Um estudo de cientistas da Fundação Champalimaud mostra o papel importante da dopamina no movimento, o que permite uma maior compreensão da Doença de Parkinson (DP) e poderá ajudar no tratamento dos seus sintomas.

Atuando como um mensageiro químico no cérebro, a dopamina é conhecida sobretudo pelo seu contributo para as sensações de prazer, motivação e recompensa, mas a perda de “neurónios dopaminérgicos” – como acontece a quem sofre da DP – “resulta numa diminuição da força e da velocidade dos movimentos”, afetando também “diretamente a duração das sequências de movimentos”, indica um comunicado divulgado esta segunda-feira pela referida fundação.

“A dopamina está intimamente associada à recompensa e ao prazer, sendo muitas vezes referida como o neurotransmissor do bem-estar”, salienta o neurologista Marcelo Mendonça, primeiro autor do estudo.

No entanto, “para os indivíduos com DP, que têm uma deficiência de dopamina, são normalmente as perturbações do movimento que mais afetam a sua qualidade de vida”, adianta, citado no comunicado.

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Segundo Mendonça, na Doença de Parkinson “os sintomas manifestam-se de forma assimétrica, começando frequentemente num lado do corpo antes de se declarar no outro”.

O estudo visou “explorar a teoria de que as células dopaminérgicas não se limitam a motivar para o movimento, mas que também reforçam, especificamente, os movimentos do lado oposto do corpo”.

Os investigadores utilizaram ratinhos que tinham que usar uma pata de cada vez para premir uma alavanca de forma a obter uma gota de água açucarada, a recompensa.

Para se perceber o que acontecia no cérebro quando realizavam a tarefa, as cobaias estavam equipadas com um “minúsculo microscópio portátil” apontado para “uma região rica em dopamina, nas profundezas do cérebro, que é significativamente afetada na DP”.

Isto permitiu ver a atividade das células cerebrais em tempo real, observação que era facilitada pelo facto de os ratinhos terem sido geneticamente modificados para que os seus neurónios dopaminérgicos se iluminassem quando ativos.

“Havia dois tipos de neurónios dopaminérgicos misturados na mesma zona do cérebro (…). Alguns neurónios ficavam ativos quando o ratinho estava prestes a mover-se, enquanto outros se iluminavam quando o ratinho recebia a recompensa. Mas o que realmente nos chamou a atenção foi a forma como estes neurónios reagiam consoante a pata que o animal usava”, explica Mendonça.

Verificou-se que os neurónios ativados pelo movimento se iluminavam mais quando os ratinhos usavam a pata oposta ao lado do cérebro que estava a ser observado, bem como que a atividade destas células nervosas “não só assinalava o início de um movimento, como também parecia codificar, ou representar, a duração das sequências de movimento (o número de pressões na alavanca)”, segundo o comunicado.

Ou seja, aqueles “neurónios não ‘ligavam’ apenas ao facto de o ratinho se mover ou não, mas também à quantidade de movimento e ao lado do corpo que se movia”, acrescenta.

Os cientistas também estudaram a forma como a perda de dopamina afeta o movimento, utilizando uma neurotoxina que reduz seletivamente as células produtoras de dopamina num dos lados do cérebro.

O método, que simula doenças como a DP, em que os níveis de dopamina diminuem e o movimento se torna difícil, permitiu descobrir “que a redução de dopamina num dos lados levava a menos pressões de alavanca com a pata do lado oposto, enquanto a pata do mesmo lado não era afetada (…) resultado (que) corrobora a influência lateralizada da dopamina sobre o movimento“.

“Os nossos resultados sugerem que os neurónios dopaminérgicos relacionados com o movimento não só motivam o movimento em geral, mas podem também modular o comprimento de uma sequência de movimentos no membro contralateral, por exemplo. Em contrapartida, a atividade dos neurónios dopaminérgicos relacionados com a recompensa é mais universal e não favorece um lado do corpo em detrimento do outro. Isto revela um papel mais complexo do que se pensava dos neurónios dopaminérgicos no movimento”, diz Rui Costa, o autor sénior do estudo, citado no comunicado.

Este neurocientista, que fez parte da equipa de investigadores iniciais da Fundação Champalimaud, pensa que “os diferentes sintomas observados nos doentes com DP poderão talvez estar relacionados com quais os neurónios dopaminérgicos que foram perdidos — por exemplo, os mais ligados ao movimento ou à recompensa”, o que “poderia, potencialmente, permitir reforçar as estratégias de gestão da doença mais adaptadas ao tipo de neurónios dopaminérgicos perdidos, em especial porque (os cientistas sabem) agora que existem diferentes tipos de neurónios dopaminérgicos geneticamente definidos no cérebro.”