Está envolto em muita polémica o processo eleitoral que vai decidir a constituição dos novos órgãos da Ordem dos Enfermeiros (OE) e o sucessor da atual bastonária Ana Rita Cavaco. A Lista Enfermeiros Unidos, que se assume como de oposição à lista de continuidade da atual direção, foi excluída do processo porque, diz a Ordem, entregou o processo de candidatura fora de prazo — acusação que o enfermeiro que encabeça a lista, Mário André Macedo, nega. Já a Ordem dos Enfermeiros prefere afastar-se da polémica — que, entretanto, já chegou aos tribunais — e sublinha que o processo é gerido pela Comissão Eleitoral, um órgão independente mas cujos membros foram nomeados pelas Secções Regionais da OE, quase todos afetas à atual direção nacional, de que faz parte o candidato a bastonário da única lista aceite.
Ao Observador, Mário André Macedo, candidato a bastonário pela Lista Enfermeiros Unidos, que foi excluída das eleições do processo dia 15 de novembro, fala em “golpe eleitoral” e numa “tentativa de condicionar o processo eleitoral e de manter à frente da Ordem os atuais membros”.
O enfermeiro garante que foram cumpridos os prazos de entrega das listas, ao contrário do que argumenta a Comissão Eleitoral da OE. “Entregámos a lista a 29 de setembro, no horário de expediente da OE. Entrámos pela porta principal, que estava aberta, entregámos onze dossiês com três centenas de candidatos. As candidaturas foram recebidas e processadas e temos o comprovativo que o demonstra”, diz o enfermeiro especialista em Saúde Infantil e Pediátrica.
Candidatura opositora foi excluída. Em causa está o prazo de entrega
No entanto, a Comissão Eleitoral alega que a candidatura “foi apresentada fora de prazo”, uma acusação que o enfermeiro nega e que garante que “não faz sentido”, uma vez que a Ordem dos Enfermeiros estava aberta nessa sexta-feira. Segundo o Estatuto da OE e com o regulamento eleitoral, o prazo-limite para a entrega das listas candidatas era o dia 1 de outubro, domingo, sendo que a entrega teria de ser feita no horário de expediente da OE — ou seja, entre as 9h e as 17 horas dos dias úteis, como determina o ponto 1 do artigo 17 do regulamento eleitoral da Ordem dos Enfermeiros.
Mário André Macedo alega que a lista foi entregue antes das 17h mas, como “o processamento da entrega demorou cerca de 40 minutos”, diz o enfermeiro, a Ordem alega que o prazo não foi cumprido. “Foi um truque de secretaria”, acusa. “Eles sabem que a sua base social de apoio é cada vez mais reduzida e que o nosso projeto agrega enfermeiros diferentes, de áreas como a docência, a investigação, a gestão — e de todas as gerações e zonas do país. É um movimento agregador e que tem hipóteses de ganhar”, sublinha o candidato a bastonário.
Contudo, ao Observador, uma fonte da Ordem dos Enfermeiros garante que a entrada dos membros da Lista Enfermeiros Unidos nas instalações da OE, na Avenida Almirante Gago Coutinho (em Lisboa) foi registada pelas câmaras de videovigilância da instituição e “não foi feita no horário de funcionamento dos serviços”.
Tribunal Administrativo de Lisboa vai decidir diferendo
Ainda assim, realça Mário André Macedo, mesmo que a entrada da candidatura se tenha registado depois do horário de funcionamento da Ordem, o Código do Procedimento Administrativo prevê uma exceção aos prazos-limite nos casos em que o último dia do prazo indicado coincida um dia em que o serviço em causa não se encontre em funcionamento, o que se aplica a esta situação, uma vez que a data-limite estipulada pela Comissão Eleitoral (dia 1 de outubro) foi um domingo. “O termo do prazo que coincida com dia em que o serviço perante o qual deva ser praticado o ato não esteja aberto ao público transfere-se para o primeiro dia útil seguinte”, pode ler-se no artigo 87º do Código do Procedimento Administrativo. Ou seja, sublinha o enfermeiro, “a candidatura poderia ainda ser entregue legalmente na segunda-feira seguinte”, dia 2.
Mário André Macedo candidato a bastonário da Ordem dos Enfermeiros
Mário André Macedo acusa a Ordem de estar a “agir de má fé” e adianta que a lista que encabeça já recorreu ao Tribunal Administrativo de Lisboa, onde corre neste momento um processo de contencioso eleitoral, para tentar reverter a decisão do Conselho Eleitoral da Ordem. Espera-se que a decisão judicial seja conhecida antes das eleições, marcadas para 15 de novembro.
Questionada pelo Observador, a Ordem dos Enfermeiros demarca-se da decisão da sua Comissão Eleitoral e remete para para o comunicado emitido por aquele órgão no dia 20 de outubro, em que são elencadas as duas candidaturas aceites (a Lista Orgulhosamente com os Enfermeiros, encabeçada pelo atual vice-presidente da Ordem, Luís Barreira, e a lista Por uma Enfermagem Positiva, que só concorre à região autónoma da Madeira) e em que se explica a razão para a exclusão da lista Enfermeiros Unidos.
Comissão Eleitoral “não é independente”, diz o candidato a bastonário Mário André Macedo
A Comissão Eleitoral, apresentada pela Ordem dos Enfermeiros como um órgão independente, é composta por cinco membros, sendo que, de acordo com o Regulamento eleitoral da OE, cada uma das cinco secções regionais nomeiam um dos membros. Ora, a atual direção da OE ganhou em quatro das cinco secções nas eleições de 2019 (apenas perdeu na Madeira). “Este órgão não é independente, é nomeado exclusivamente pela atual Ordem“, acusa Mário André Macedo.
O Observador tentou entrar em contacto com o candidato a bastonário Luís Barreira, atual vice-presidente da Ordem, mas não obteve resposta. No entanto, no início da corrente semana a lista Orgulhosamente com os Enfermeiros emitiu um comunicado, a propósito da polémica que envolve o processo eleitoral, em que saúda a “decisão sensata e ponderada da Comissão Eleitoral, que não podia ser outra, sob pena de se comprometer seriamente a legalidade das eleições”. A lista A aproveita ainda para criticar a lista concorrente (a única que também apresentava candidaturas ao cargo de bastonário, aos órgãos nacionais e regionais da OE), sublinhando que “a entrega de documentação deve ser planeada com rigor e dedicação, de modo a ser entregue dentro do prazo”.
“Se a decisão da Ordem não for alterada pelos tribunais, a lista de continuidade irá a votos como lista única, ficando com a vitória garantida”, realça Mário André Macedo, recordando que, “em 2019, também foram excluídas as listas concorrentes”. “É tudo muito suspeito”, diz.