Adalberto Campos Fernandes, antigo ministro da Saúde de António Costa, considera que o facto de o primeiro-ministro ter optado por permanecer em silêncio no Conselho de Estado é surpreendente e mais um sinal evidente da deterioração das relações entre Belém e São Bento. “Podemos entrar numa rampa descendente em que a degradação política não pára”, alertou o socialista.
Na reunião do Conselho de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa dedicou metade da sua intervenção a criticar a atuação do Governo em áreas chave, a TAP, o estado da saúde e da habitação. Como o Observador apurou, de um discurso de 20 minutos, 10 foram destinados a fazer reparos ao Governo. António Costa escolheu o silêncio como resposta.
Ouça aqui o Explicador com Adalberto Campos Fernandes e Miguel Pinto Luz
Em entrevista ao Observador, no programa “Explicador”, Campos Fernandes lamentou o estado a que as coisas chegaram entre Marcelo e Costa. “Não estamos habituados a este tipo de registos. Não será muito positivo que as relações institucionais se venham a pactuar daqui para a frente por coisas que estão para além daquilo que é uma relação normal entre órgãos de soberania”, começou por sublinhar o antigo governante.
“Não é normal um clima que alterna entre uma afetividade extrema e um arrefecimento [tão evidente]. Não estamos a falar de amigos pessoais lá de casa. Há um certo ritual institucional que não deve ser diminuído. A Constituição não prevê nem afetos a mais, nem zangas a menos”, continuou. “Não existe uma relação saudável [entre Marcelo e Costa]. Há muito o exercício cénico da política, o espetáculo, os recados. Isto não favorece nada a respeitabilidade da política.”
Para o antigo ministro, aliás, este episódio, mais um sinal do braço de ferro que se prolonga desde o episódio da não demissão de João Galamba, já pôs em causa o “regular perceção do funcionamento das instituições” e pior ficará se, nos próximos dias e semanas, os dois, Marcelo e Costa, apareçam a fazer juras de amor. “Ficaremos perplexos. Não pode valer tudo na relação entre pessoas que representam milhões de cidadãos.”
Também no programa “Explicador”, Miguel Pinto Luz, vice-presidente do PSD, subscreveu os alertas de Adalberto Campos Fernandes sobre os riscos para a democracia da permanente degradação da qualidade instituições. “Quando banalizamos o exercício de cargos políticos, estamos a banalizar a democracia”, argumentou o social-democrata.
O número dois da Câmara Municipal de Cascais dirigiu as suas críticas sobretudo à forma de atuação de António Costa. Para Miguel Pinto Luz, a deterioração da relação entre primeiro-ministro e Presidente da República é cada vez mais evidente e este silêncio do primeiro-ministro é mais um exemplo disso mesmo. “As relações de respeito mútuo estão no nível -1.”
De resto, o vice-presidente do PSD discordou abertamente da leitura de Luís Montenegro, que atribuiu a decisão de Costa de ficar calado durante o Conselho de Estado a um “amuo” momentâneo. Ora, para Pinto Luz, o silêncio foi “absolutamente propositado”. “Não concordo com leitura do amuo. António Costa é exímio na tática política e percebeu que colocaria o seu silêncio no centro do debate política, o que deprecia o valor da relação das instituições em democracia”, rematou.