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Tudo era diferente. A cerimónia antes do encontro, os estados de espírito nos balneários onde havia quem estivesse muito descontraidamente a falar com as crianças que entram no relvado com as jogadoras e quem olhasse em frente com o foco que não poderia ser desviado por nada, o próprio ambiente. A final para onde nem Suécia nem Espanha estavam apontadas na teoria no arranque do Mundial estava apenas à distância de 90 minutos e era esse o tempo que ambas tinham para fazer os jogos das suas vidas e dar mais um passo a uma campanha destinada a ficar na história mas com espaço somente para uma vaga na grande decisão.

A Espanha já tinha conseguido tudo aquilo que nunca antes conseguira. Após um começo com dois triunfos largos frente a Costa Rica e Zâmbia, a Roja foi cilindrada pelo Japão no final da fase de grupos e acabou por ser esse insucesso a dar o mote para a redenção naquilo que se seguiu: primeiro, uma goleada frente à Suíça que carimbou o primeiro triunfo em fases a eliminar do Mundial; depois, uma vitória no prolongamento nos quartos com os Países Baixos que confirmou o momento de um conjunto de jogadoras que viveu um pouco de tudo em termos internos, que está habituado a ganhar nos clubes mas que encontrava agora o seu ponto de inversão enquanto seleção tendo agora Alexia Putellas de novo como titular no jogo das meias.

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Salma e o destino cruzado em sprint até à glória: Espanha faz (mais) história, vence Países Baixos e está nas meias do Mundial

Do lado da Suécia, tudo o que podia correr bem, correra ainda melhor. O arranque do Mundial acabou por trazer bem mais dificuldades do que esperado, com a vitória frente à África do Sul a surgir apenas em cima do minuto 90, mas o triunfo na fase de grupos foi selado com mais dois triunfos convincentes com Itália e Argentina antes do caminho de todas as pedras a ser superado passo a passo: primeiro com a bicampeã EUA, num jogo resolvido nas grandes penalidades que ficou marcado pela exibição assombrosa de Zecira Musovic; depois com o Japão (uma das melhores equipas em prova), num jogo irrepreensível nos 70 minutos iniciais que se complicou e muito no final. Agora, a mesma equipa procurava superar outra etapa.

O sorriso de Musovic é mesmo um íman para a vitória: Suécia ainda “treme” mas elimina Japão e vai jogar meias do Mundial com Espanha

No final, ganhou a melhor equipa e ganhou a Espanha. Porque conseguiu ser mais fiel à identidade de jogo que trouxe para a Austrália e para a Nova Zelândia, porque conseguiu controlar melhor todos os momentos da partida, porque “secou” aqueles que poderiam ser os pontos fortes da Suécia potenciando as suas virtudes. Depois, e mais uma vez, Jorge Vilda mexeu bem e ganhou a partir de um banco que tem muito crédito. Se a passagem aos quartos já era um sonho concretizado, a Roja vai jogar agora pela vitória no Mundial porque, mais uma vez, montou um projeto estruturado, a apostar na juventude, a criar bases para não ser um fenómeno casual e teve sucesso. Agora foi no futebol feminino sénior (como tinha sido antes nas Sub-19 e nas Sub-21), antes foi no basquetebol, no andebol, no hóquei ou nos desportos olímpicos. Assim é a Espanha.

A Espanha teve uma entrada mais afirmativa no encontro, muito por culpa da capacidade de retirar à Suécia a possibilidade de impor o seu jogo mais físico como o Japão demorou a conseguir. E foi mesmo da Roja o primeiro remate com perigo, com capitã Olga Carmona a testar a meia distância de pé esquerdo que não saiu longe do poste da baliza de Musovic (14′). Fridolina Rolfö, uma espécie de “infiltrada” por jogar no Barcelona com várias internacionais espanholas, tentou resolver sozinha aquilo que a equipa falhava no plano coletivo mas o conjunto de Jorge Vilda estava melhor, com Aitana Bonmatí e Teresa Abelleira a tomarem conta do meio-campo e a “esconderem” de jogo outra das grandes armas suecas, Kosovare Asllani. Só no final a Suécia criou real perigo, com um erro defensivo a redundar num cruzamento largo e Fridolina Rolfö a surgir ao segundo poste a rematar de primeira para uma grande defesa de Cata Coll para canto (43′).

