Podia ser apenas uma questão de resultado, foi mais do que isso. Depois do triunfo do FC Porto pela margem mínima frente ao Arsenal com um golo de Galeno nos descontos, Mikel Arteta não escondeu a frustração e Sérgio Conceição não deixou o homólogo sem resposta. “São uma equipa que está muito bem organizada defensivamente e que quebra o ritmo o tempo todo, foram 35 ou 37 faltas durante o jogo. Permitir que isso aconteça também não me parece muito bem, tudo era falta”, apontou o espanhol. “É uma visão… Eles quiseram jogar, nós quisemos ganhar”, atirou o português. “Acho que não foi bonito aquilo que ele disse da nossa equipa. Respondi com a mesma moeda, como se costuma dizer, mas são só declarações. As declarações não jogam, quem joga são os jogadores”, explicara agora, na antecâmara da segunda mão dos oitavos da Liga dos Campeões. Além de uma qualificação para os quartos, havia mais em jogo no Emirates.

FC Porto perde com Arsenal no desempate por grandes penalidades e está fora da Liga dos Campeões

O FC Porto não partia propriamente com o melhor histórico nos jogos fora com equipas inglesas, longe disso. Aliás, a única vitória contra o Chelsea em 2020/21, com um fantástico golo de Taremi contra o conjunto que se iria sagrar campeão europeu, teve lugar em Espanha (Sevilha) e não em terras britânicas. Além dessa exceção, a regra apontava para três empates e 19 derrotas em todas as provas desde 1969/70, com 11 golos marcados e 56 consentidos. Nas atuais condições, uma igualdade até poderia surgir como um bom resultado por carimbar a passagem aos quartos da Liga dos Campeões. No entanto, o objetivo dos dragões passava por visar essa vitória que quebrasse a malapata com essa “obrigação” de marcar golos em Londres.

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“Sabemos que é uma tarefa muitíssimo difícil. Não podemos esquecer, e quando falo nas provas internas também, da diferença dos clubes, principalmente dos três grandes, é enorme, mas principalmente desta competição. O Arsenal é a segunda equipa com maior valor de mercado aqui, nós somos a segunda que tem menos. Mas temos que olhar para a nossa equipa, observando e vendo o que o adversário pode fazer nessa muitíssima qualidade que existe. É uma equipa bem treinada, que sabe e percebe todos os momentos do jogo e não só. Há também uma agressividade muito interessante, é uma equipa completa, bem treinada, com excelentes individualidades. Qualquer um dos jogadores é fortíssimo. Olhamos para isso com respeito, não com qualquer tipo de receio ou medo. Viemos aqui disputar o jogo e ganhar o jogo”, frisara Sérgio Conceição antes do encontro com o atual líder da Premier League, que depois da derrota no Dragão sem marcar somou três triunfos consecutivos no Campeonato com 12 golos marcados e apenas dois sofridos.

“Cada jogo tem a sua história. O Arsenal poderá fazer algo diferente em algumas situações. Há correções a fazer em todos os jogos, um intervalo para se ajustar algumas coisas, e mesmo no próprio jogo os jogadores têm de estar prontos para isso. Jogar Gabriel Jesus ou Havertz na frente é diferente, Trossard ou Gabriel Martinelli também. Jogar o Jorginho no meio-campo ou o Rice mais recuado é diferente, com Havertz ou Odegaard à frente. É perceber o que eles não fizeram e não conseguiram explorar no Dragão. Temos de estar preparados para dar essa resposta positiva a nível defensivo olhando para a baliza adversária. Viemos aqui para fazer golos e ganhar o jogo”, acrescentou a esse propósito, entre as opções que Mikel Arteta poderia ou não utilizar depois da baixa confirmada de Martinelli, que se juntou a Tomiyasu nos ausentes.

Era neste contexto de vantagem no resultado mas desvantagem não só no poderio de forças mas também na quase vontade de “vingança” (não é habitual ver Mikel Arteta pedir tantas vezes o apoio e a força do público como fez agora) que o FC Porto enfrentava um desafio importante até para o que falta jogar ainda no resto da temporada, com uma desvantagem no Campeonato que poderá ser reduzida para um adversário mas muito dificilmente será possível recuperar a duas equipas. Mais: era neste contexto que os dragões tinham mais um teste de fogo ao melhor que a equipa consegue fazer depois de exibições irrepreensíveis não só com o Arsenal mas também com o Benfica e com o próprio Portimonense, na última partida realizada.

Mais uma vez, a resposta mostrou o que é o ADN europeu do FC Porto. Olhando para aquilo que se passou, e tirando um par de minutos no final da segunda parte do tempo regulamentar que coincidiram com a entrada de Gabriel Jesus em campo, os dragões não conseguiram esticar tanto o encontro no plano ofensivo quanto queriam mas também nunca permitiram grandes oportunidades ao Arsenal apesar do golo sofrido ainda no primeiro tempo por Trossard. Ao longo dos 120 minutos, depois das grandes exibições até à quebra física de Alan Varela e Nico González, Otávio e Wendell estiveram mais uma vez imperiais mas o maior destaque voltou a ser Pepe, o capitão de 41 anos que no final do prolongamento saía para a frente a dar o exemplo a toda a equipa. Mais uma vez, o central fez um jogo que merecia uma estátua de 11 metros, a distância a que ficaram os azuis e brancos da passagem depois da derrota no desempate por grandes penalidades.

