O final do encontro que mais não foi do que um mero início contou toda a história que se foi desenvolvendo em Melbourne ao longo de uma semana por Nuno Borges. Após uma pancada de direita que saiu mais longa do que pretendia e fechou o quarto parcial de forma inglória em 6-1, Nuno Borges tirou o chapéu com aquela cara de quem queria ter conquistado mais, cumprimentou um Daniil Medvedev que deixou curtas palavras elogiosas nesse encontro na rede, colocou os dois sacos aos ombros com uma toalha pelas costas, deu outra toalha a um espectador e abandonou a Rod Laver Arena sob uma ovação de pé a que nem o russo passou ao lado. Amanhã. daqui a uma semana ou no próximo ano, poucos se recordarão deste momento numa carreira que ganhou outra projeção a partir do Open da Austrália. Sem triunfos morais, Nuno Borges ganhou.

Ao chegar à quarta ronda (além da forma como bateu Grigor Dimitrov, 13.º do mundo e um dos jogadores em melhor forma no arranque de 2024), e com as mudanças da atribuição de pontos feitas pelo circuito, o maiato de 26 anos tornou-se o português a somar mais pontos num só Grand Slam (200, contra os 180 de João Sousa quando chegou a esse patamar no US Open de 2018 e em Wimbledon em 2019), ficando apenas atrás do vimaranense quando conquistou os quatro torneios 250 que tem na carreira (Kuala Lumpur, Valência, Estoril Open e Pune). A par disso, Nuno Borges conseguiu também o seu máximo de pontos para o ranking, superando os 175 pela conquista do challenger de Phoenix no ano passado. Tudo isso fará com que entre no top 50 do circuito pela primeira vez na carreira, em mais um feito conseguido em Melbourne.

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Tenista português Nuno Borges conquista “challenger” de Phoenix

Ainda assim, e apesar de ter perdido em quatro sets contra aquele que é o terceiro melhor do mundo (e que vai agora defrontar Hubert Hukarcz nos quartos, depois da vitória do polaco diante da outra revelação deste Open da Austrália, o francês Arthur Cazaux), Nuno Borges jogou muito, jogou para mais e jogou sem nunca quebrar em termos anímicos quando o contexto era desfavorável. Foi dessa forma que, por exemplo, veio de um 2-5 para 4-5 no terceiro parcial. Foi dessa forma que salvou dois match points no terceiro set com 15-40 na nona partida para virar as contas e fechar com 7-5 depois de perder a abrir por 6-3 e 7-6 (4). Diante de um adversário cada vez mais conhecido pela capacidade de responder ao serviço contrário (e que no final explicou a Jim Courier o que fez para melhorar), só mesmo no quarto set quebrou sem resposta.

Tudo isso acabou por motivar muitos elogios de tudo e todos após a partida dos oitavos, a começar pelo próprio vencedor, Daniil Medvedev. “Ele foi muito agressivo. A dada altura, cada bola que eu deixava mais curta ele atacava. Teve muito mérito. Fez amortis inacreditáveis, fiquei muito impressionado. Fazer amortis contra mim pode ser muito eficaz, se forem bem executados, e os dele foram excelentes”, destacou o russo no final da partida, utilizando a parte final do terceiro set como exemplo para explicar como bastava uma bola sair mais curta para o português atacar e ir à procura dos pontos. “Talvez tenha acusado algum desgaste físico nessa fase, o que me levou a ter mais erros, mas no quarto set consegui recuperar. Mas volto a acabar mais um jogo morto…”, admitiu ainda o número 3 do mundo e vencedor do US Open de 2021.

“Os amortis não me assustam mas os dele foram inacreditáveis. Curtos, não saltavam e muitas vezes fazia quase a partir de half volley, o que os torna ainda mais difíceis de ler. Ele bate na bola com muita força e tem pancadas muito pesadas. Na televisão não parecia tanto. No jogo com o Grigor [Dimitrov] eu vi uma estatística que dizia que a direita dele era muito mais pesada do que a do Grigor e isso surpreendeu-me. Hoje senti isso na pele, as suas pancadas são muito pesadas. Sempre que ele batia na bola empurrava-me para trás e depois utilizava bem o amorti para me desequilibrar”, acrescentou depois na conferência de imprensa, citado pelo Bola Amarela, num encontro em que Medvedev fez quase o triplo de ases mas também de duplas faltas e somou menos 32 erros não forçados do que Borges, que por sua vez fez mais 20 winners.

