro“.

Todos alinharam na ideia de que crescer acima da média europeia não basta porque a Europa está a crescer pouco. Miguel Cadilhe, sabe o Observador, foi o mais duro dos cinco, dando uma “perspetiva de ciclo” e dizendo que no triénio 2020-2021-2022 a média de crescimento foi de 1% ao ano. Luís Marques Mendes, por exemplo, criticou o relatório final da comissão de inquérito à TAP elaborado por uma deputada do PS . No entanto, nenhum deles defendeu a demissão do Governo ou sequer a remodelação — nem mesmo Cavaco Silva que já o fez publicamente.

A defesa de António Costa foi assumida pelo presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, e, acima de tudo por Carlos César. Apesar disso, foi do presidente do PS a única referência a uma remodelação, ainda que indireta e em jeito de piada. “Não é dramático existirem 13 demissões, embora eu pessoalmente até ache que deviam ter saído mais“, disse César, em coerência com o que também já defendeu publicamente.

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No meio de uma defesa da visão do Governo sobre a recuperação da economia, Carlos César foi deixando uma ou outra crítica, admitindo que “não devia haver tantos casos e ocasos“. Ainda assim, o tom geral foi de defesa da posição do Governo. E até com uma pequena provocação a Cavaco Silva, repetindo os números que Carlos Pereira apresentou no Parlamento no dia anterior em comparação com as maiorias do antigo Presidente da República quando era primeiro-ministro. Carlos César também responderia às críticas de Marques Mendes sobre a TAP ao dizer que “das 70 e tal conclusões só uma dezena tinham sido votadas só pelo PS.” Manuel Alegre, que também costuma puxar pelo Governo, foi a única ausência.

Os presidentes dos Governos regionais — Miguel Albuquerque (que saiu mais cedo para apanhar o avião) e José Manuel Bolieiro — foram igualmente bastante críticos do Governo, embora centrados em questões regionais.

O cientista António Damásio, que vive nos EUA e participou à distância, fez uma intervenção sobre Inteligência Artificial. O antigo candidato presidencial António Sampaio da Nóvoa também evitou entrar nas questões da política partidária e a escritora Lídia Jorge optou por descrever duas experiências que conhecia pessoalmente para retratar a situação económica e social: a greve de comboios e a situação de uma família pobre.

O antigo Presidente da República António Ramalho Eanes fez uma análise do país nos últimos 50 anos e a Provedora de Justiça optou por uma análise  sobre o tempo institucional e o dos cidadãos na resposta a problemas.

A reunião começou a ser acelerada já mais para o fim porque o primeiro-ministro já estava a começar a atrasar-se para apanhar um avião para Nova Zelândia, onde vai ver a seleção nacional feminina. No fim não houve um comunicado sequer com palavras de circunstância sobre a atual situação política e económica, mas apenas uma nota informativa: “O Conselho de Estado, reunido sob a presidência de Sua Excelência o Presidente da República, hoje, dia 21 de julho de 2023, no Palácio de Belém, teve como tema central a “Análise da situação política, económica e social”.

“Num Conselho de Estado como este era impossível haver consenso”, diz uma fonte ao Observador. Mas também não foi debatido. O Presidente da República nem sequer fez um esforço para consensualizar uma posição e fez um comunicado meramente factual e desprovido de opinião.

A impressão geral da sala é que Marcelo Rebelo de Sousa — que foi mais ouvinte que interventivo — não vai tomar nenhuma posição pública relevante antes da rentrée política. Fica assim suspenso o ciclo mais intenso de escrutínio do Governo que se iniciou com a não-demissão do ministro João Galamba. Em setembro, por um novo Conselho de Estado ou por outro meio, Marcelo promete voltar à carga.