A partida começou com uma primeira ameaça ainda que de perigo relativo de Ben White, num desvio de cabeça ao segundo poste por cima da baliza de Diogo Costa após cruzamento da esquerda (4′), mas com o FC Porto a conseguir dominar bem a previsível entrada forte do Arsenal, aproveitando as bolas paradas que foi ganhando no meio-campo adversário para tentar desequilibrar nesse parâmetro. Só mesmo em raros erros individuais havia essa sensação de potencial perigo dos londrinos, como num lance em que Otávio permitiu o roubo de bola de Ödegaard para um cruzamento cortado de forma imperial por Pepe na área (11′) e logo a seguir noutro em que Wendell facilitou perante Saka para um lance individual com remate à figura de Diogo Costa (13′). Pouco depois, Evanilson beneficiou de uma insistência do meio-campo portista para fazer o primeiro remate de pé esquerdo ao lado (16′) mas se existiam soluções para travar em defesa organizada os gunners, sobravam problemas para ligar o jogo entre setores sobretudo entre meio-campo e ataque.

Na primeira vez que conseguiu superar essas dificuldades, nasceu a primeira real oportunidade de perigo: Pepê foi procurar o espaço na direita em combinação com João Mário, conseguiu fazer o cruzamento rasteiro para a área e Evanilson rematou de primeira para uma grande defesa de David Raya (22′). Ainda houve uma insistência de Francisco Conceição pela direita que não teve remate e mais um lance em que Wendell assistiu Evanilson de cabeça mas o avançado chegou atrasado, mas aquilo que mais ficava era um FC Porto a mostrar toda a sua personalidade que era reforçada no setor recuado pelo eterno Pepe, sempre pronto a corrigir os poucos erros que os companheiros de defesa iam corrigindo como uma jogada em que foi ao segundo poste saltar acima de todos para fazer o corte para canto antes de embater no poste.

De Mikel Arteta aos adeptos nas bancadas, passando pelos próprios jogadores, havia sinais de impaciência até perante um dado que saltava à vista: ao longo de 130 minutos de eliminatória, entre a partida no Dragão e os 40 minutos do encontro no Emirates Stadium, o Arsenal tinha conseguido fazer um remate enquadrado com a baliza de Diogo Costa. Um e apenas um. Ao segundo, quando já se projetava um final de primeira parte em branco, marcou: Ödegaard recuperou a bola após um corte incompleto de Wendell, foi trabalhando bem da direita para a esquerda, teve uma assistência fantástica para as costas de João Mário e Trossard apareceu de rompante a rematar cruzado para o 1-0 perante uma cara de desespero de Pepe que foi tentando segurar tudo e todos neste caso sem sucesso (41′). Se o cenário não era fácil para o FC Porto, que nunca marcara no Emirates Stadium, a igualdade na eliminatória trazia dificuldades acrescidas na segunda parte.

O segundo tempo começou muito à luz daquilo que era o resultado. O Arsenal até poderia ter mais iniciativa, posse e jogo no meio-campo adversário mas nem por isso descurava qualquer possibilidade de ser apanhado numa transição que recolocasse os dragões na frente da eliminatória. Já o FC Porto até poderia continuar a usar e abusar do passe longo para esticar o jogo de forma mais direta quando não conseguia sair mas tinha sobretudo um grande rigor a nível tático e de organização para travar todos os pontos fortes dos londrinos. Assim, os minutos iam passando sem golos, sem oportunidades e até sem remates a não ser uma insistência de Declan Rice que foi cortada pelo próprio Pepe antes de chegar à baliza de Diogo Costa, havendo a meio da etapa complementar um golo anulado a Ödegaard por falta clara de Havertz sobre Pepe (67′) e a saída com mais perigo até aí dos azuis e brancos que começou num grande passe de Nico González pelo corredor central para Francisco Conceição conduzir uma situação de 3×3 antes do remate para defesa de Raya (70′).

Os nervos notavam-se sobretudo no banco, com Sérgio Conceição a ver também amarelo por protestar uma falta (clara) não assinalada a Evanilson perto da área. E foi também dos bancos que vieram as mexidas que conseguiram desbloquear o encaixe que existia entre as equipas, com Gabriel Jesus a entrar e a ter logo no minuto seguinte uma oportunidade flagrante na área aproveitando uma segunda bola para grande defesa de Diogo Costa para canto (83′) antes de Saka colocar também à prova o guarda-redes portista para nova intervenção para a frente (85′). Foi nesse momento que o FC Porto começou também a mexer, lançando em campo primeiro Jorge Sánchez, depois Taremi e por fim Grujic, para o lugar de um Alan Varela enorme no encontro mas que não tinha mais forças. E os minutos foram passando até chegar a prolongamento.

Num mero plano teórico, a intensidade dos encontros da Premier League contra aquilo que acontece na Primeira Liga e o facto de jogar em casa com o apoio dos seus adeptos poderia fazer com que o Arsenal fosse para cima do FC Porto até marcar o golo que desse vantagem na eliminatória. Em termos de domínio, os ingleses conseguiram mesmo instalar-se no meio-campo contrário mas nem por isso criaram uma situação para visarem a baliza de Diogo Costa, sendo que sempre que os azuis e brancos conseguiam ter uma saída até ao último terço com remate os gunners ficavam em sentido nos minutos seguintes (como aconteceu num lance em que Taremi, descaído sobre a esquerda, atirou muito por cima). Até quando o futebol rendilhado do Arsenal conseguia descobrir o espaço, havia sempre um Pepe ou um Otávio a impedir males maiores para os dragões até ao fim do prolongamento e à decisão sempre difícil das grandes penalidades.