Uma equipa de cirurgiões transplantou com sucesso pela primeira vez um rim geneticamente modificado de um porco para um paciente vivo. O homem, de 62 anos, está a ser atentamente monitorizado, mas por agora os sinais são promissores.

O procedimento, que demorou cerca de quatro horas, decorreu no hospital de Massachusetts, nos Estados Unidos, no sábado passado. O paciente, com uma doença renal em fase terminal, está a recuperar bem e poderá ter alta em breve, segundo indicou o hospital num comunicado.

O procedimento bem sucedido é um marco no campo do xenotransplante — transplante de órgãos ou tecidos de um animal em humanos. Há vários anos que este método é apontado como uma solução para assegurar uma maior disponibilidade de órgãos para transplante. No entanto, a possibilidade de rejeição é sempre um risco.

Para diminuir essa possibilidade, o rim teve origem num porco geneticamente modificado pela empresa eGenesis, com a qual o Hospital Geral do Massachusetts tem uma colaboração de vários anos. Foram “removidos genes de porco prejudiciais e adicionados genes humanos para aumentar a compatibilidade com humanos”. Além disso, os cientistas inativaram retrovírus endógenos do porco porque estes podem infetar os humanos.

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O órgão foi recebido por Richard Slayman, um paciente que estava a ser acompanhado no hospital há mais de uma década. Depois de os seus rins começarem a falhar, esteve em hemodiálise durante sete anos. Ainda chegou a receber um rim humano em 2018, mas o órgão acabou por falhar depois de cinco anos e o paciente acabou por desenvolver outras complicações e ter de retomar a hemodiálise em maio de 2023. “Teria de esperar cinco a seis anos por um rim humano. Não teria sobrevivido tanto tempo”, explicou Winfred Williams, um dos médicos que acompanhou o paciente, citado pelo New York Times.

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Os rins parecem, para já, funcionais e o paciente deixou de precisar de hemodiálise. “Vi-a [a operação] não só como uma forma de me ajudar, mas de dar esperança a milhares de pessoas que precisam de um transplante para sobreviver”, afirmou Richard Slayman, citado no comunicado do Hospital Geral do Massachusetts.

A operação foi liderada pelo médico brasileiro Leonardo V. Riella. “Setenta anos depois do primeiro transplante de rins e seis décadas depois do advento dos medicamentos imunossupressores, estamos à beira de uma avanço monumental no transplante”, afirmou. “Só no MGH, há mais de 1.400 pacientes em lista de espera para transplantes de rins. Infelizmente, alguns morrerão ou ficarão demasiado doentes para receber um transplante devido ao tempo de espera e à hemodiálise. Estou firmemente convencido de que o xenotranplante representa uma solução promissora para a crise de escassez de órgãos”, defendeu.

Num campo em evolução, têm sido anunciados vários procedimentos desta natureza nos últimos anos. Em setembro de 2021, cirurgiões do centro académico de medicina NYU Langone, em Nova Iorque, transplantaram um rim de um porco geneticamente modificado para um homem em morte cerebral. O rim funcionou durante dois meses, antes de ser removido e o corpo entregue à família. Também cientistas da Universidade do Alabama, em Birmingham, anunciaram pouco depois resultados semelhantes num processo semelhante.

Rim de porco continua a funcionar em humano mais de um mês depois do transplante. Não há “sinais de rejeição”, dizem médicos

Em 2020, também decorreu com sucesso o transplante de coração de porco geneticamente modificado. O transplante ocorreu no Centro Médico da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos. O porco de onde foi obtido o coração tinha sido geneticamente alterado para remover um açúcar nas suas células responsável pela rejeição rápida do órgão.