Aos 40 anos apenas, uma doença renal crónica pôs em falência os dois rins do marido e condenou-o a três tratamentos de diálise por semana — e a uma longa espera na lista de doentes a precisar de um transplante renal: ao todo são 1.800 neste momento em Portugal, país europeu com o maior número de insuficientes renais crónicos. Ou poderia ter condenado: depois de a própria filha mais velha (mas, ainda assim, de apenas 18 anos) se ter oferecido para doar um rim ao pai, a mulher deu ela mesma esse passo e dispôs-se a fazer o mesmo, para salvar a vida ao marido.

O facto de serem incompatíveis, conta a edição desta sexta-feira do jornal Expresso, não travou o transplante: ao abrigo de um programa de transplantação internacional, a portuguesa, a partir da Unidade de Transplante Renal do Centro Hospitalar e Universitário de Santo António, doou um dos rins a uma mulher italiana, internada no Ospedale San Bortolo, em Vicenza, a mais de dois mil quilómetros de distância; e o marido dela, que se revelou compatível com o português, fez o mesmo.

Foi a primeira vez desde que o protocolo South Alliance for Transplant foi assinado entre Portugal, Espanha e Itália, em 2017, que se fez uma troca de rins com Itália. Antes dela, diz o Expresso, que acompanhou todo o processo, desde a primeira cirurgia, no Porto, à transplantação do órgão vindo de Vicenza, com lugar no Falcon 50 da Força Aérea Portuguesa que assegurou o transporte dos rins, o Programa Nacional de Transplantação só tinha feito três trocas internacionais de rins, sempre com Espanha.

“Desde que foi possível fazer trocas no país, em 2007, temos feito alguns transplantes cruzados. No ano passado tivemos um cruzamento triplo e um duplo a nível nacional, envolvendo cinco pes­soas. Entre elas tivemos o nosso primeiro transplante de dador altruísta, ou seja, a primeira pessoa que decidiu doar um rim a um desconhecido. Em 2017 assinámos o protocolo com Espanha e Itália para a formação da South Aliance for Transplant, mas inaugurámos as trocas internacionais a 13 de março de 2020, em plena pandemia. Além desta primeira troca com Espanha, trocámos outras duas vezes com o país vizinho em 2021 e agora a primeira vez com Itália”, explicou ao Expresso Margarida Ivo, a coordenadora Nacional de Transplantação.

A troca inédita entre dois casais, que por motivos óbvios não são identificados, aconteceu justamente no passado 20 de julho, Dia Nacional da Transplantação. Relata o Expresso, as cirurgias iniciais decorreram exatamente à mesma hora, em Portugal e Itália, sincronizadas através de mensagens de Whatsapp. Às 8h45, mais uma hora em Vicenza, chegou a ordem inicial — “Go ahead”. Quando, pelas 18h, o rim do marido italiano chegou ao Porto, a mulher italiana já tinha sido transplantada com o órgão da portuguesa.

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