A PSP considera existir “um risco elevado para a ordem e segurança públicas” na manifestação “Contra a Islamização da Europa” na zona da Mouraria, em Lisboa, devido às “vulnerabilidades graves associadas às características sociais e físicas do espaço”.
“Concluiu-se que existe um risco elevado para a ordem e segurança públicas, uma vez que se identificam vulnerabilidades graves associadas às características sociais e físicas do espaço indicado pelo promotor para a concentração e desfile”, refere o parecer da Polícia de Segurança Pública enviado à Câmara Municipal de Lisboa.
No parecer, a que a agência Lusa teve acesso, a PSP indica que após ter recebido da autarquia de Lisboa um “aviso/informação” sobre o percurso e a manifestação “Contra a Islamização da Europa”, organizada por grupos ligados à extrema-direita, marcada para 3 de fevereiro, realizou “uma análise de risco para a ordem e segurança públicas”.
Câmara Municipal de Lisboa trava manifestação extremista anti-islamismo marcada para 3 de fevereiro
A PSP, “atenta à dinâmica do espaço, bem como às suas características físicas”, considera que a realização da manifestação seguida de desfile, “nos moldes em que é comunicada” representa “um elevado risco de gerar uma perturbação grave e efetiva da ordem e da tranquilidade públicas, e do livre exercício dos direitos das pessoas que habitam, trabalham e frequentam aquele espaço da cidade”.
No documento, assinado pelo comandante do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, Luis Fiães Fernandes, a Câmara de Lisboa informa que a manifestação teria início às 18h00, no chafariz do Intendente, passando pela Rua do Benformoso, Rua Fernandes da Fonseca, Rua da Palma e terminando no chafariz do Intendente.
A Polícia entende também que podem existir “limitações ao livre exercício da liberdade de manifestação pelos participantes na iniciativa” devido à “existência de variáveis e fatores de risco não controláveis, em termos de gestão dos riscos identificados”.
No documento enviado à Câmara Municipal de Lisboa e tendo por base o decreto-lei de 1974 que regulamenta o direto de reunião e o parecer de 2021 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre atuação de presidentes de câmara ao receberem avisos prévios de manifestação, a PSP considera que “não deverá ser autorizada a realização da manifestação seguida de desfile nos moldes (data/hora/local) comunicados pelo promotor”.
“Caso não seja esse o entendimento (…), e a manter-se a manifestação naquele espaço, é entendimento da PSP que a iniciativa acarreta elevados e efetivos riscos para a segurança, a ordem e a tranquilidade públicas, com elevada probabilidade de alteração da ordem pública e que, face à sua criticidade, não existirão condições para assegurar a realização do desfile nos moldes comunicados”, lê-se ainda no parecer da PSP, datado de 26 de janeiro.
Nesse mesmo dia a Câmara de Lisboa anunciou que não vai autorizar a realização da manifestação tendo por base o parecer da PSP.
Promotores pedem proteção da sua liberdade de expressão
Os promotores do protesto “Contra a islamização da Europa” pedem à justiça a proteção do seu direito de manifestação, depois de a autarquia de Lisboa ter proibido a iniciativa, segundo a ação a que a Lusa teve acesso.
O militante de extrema-direita Mário Machado apresentou uma “intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias” junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, exigindo a revogação da proibição da Câmara de Lisboa.
Na ação, são citadas notícias dos media com opiniões de constitucionalistas, referindo que a lei garante a liberdade de reunião e a proibição da manifestação “seria uma violação de outra liberdade, a de expressão”.
Mário Machado acusa a Câmara Municipal de Lisboa de permitir contramanifestações, referindo-se a ativistas antirracismo que anunciaram uma contramanifestação, entretanto transformada num arraial multicultural para o Largo do Intendente.
No requerimento, o autor da ação recorda a lei em vigor, de 1974, referindo que “compete às autoridades o dever de tomar as necessárias providências para que as manifestações decorram sem a interferência de contramanifestações que possam perturbar o livre exercício dos participantes”.
No seu pedido inicial, de 12 de dezembro de 2023, os promotores da manifestação anti-islâmica alegavam que o protesto seria pacífico: “usaremos sempre o passeio (em percurso pedonal), pelo que não existe a necessidade de impedir a circulação de viaturas (…), nem pretendemos causar qualquer constrangimento“.
Na resposta final, a autarquia remete para o parecer da PSP a responsabilidade da decisão, na carta enviada pela câmara aos promotores, citada no recurso de Mário Machado.
Perante esta resposta, Mário Machado pede que a decisão seja revogada por atentar contra a sua liberdade de expressão.
Em declarações à Lusa, o advogado José Manuel Castro, que já representou Mário Machado e “supervisionou” este recurso, criticou a proibição.
“Consideramos que a decisão da Câmara viola gravemente não só a tradição de liberdade de manifestação, como todos os postulados legais sobre a matéria“, afirmou, recordando que, “segundo a lei, uma manifestação nem precisa ser autorizada, basta ser comunicada”.
Perante a proibição, o grupo 1143, a organização de extrema-direita que tem Mário Machado como porta-voz, anunciou, numa declaração nas plataformas da organização, uma “ação de protesto” com as mesmas motivações para 3 de fevereiro, às 18h00, em Lisboa, mas sem anúncio do local.
A lei que regula o direto de reunião e manifestação data de agosto de 1974 e, desde então, sofreu uma única alteração para retirar a referência ao governador civil e passar a ter o presidente de câmara como a entidade a quem as entidades promotoras das manifestações têm de avisar por escrito e com a antecedência mínima de dois dias úteis a realização do evento.
De acordo com o este decreto-Lei, as autoridades podem, “por razões de segurança, impedir que se realizem reuniões, comícios, manifestações ou desfiles em lugares públicos situados a menos de 100 metros das sedes dos órgãos de soberania, das instalações e acampamentos militares ou de forças militarizadas, dos estabelecimentos prisionais, das sedes de representações diplomáticas ou consulares e das sedes de partidos políticos”
Num parecer pedido pelo Governo ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre atuação de presidentes de câmara ao receberem avisos prévios de manifestação, em 2021, este órgão refere que compete ao presidente da Câmara Municipal “em casos extremos proibir determinada reunião, manifestação, comício, desfile ou cortejo, dentro dos pressupostos e requisitos muito estritos”.
Ainda em 2021 e após as polémicas sobre um pedido de manifestação de adeptos do Sporting para comemorar o título de campeão português de futebol, numa altura em que existia restrições devido à covid-19, o ministro da Administração Interna da altura, Eduardo Cabrita, anunciou que o Governo ia rever a lei sobre o exercício do direito de reunião e manifestação, mas tal não se concretizou.