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Há sensivelmente um ano, a Austrália realizou um jogo amigável contra Portugal no Estoril. O selecionador australiano, Tony Gustavsson, foi recebido na conferência de imprensa por uma sala vazia. Teve apenas diante de si uma plateia de quatro ou cinco jornalistas australianos que se ligaram através de uma videochamada. O jogo que serviu para a seleção portuguesa preparar o Euro 2022 tinha terminado empatado. A imprensa colocou em causa as decisões do treinador de nacionalidade sueca e, apesar das perguntas serem feitas num tom de escrutínio veemente, o técnico foi respondendo tratando os poucos interlocutores pelos nomes, num ambiente semelhante ao que se sente quando uma família se senta à mesa de jantar para resolver um problema.

Uma época desportiva depois, a Austrália jogava a meia-final do Mundial frente à Inglaterra, em Sydney, procurando ter acesso a uma inédita final contra a Espanha. As Matildas tornaram-se num assunto nacional. Num dos países organizadores da competição, as pastelarias vendem bolos decorados com desenhos alusivos à equipa australiana, os transportes públicos têm mensagens de apoio, os estádios por onde a seleção passa estão repletos e o sucesso da seleção tornou-se motivo de debate político. O primeiro-ministro do país, Anthony Albanese, propôs que fosse decretado feriado caso a Austrália fosse campeã do Mundo. As críticas da oposição face ao preço que custaria dar uma folga ao país fizeram o governante voltar atrás na ideia.

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Na antevisão ao encontro contra a Inglaterra, Tony Gustavsson não precisou que lhe fizessem nenhuma pergunta para realizar um comentário ao auditório cheio de jornalistas numa demonstração do interesse crescente em relação à equipa australiana. “Olhem para isto, precisamos de uma sala maior”, soltou antes de analisar o encontro. Ao mesmo tempo, também existe uma grande expectativa em relação à Inglaterra. As Lionesses nunca estiveram numa final do Mundial, tendo claudicado nas duas hipóteses que tiveram para o fazer. A selecionadora das campeãs da Europa, Sarina Wiegman, foi questionada sobre se esperava que o primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, também sugerisse um feriado se as inglesas vencessem o Mundial, tal como fez o homólogo australiano. Depois do embaraço inicial, a treinadora respondeu entre risos com base nas reações que viu. “Olho para vocês e… sim! Acho que todos os ingleses aqui querem isso”.

A Austrália apresentou novidades no onze inicial. Sam Kerr, a estrela da companhia, que tem lutado contra uma lesão no gémeo, foi pela primeira vez titular neste Mundial. Por sua vez, a Inglaterra não fez qualquer alteração face ao jogo contra a Colômbia. As Lionesses ainda não contaram com Lauren James a cumprir o segundo jogo de castigo após ter sido expulsa contra a Nigéria.

A equipa inglesa começou por optar por uma circulação de bola em zona recuada. Não que a pressão australiana a isso obrigasse, mas a ideia era atrair a primeira linha de pressão das Matildas e depois explorar a profundidade. Georgia Stanway, a centrocampista que fez dupla com Keira Walsh no 3x5x2, num movimento de rutura que até nem lhe é característico, apareceu na cara da guarda-redes Mackenzie Arnold.

Na fase em que a Austrália estava a consegui equiparar-se à equipa adversária acabou por sofrer golo. Uma colaboração made in Manchester United colocou a Inglaterra em vantagem. Alessia Russo trabalhou o lance dentro de área e Ella Toone (36′) colocou a bola no ângulo direito da baliza de Mackenzie Arnold. As Lionesses esperavam por um pouco mais de exposição por parte das Matildas e aproveitaram o momento em que tal aconteceu. Toone, que faz vídeos para o Youtube, leva belíssimas imagens deste encontro.

Sam Kerr encontrava-se bastante isolada na frente de ataque, abdicando de disputar alguns lances numa clara gestão da condição física. Em determinados momentos, não demonstrava a desenvoltura que lhe é característica, deixando na dúvida até onde podia ir o seu contributo. A prova de que ter a jogadora do Chelsea em campo é sempre uma mais-valia foi a maneira como seguiu desacompanhada para o ataque e, mesmo perante duas defesas inglesas, arriscou o remate (63′) que sobrevoou a guarda-redes Mary Earps e empatou o encontro.

Mesmo após sofrer, a Inglaterra manteve a filosofia de jogo longo. Millie Bright colocou a bola nas costas da defesa australiana e Lauren Hemp (71′), que tinha ameaçado o golo de cabeça uns instantes antes, ganhou a luta com Ellie Carpenter e devolveu a vantagem às Lionesses.

Lauren Hemp voltaria a estar em evidência na assistência para Alessia Russo (86′) fazer o terceiro golo da equipa. Estava quebrado o enguiço das vitórias pela margem mínima que apenas num dos triunfos da Inglaterra na competição não se verificou.

A pérola

  • Normalmente, são as movimentações em apoio de Lauren Hemp que definem em que zona do terreno a Inglaterra tem vantagem para introduzir a bola entre linhas. Optando a equipa de Wiegman por ter uma abordagem diferente ao jogo, onde a intenção do ataque foi sempre quebrar a última linha australiana através da velocidade, Hemp mostrou capacidade, em conjunto com Alessia Russo, para atacar a profundidade. Melhor que ter marcado, foi a assistência que fez para o terceiro golo.

O joker

  • Se as companheiras de setor, Millie Bright e Jess Carter, tentaram constantemente colocar bolas aéreas na frente, Alex Greenwood parecia querer contrariar essa lógica. Foi a única jogadora do setor recuado a tentar passes verticais curtos e, ao mesmo tempo, a alimentar Rachel Daly, sempre irreverente com a bola no pé e não tanto no espaço.

A sentença

  • Em 2015, a Inglaterra perdeu a meia-final com o Japão (2-1). Em 2019, o mesmo aconteceu contra os Estados Unidos (2-1). À terceira, foi mesmo de vez. As Lionesses conseguiram pela primeira vez o acesso à final do Campeonato do Mundo, onde vão medir forças com a Espanha, e podem juntar uma nova conquista ao Europeu e à Finalíssima. A Austrália cai na primeira vez que chegou a esta fase do torneio e vai discutir a medalha de bronze com a Suécia.

A mentira

  • Sabia-se desde o início da competição que a Austrália era a melhor seleção entre os países organizadores. Ao cair na fase de grupos, a Nova Zelândia confirmou isso mesmo. Cabia às Matildas irem longe. Diante de 75.784 pessoas nas bancadas do Estádio Olímpico de Sydney, a possibilidade da seleção australiana se superar ainda mais era real, mas tal acabou por não acontecer.