Um dia depois de José Luís Carneiro, primeiro candidato à liderança do PS, ter formalizado a sua candidatura — e um dia antes de Pedro Nuno Santos fazer o mesmo — os contornos da disputa no partido começam a tornar-se mais claros. Se Carneiro já era visto no PS como uma espécie de contraponto a Pedro Nuno, e um nome que avança em representação da ala centrista do partido, este domingo o candidato começou a esforçar-se, pela primeira vez, por marcar diferenças claras em relação ao adversário.

Numa entrevista rápida concedida à TVI, o ministro da Administração Interna foi questionado sobre as diferenças de posicionamento que se registariam entre um PS liderado por si ou por Pedro Nuno Santos. E Carneiro começou discreto, lembrando as “responsabilidades históricas” do PS, que procura “compatibilizar o valor da liberdade e igualdade”, e assim consegue chegar a ser um partido “autónomo”.

Ora esta “autonomia” significa que o PS tanto é capaz de dialogar com o “centro-direita” — como já fez em “momentos históricos”, lembrou — como com os partidos à sua esquerda, agindo como um partido charneira. Uma posição que contrasta com a de Pedro Nuno Santos, defensor acérrimo e pivô da geringonça, que acredita, aliás, que a polarização à esquerda poderá ser uma estratégia eleitoral eficaz, e que ainda há semanas se congratulava com o facto de sondagens recentes preverem que os partidos de esquerda poderiam alcançar juntos a maioria dos deputados.

Já Carneiro, passado alguns minutos de entrevista, lançaria a primeira farpa concreta não só aos planos de Pedro Nuno, mas também aos antigos parceiros da geringonça — indo mais longe do que António Costa, que costumava fazer uma separação entre os planos dos programas nacionais e internacionais dos partidos, mesmo que criticasse as posições de Bloco de Esquerda e PCP.

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Ora Carneiro, frisando a importância que tem a “afirmação do prestígio de Portugal” ao nível da UE e da NATO, atirou que é importante (Pedro Nuno?) “responder aos portugueses” sobre uma questão concreta: “Como é que num quadro tão exigente com duas guerras, uma na Europa outra no Médio Oriente, se pode partir para uma candidatura com o pressuposto de uma aliança à esquerda, na medida em que é conhecida a posição dos partidos à esquerda do PS em relação à aliança atlântica?”.

É uma questão que incomoda parte do PS, e que se tornou mais evidente desde o início da guerra da Ucrânia, quando o PCP assumiu uma posição isolada sobre o conflito. Na altura, não faltavam socialistas que em surdina suspirassem de alívio por já não estarem vinculados a um acordo escrito com o partido e por poderem criticar livremente os comunistas. Ainda assim, na ala pedronunista também se defende uma posição semelhante à que António Costa sempre frisou: uma coisa são os acordos que os partidos assinam a nível nacional, outra é a sua “identidade” e as posições que resolvem assumir noutros planos.

A outra grande questão sobre a qual os candidatos terão de se definir é para quem ficará a reclamação do legado de António Costa — e Carneiro pareceu querer adiantar-se nessa corrida. Primeiro, elogiando o Orçamento do Estado e lembrando que os deputados do PS a aprovaram de forma unânime. Nos aspetos mais polémicos da ação governativa e orçamental, Carneiro fez questão de insistir num ponto: diálogo como solução para tudo, incluindo na Saúde e na Educação.

Saindo em defesa de alguns dos principais pontos da ação do atual Governo, do qual faz parte — da reforma da estrutura do SNS às contas certas, frisando a importância da “responsabilidade orçamental e financeira” — Carneiro aproveitou para lançar mais um aviso às hostes de Pedro Nuno: será de supor que Pedro Nuno Santos também represente “parte dessa herança”, uma vez que fez parte deste Governo e já aprovou o Orçamento enquanto deputado.

“Pressuponho que não tenha questões de rutura com as opções que estão nessa proposta de Orçamento”, lançou Carneiro, depois de uma sequência de semanas consecutivas de comentário de Pedro Nuno na SIC em que o candidato se dedicou a mostrar a sua discordância de várias opções do Executivo, como o ritmo de redução da dívida pública ou o facto de não haver uma cedência à exigência dos professores para a contagem integral do seu tempo de serviço.

Insistindo depois na “autonomia” que o PS não pode perder para manter os tais diálogos transversais — no caso da direita, sobre a reforma do sistema político e fiscal e os apoios às empresas, exemplificou — o candidato à liderança socialista deu ainda mais um passo em frente. Questionado pelos jornalistas sobre a possibilidade de viabilizar um Governo do PSD para que este não dependa do Chega, Carneiro disparou: “Não será por mim que o Chega chega ao poder no nosso País”.

Depois da primeira entrevista, as diferenças entre os dois caminhos alternativos para o PS começam a desenhar-se. Falta ouvir Pedro Nuno Santos, que apresenta a sua candidatura esta segunda-feira e começará então a explicar qual é o caminho que defende para o PS — e para o país.