“O efeito que o jogo do Medvedev tem nos rivais é fazer-te falhar demais. Não é que ele te empurre muito para trás, bata muito forte na bola ou dispare muitos winners mas leva-te para trocas de bola longas, suga-te lentamente e faz-te sentir desesperado e exagerar. Obriga a bater mais uma bola, outra e mais outra até que falhes. Ele é ótimo a fazer-te sentir dessa maneira. Tática diferente? Não uso tanto o amorti em piso rápido por causa das condições mas o Daniil joga muito atrás e achei que poderia fazer parte da minha estratégia puxá-lo para a frente. Já vi outros jogadores fazerem isso contra ele. Fiz muito isso e subi mais à rede do que é habitual pela mesma razão. Foram as duas questões que alterei”, explicou Nuno Borges, numa conferência de imprensa após a partida onde abordou o impacto da prestação no Open da Austrália.

“Estou muito contente. Ainda não me apercebi bem daquilo que acabei de fazer aqui e do que significa mas para mim foi uma experiência incrível. Agora é o meu Grand Slam favorito, gosto de jogar aqui. Vim de duas semanas não muito fáceis e saio daqui com uns oitavos. Estou orgulhoso do meu trabalho e tenho de ganhar confiança com aquilo que acabei de fazer. O que fez a diferença? Às vezes é acreditar um bocadinho mais no trabalho. Estou na minha melhor fase da carreira. Há semanas em que vou baixar um pouco, outras em que vou subir, mas tenho de me dar a oportunidade. Quando trabalho bem e estou bem de cabeça, posso fazer coisas incríveis. Melhorias? Em termos físicos tenho muito a melhorar. Só estes encontros já ajudam e puxam o meu nível para cima. Quero continuar a jogar os maiores torneios e evoluir a competir”, salientou.

Por fim, e numa pergunta quase inevitável perante o paralelismo com o melhor tenista português de todos os tempos, João Sousa, Nuno Borges fez questão de “preservar” essa posição do vimaranense. “Não me quero comparar com o João, ele é o melhor de todos os tempos. Fez dois oitavos de Grand Slam em singulares, mesmo nos pares fez coisas que mais ninguém fez [meias do Open da Austrália em 2019 com Leonardo Mayer, três vezes nos quartos do US Open com Leonardo Mayer e Marcelo Demoliner]. Eu só quero pensar no meu caminho, que é único. Não penso em fazer melhor do que ele. Tanto um como outro damos o melhor por Portugal. Tenho aprendido muito com ele e espero continuar a aprender enquanto ele ainda jogar e mesmo depois. Vejo o João Sousa como um grande exemplo”, ressalvou Nuno Borges.

De recordar que, antes da primeira partida que jogou na Rod Laver Arena, o court principal daquele que é conhecido entre os jogadores como o Happy Slam, Nuno Borges tinha começado por ganhar na ronda inicial ao alemão Maximilian Marterer (7-5, 7-6 e 6-2) antes de vencer o espanhol Alejandro Davidovich Fokina, 23.º do ranking mundial, na segunda partida também a três sets (7-6, 6-3 e 6-3). O apuramento para os oitavos foi alcançado com o triunfo diante de Grigor Dimitrov, número 13 do mundo que ganhara o Open de Brisbane e que levava por vitórias todas as partidas feitas em 2024, com os parciais de 6-7, 6-4, 6-2 e 7-6. Também aqui Nuno Borges entrou na história, batendo o segundo melhor jogador do ranking só atrás da vitória que João Sousa conseguiu alcançar no US Open de 2018 contra Pablo Carreño Busta (12.º).

Antes fazia “birras”, agora fez história no Open da Austrália: para Nuno Borges, podia não ser uma questão de tempo, mas o tempo ajudou-o