No tema, no espírito e na forma, Dumb Money, de Craig Gillespie, é um sucedâneo remediado e populista de A Queda de Wall Street, de Adam McKay (2015). Baseado no livro The Antisocial Network, de Ben Mezrich, o filme conta como em 2021, em plena pandemia, uma multidão de pequenos e micro-investidores online americanos apostou nas acções da GameStop, uma empresa de venda de videojogos e acessórios de computadores, contra a visão dos grandes fundos de investimentos de Wall Street, que a subvalorizaram e iam levar à falência para beneficiar com isso, acabando por subverter a lógica, as rotinas e as expectativas do mercado, e ganhar dinheiro. Ao mesmo tempo, levaram ao tapete alguns daqueles fundos e comprometeram a imagem “democrática” e alternativa da “app” de investimentos que concentrava a maior parte das transacções da GameStop.

[Veja o “trailer” de “Dumb Money”:]

O homem que encabeçou esta maré alta de investimento popular (o “dumb money” do título é uma expressão depreciativa usada pelos investidores institucionais para designar os pequenos e os amadores) e levou as acções da GameStop a picos de valorização insuspeitados, foi Keith Gill (Paul Dano), um analista financeiro e pai de família da classe média, natural do Massachussets. De fita vermelha na cabeça e usando um T-Shirt com gatinhos, Gill  fazia vídeos com conselhos de investimentos no YouTube (com o pseudónimo de Roaring Kitty) e no Reddit (como DeepFuckingValue), e decidiu apostar em grande nas ações da GameStop. Os seus seguidores imitaram-no, e o preço e o valor do papel não pararam de subir. Nem Gill nem aqueles venderam, e os arrogantes possuidores de “smart money” foram apanhados na curva. (Há também um documentário na Netflix sobre este caso, Eat the Rich: The GameStop Saga). 

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[Veja uma entrevista com o realizador Craig Gillespie:]

Dumb Money é mais uma variante de um tema muito querido aos americanos: a história de David e Golias trocada por miúdos, a celebração do triunfo dos pequenos, anónimos e remediados sobre os grandes, ricos e poderosos. Os primeiros são aqui representados pelo próprio Gill, filho de um camionista e uma enfermeira, pelo seu irmão Kevin (Pete Davidson), que entrega refeições ao domicílio, por Jenny (America Ferrera), uma enfermeira divorciada, com dois filhos e sempre aflita de dinheiro, duas estudantes universitárias, Harmony (Talia Ryder) e Riri (Myha’la Herrold), pesadamente endividadas, e um empregado de uma loja da própria GameStop, Marcus (Anthony Ramos) que ainda vive com os pais.

[Veja entrevistas com o elenco e as argumentistas:]

Os segundos, que gerem fundos de investimentos, têm fortunas de milhares de milhões de dólares, vivem em sumptuosas casas com piscina, campo de ténis e um pelotão de criados, bem como mascotes insólitas (um porco, por exemplo), são Gabe Plotkin (Seth Rogen), Steve Cohen (Vincent D’Onofrio), o dono do citado porco, e Ken Griffin (Nick Overman). No meio destes dois grupos estão Vlad Tenev (Sebastian Stan) e Baiju Bhatt (Rushi Kota), ambos filhos de imigrantes que enriqueceram e criaram a “app” Robinhood na sequência do movimento Occupy Wall Street, para servir de instrumento de canalização e democratização do pequeno investimento na bolsa, num esforço em prol do  “igualitarismo financeiro”.

[Veja uma sequência do filme:]

Se conseguirmos abstrair do simplismo narrativo e do maniqueísmo reconfortante do argumento de Lauren Schuker Blum e Rebecca Angelo, todo ele a preto e branco de “ricos maus e impunes versus pobres bonzinhos e injustiçados”, e de dinheiro “sujo” contra dinheiro “limpo”; da execrável banda sonora empapada em hip hop; e do jato contínuo de montagens noticiosas, memes, vídeos do YouTube e do TikTok e imagens em câmara lenta que compõem a identidade visual do filme, a que o realizador recorre para tentar explicar e tornar percetíveis ao espectador os conceitos financeiros em causa na história, sobram em Dumb Money um par de elementos interessantes.

[Veja o verdadeiro Keith Gill:]

Um deles é a forma como a Internet e as redes sociais podem, pontualmente, causar ruturas e mesmo pandemonizar o funcionamento estabelecido e as regras convencionadas do mercado de ações e do sistema financeiro, e cuja principal ilustração até agora foi este movimento GameStop, do qual Keith Gill se viu transformado em involuntário guru e símbolo cimeiro de protesto; o outro, é a força imprevisível e insuspeitada da insatisfação coletiva, da frustração acumulada e do ressentimento social (neste caso, com uma boa ajuda dos constrangimentos causados pelo COVID 19), para a eclosão e o desenvolvimento de fenómenos como este, que além do seu significado financeiro imediato, têm também uma dimensão político-societal.

Finalmente, convém reparar que, apesar da sua atitude irreverente, rebelde e desafiadora do “sistema”, contra o poder de Wall Street e o capitalismo especulativo frio e sem supervisão, e da sua (muito sublinhada e didática) mensagem de “poder para o povo” e de “inclusão” e democracia financeira, Dumb Money tem entre os  seus produtores executivos os gémeos Cameron e Tyler Winklevoss — dois dos criadores do Facebook e investidores bilionários. Chamem-lhes parvos…