A rivalidade entre Irlanda e Nova Zelândia tornou-se verdadeiramente pessoal desde que os All Blacks eliminaram este mesmo adversário no Mundial 2019. Pensar nos neozelandeses como underdogs e nos irlandeses, que nunca foram além dos quartos de final, como favoritos a conquistarem o Mundial é uma mudança de paradigma justificada pelos resultados recentes que pode causar estranheza.

No jogo inaugural do campeonato do mundo, que se joga em França, a Nova Zelândia foi derrotada pelos gauleses, averbando a primeira derrota de sempre na fase de grupos da competição, o que custou a liderança no grupo A. De qualquer das formas, ficar em primeiro lugar na fase inicial não ia compensar muito, uma vez que implicaria defrontar a campeã do mundo África dos Sul nos quartos de final (fava essa que calhou à França).

A Irlanda vinha não só de ganhar o grupo onde também estavam os campeões do mundo como de uma sequência de 17 vitórias que se arrastava desde julho de 2022 e que teve início em casa da Nova Zelândia. Além disso, os irlandeses contavam ainda com Bundee Aki, centro nascido na Nova Zelândia que tem sido um dos grandes destaques do Mundial.

No entanto, mais do que ganhar a este adversário, algo que tinham provado anteriormente que conseguiam fazer, os jogadores da Irlanda tinham outros fantasmas para afastar. “Trabalhámos no nosso jogo mental durante os últimos quatro anos”, comentou o capitão Johnny Sexton. “Colocámo-nos em diferentes cenários para nos prepararmos para isto”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Até os neozelandeses assumiam que não eram favoritos. “A Irlanda conquistou esse direito. O histórico deles nos últimos dois anos provou isso, mas estamos num Mundial”, disse o médio de formação Aaron Smith. “Estamos a jogar uma final e está tudo em jogo. História é história. A história será criada, veremos quem sai por cima”. Além do registo negativo recente perante este adversário – três derrotas nos quatros jogos realizados depois do Mundial 2019 – os All Blacks não contavam com Mark Telea, afastado por violar o protocolo da equipa, que foi rendido na ponta por Leicester Fainga’anuku.

Na prática, não era mesmo uma final, mas era como se fosse, pois Irlanda e Nova Zelândia já eram duas seleções candidatas a vencer o Mundial antes do mesmo começar. Em simultâneo, no outro lado do quadro competitivo, França e África do Sul lutavam também entre si por um lugar nas meias-finais, o que significava que muito do que era a corrida pelo título podia ficar decidido na primeira ronda a eliminar.

Por todos estes motivos, o ambiente no Stade de France foi fervoroso. O haka confrontou os impávidos jogadores irlandeses que viram os seus apoiantes responderem aos All Blacks a partir das bancadas. A Nova Zelândia estava em inferioridade em termos de público, mas no campo começou por ser superior e não perdeu a oportunidade para colocar os primeiros três pontos no marcador com Richie Mo’unga a marcar uma penalidade fácil.

Jordie Barrett aumentou a vantagem para os neozelandeses, de novo através de um pontapé aos postes. No entanto, parecia que era a Irlanda a equipa mais perto de fazer o primeiro ensaio, só que as entradas nos 22 metros foram sempre interrompidas por erros que permitiam aos All Blacks aliviar a pressão. O jogo ao pé de Beauden Barrett desmontou a defesa da Irlanda e a bola acabou na ponta onde Leicester Fainga’anuku anotou o ensaio inaugural (0-13).

Para sacudir o pânico, o experiente Johnny Sexton foi também aos postes para aproximar a Irlanda e virar o sentido do jogo já que Bundee Aki, após uma excelente demonstração de jogo à mão dos irlandeses, conseguiu o ensaio (10-13) que foi mais uma demonstração de força do segundo centro. Acontece que a Nova Zelândia capitalizava com relativa facilidade as aproximações à zona de ensaio, de tal forma que Ardie Savea, com os pés no ar, deixou a bola novamente onde tinha que ser. Mesmo que Richie Mo’unga tenha errado a conversão (10-18), a vantagem tornava-se relevante.

O jogo estava de loucos e era impossível não esperar um resposta que chegou por parte médio de formação irlandês, Jamison Gibson-Park, também ele nascido no país dos adversários (17-18). Numa altura em que Aaron Smith tinha visto cartão amarelo, a Irlanda apostou num maul para criar vantagem.

A Nova Zelândia conseguiu conter a Irlanda nos momentos iniciais da segunda parte mesmo ainda estando em inferioridade numérica. Restabelecidos que estavam os 15 jogadores com a reentrada de Aaron Smith, os All Blacks voltaram a aplicar a mesma receita. A Irlanda realizava ataques com muitas fases, ao contrário dos neozelandeses que eram muito mais sagazes. Richie Mo’unga realizou uma grande quebra e, a partir do offload, ofereceu a Will Jordan mais um ensaio (17-25).

A Irlanda conseguiu um ensaio-de-penalidade (24-25) quando a Nova Zelândia não conseguiu suster novo maul dos vencedores do Seis Nações e o resultado esteve a centímetros de ter um novo líder, o que acabou por não acontecer. Na sequência, Codie Taylor  viu o amarelo.

JordieBarrett estava inspirado nos pontapés aos postes e, por isso, foi sempre uma boa escolha optar por penalizar com um chuto as faltas irlandesas. Assim, o segundo centro voltou a distanciar os AllBlacks (24-28). A margem era curta e a Irlanda acreditou até à bola de jogo que podia conseguir a cambalhota, mas os líderes do ranking acabaram por voltar a cair nos quartos de final pela nona vez. A Nova Zelândia continua na luta por aquilo que pode ser o quarto título Mundial. O adversário dos All Blacks na meia-final é a Argentina.