O ex-provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa Edmundo Martinho defendeu esta terça-feira que os investimentos para a internacionalização dos jogos sociais estavam aprovados em orçamento, não necessitando de autorização da tutela, e reiterou que a ministra estava informada.

Em declarações à agência Lusa, Edmundo Martinho, que foi provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) entre 2017 e 2023, voltou a garantir que a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social “o conhecimento tinha seguramente” sobre os investimentos no âmbito da Santa Casa Global, criada para a internacionalização dos jogos sociais.

“Quer por documentos que foram sendo enviados, com alguma regularidade, quer através dos relatórios de atividades da Santa Casa [da Misericórdia de Lisboa] e dos Planos [de Atividade] e Orçamento”, apontou.

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Segundo Edmundo Martinho, o entendimento da então administração da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa era de que “os investimentos da Santa Casa Global não precisariam [de aprovação da tutela] atendendo a que estavam inscritos naquilo que era o planeamento adequado da Santa Casa e da Santa Casa Global”.

“Estavam inscritos no orçamento e no plano [de atividade e orçamento] e essas verbas eram autorizadas, esse orçamento era autorizado e aprovado, pela senhora ministra”, garantiu o ex-provedor, lembrando que, segundo os próprios estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, a constituição ou participação deste organismo em outras entidades obrigava a autorização da tutela.

“Foi isso que se obteve, uma autorização, em cima de um documento que previa uma atividade ao longo dos anos e que previa também a necessidade de financiamento na fase inicial de investimento”, explicou.

Edmundo Martinho acrescentou que a partir desse momento “aquilo que foi feito foi a construção da sociedade e foram inscritas nos orçamentos da Santa Casa as verbas necessárias para poder cumprir esse objetivo”.

“Essas verbas foram sendo inscritas no orçamento, orçamentos esses que foram sendo aprovados sucessivamente pela tutela”, apontou.

No plano de atividade e orçamento para 2020, aprovado pela ministra Ana Mendes Godinho e disponível na página da internet da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, pode ler-se que “a estratégia decorrente do projeto de internacionalização —parcerias para o desenvolvimento, com investimentos financeiros previstos no valor de 50 milhões em 2020, irá permitir a obtenção de ganhos significativos no médio e longo prazo”.

Por outro lado, o despacho assinado pela ministra, datado de 9 de junho de 2020, que autorizou a criação da Santa Casa Global, refere que “a criação de uma ou mais sociedades para efeitos de internacionalização do jogo da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa está dependente de autorização da senhora ministra”, mas não diz explicitamente que a tutela tem de autorizar investimentos posteriores.

“Nós inscrevíamos na rubrica das participações financeiras e inscrevíamos um determinado montante e esse montante era depois descriminado e detalhado em função do objetivo de utilização desses valores. O nosso entendimento é que o que era preciso era, obviamente, ir dando conhecimento à tutela, mas essas autorizações estavam dadas a partir do momento em que o orçamento era aprovado”, defendeu Edmundo Martinho.

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O ex-provedor considera legítimo que a nova administração da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa mude de ideias em relação à internacionalização e reavalie esse investimento, mas considera que interromper todos os processos em curso será prejudicial para a instituição tanto do ponto de vista patrimonial como reputacional, uma vez que era um negócio que estava no início.

Por outro lado, disse ter “alguma dificuldade” em compreender a auditoria à Santa Casa Global, desde logo porque foi anunciada pela comunicação social, invocando irregularidades “antes sequer de estar assinado o contrato com a empresa que ia fazer a auditoria”.

“Não sei de que irregularidades é que estamos a falar”, afirmou, acrescentando que vai aguardar pelo relatório da auditoria, mas defendendo que “se havia dúvidas, se havia reservas em relação a alguma coisa, deviam ter sido levantadas antes”.

Afirmou também desconhecer as razões que levaram a atual provedora, Ana Jorge, a enviar os resultados preliminares para o Ministério Público e lamentou não ter sido contactado ou “as pessoas da própria Santa Casa Global, no sentido de clarificar questões que pudessem ter sido detetadas”.

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“Tudo é muito legítimo. Agora, a forma como este processo foi tratado, creio que é uma forma muito pouco adequada, diria, em termos institucionais e no respeito por aquilo que é o trabalho que estas pessoas foram fazendo”, criticou, defendendo que os gestores da Santa Casa Global “fizeram um trabalho excecional” e lamentando que tenham sido destituídos antes de concluída a auditoria.

Disse estar “particularmente tranquilo” em relação aos resultados da auditoria, reiterando que a santa Casa Global “seria uma forma de assegurar sustentabilidade financeira sólida para a Santa Casa”.

“Não tenho qualquer problema em assumir essa responsabilidade. Tudo isto foi feito de acordo com as regras, de acordo com os procedimentos”, disse, acrescentando que gostava de saber qual será a alternativa em termos financeiros para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, tendo em conta que as receitas dos jogos sociais têm vindo progressivamente a decair.

Mantém-se defensor do projeto de internacionalização, porque era “preciso investir”, e lembra que o Banco de Brasília, que seria parceiro para a exploração do jogo naquele estado brasileiro, estimava que a Santa Casa Global, no prazo de três a quatro anos, recebesse “quase cem milhões de euros de dividendos por ano”.

Edmundo Martinho garantiu ainda que foram feitos todos os estudos de mercado, avaliações jurídicas e avaliações judiciais e que esses documentos estão na Santa Casa Global, apesar de admitir que não comunicou esse resultado à tutela.