A Suécia teria de fazer mais para tirar o domínio a uma Espanha que fazia imperar o seu jogo em posse onde só faltava outra presença na área para dar seguimento a alguns cruzamentos perigosos sem finalização. No entanto, e apesar de um regresso mais equilibrado, a entrada de Salma Paralluelo para o lugar de Putellas voltou a colocar a Roja por cima, perdendo na posse mas ganhando na capacidade de mexer mais na frente. Redondo teve uma oportunidade de ouro para marcar na pequena área, após uma insistência de Paralluelo, mas acertou nas malhas laterais (70′). Ainda assim, a partida tinha mudado de vez com a jogadora do Barça e seria mais uma vez Paralluelo a marcar vinda do banco (81′). E as “parecenças” não ficariam por aí.

Tal como tinha acontecido com os Países Baixos, a Espanha perdeu a vantagem que tinha nos minutos finais, com a Suécia a fazer imperar o seu jogo direto e a forçar o empate na sequência de um cruzamento largo de Rolfö com assistência de Lina Hurtig e remate sem hipóteses de Rebecka Blomqvist (88′). As escandinavas faziam a festa, as espanholas baixavam a cabeça de forma desalentada… mas por um minuto: depois de um canto em que a Suécia falhou na marcação às jogadoras que ficaram fora da área, Olga Carmona recebeu ainda ligeiramente descaída sobre a esquerda, arriscou pela terceira vez o remate no jogo e marcou um dos melhores golos do torneio, com a bola a bater ainda na trave sem hipóteses para Musovic (89′).

A pérola

  • Salma Paralluelo voltou a revolucionar por completo o jogo a partir do banco, não só pelo golo que voltou a marcar mas também pelas melhorias coletivas que trouxe à Espanha (Jenni Hermoso, a jogar mais recuada, melhorou a pique e Aitana Bonmatí esteve ainda mais confortável no meio), mas esta foi a noite, ou manhã na Europa, de Olga Carmona. A lateral esquerda de 23 anos nascida em Sevilha que já leva mais de 100 jogos pelo Real Madrid prolongou o sonho que começou com a vitória espanhola no Europeu Sub-19 e mostrou o porquê de, passando ao lado de toda a turbulência que afetou a Roja no passado recente, ser a capitã e uma das grandes referências a nível de liderança da equipa.

O joker

  • O artigo escrito na primeira pessoa no The Players’ Tribune explica aquilo que Aitana Bonmatí é em campo. Catalã, filha de professores que fazem da casa uma biblioteca e que lutaram para mudar a lei que obrigava a que o último apelido fosse da mãe e não pudesse ser do pai, amante do conhecimento de outras culturas como a que encontrou numa viagem ao Vietname, uma fã de Pep Guardiola que segue o técnico para onde quer que ele vá. A jogadora do Barcelona de 25 anos sabe tudo do jogo. O passe, as movimentações, os equilíbrios sem bola, os momentos de chegada à área. Este Mundial pode funcionar como um trampolim para entrar como uma das favoritas na luta pela Bola de Ouro caso o futebol não seja só visto à luz dos números dos golos, das assistências e das defesas – Aitana é mais do que isso.

A sentença

  • Com este resultado, a Espanha prolongou a história neste Mundial. Até aqui, nunca a Roja tinha sequer ganho um encontro na fase a eliminar da prova; agora encontra-se na final e está a 90 minutos de conquistar aquele que seria um dos mais improváveis títulos da história da Federação. Pela frente está agora a vencedora do encontro entre Austrália e Inglaterra, que se realiza esta quarta-feira. Do lado da Suécia, e mais uma vez em grandes provas, resta o encontro de atribuição do terceiro e quarto lugares…

A mentira

  • Pela experiência nas grandes competições internacionais, pela qualidade de jogadoras que tinha e pelo que tinha feito nos primeiros 70 minutos do jogo com o Japão, a Suécia tinha obrigação de fazer mais para lutar pela vaga na final. Sempre que conseguia fazer prevalecer o seu jogo mais físico ainda havia algum perigo junto da área da Espanha mas foi demasiado curto para fugir à derrota…