A Anafre defendeu que a emissão pelas freguesias de atestados de residência a cidadãos estrangeiros não precisa da apresentação de qualquer título de residência, porque não é competência destas autarquias aferir a legalidade de permanência de imigrantes no país.

A posição do gabinete jurídico da Associação Nacional de Freguesias (Anafre), enviada na quarta-feira a estas autarquias, surge na sequência de algumas juntas, nomeadamente a de Arroios, em Lisboa, terem começado a recusar estes atestados a imigrantes extracomunitários sem um título de residência válido em Portugal, apesar de a lei estabelecer que para esse atestado é suficiente o testemunho de duas pessoas recenseadas na freguesia.

Num atestado de residência, “o que está em causa é a prova da residência e não a legalidade da permanência em território nacional, competência legal que as juntas de freguesia não dispõem”, é destacado no parecer da Anafre, a que a Lusa teve acesso.

O gabinete jurídico da Anafre destacou que, legalmente, a emissão de atestados pelas juntas de freguesia depende do “conhecimento direto dos factos por qualquer um dos membros do órgão executivo ou do deliberativo, duas testemunhas recenseadas na freguesia, e por qualquer outro meio de prova admissível em Direito, incluindo portanto, a prova documental ou outra”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“A verificação destes meios de prova não é cumulativa, podendo qualquer um deles servir para fundamentar a emissão do atestado”, considerou.

No entanto, sublinhou, “tal não prejudica a solicitação de outros meios de prova em caso de dúvida, mas não do título de autorização de residência”.

“Em nenhum momento as leis referidas fazem qualquer distinção entre cidadãos nacionais e estrangeiros”, defendeu a associação.

A Anafre destacou ainda que também a lei relativa às condições e procedimentos de entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros do território português “não exige a apresentação do título da autorização residência para efeitos da emissão do atestado de residência”.

“Por esse motivo, é entendimento da Anafre que a emissão de atestados de residência por parte das juntas de freguesia a cidadãos estrangeiros não carece da apresentação de qualquer título de residência por parte destes. Nessa posição somos acompanhados por parecer emitido em 12 de abril de 2004, pelo Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas, bem como de parecer subscrito pelo senhor provedor de Justiça, em 19 de novembro de 2004″, acrescentou.

Em declarações à Lusa, Jorge Veloso (PS), presidente da Anafre, explicou que a emissão de um atestado de residência pelas juntas de freguesia, segundo a lei em vigor, é um ato meramente administrativo, não tendo as juntas um papel de fiscalização.

Isso também não impede que, em casos suspeitos estas se recusem a passar o atestado sem mais provas, ou que, até, peçam a intervenção das autoridades competentes para fiscalizar, mas “esta não pode ser uma regra aplicada a todo e qualquer cidadão que requeira o atestado só com base na sua origem”, disse.

Jorge Veloso considerou que as juntas que exigem um título de residência válido estão a inverter o processo, já que “é ao contrário”: para terem um título de residência válido e acesso a serviços essenciais estes cidadãos precisam que uma junta de freguesia lhes passe um atestado de residência.

A decisão de limitar o acesso a atestados de residência por algumas freguesias foi contestada pelo Governo, pelo PS, BE e CDU na freguesia de Arroios e por mais de uma dezena de associações de apoio a migrantes e antirracistas, que destacam que este documento é “exigido para coisas tão essenciais como a obtenção de uma autorização de residência, a inscrição no Serviço Nacional de Saúde, na escola ou até nas Finanças”.

Governo repudia decisão da junta lisboeta de Arroios quanto à emissão de atestados de residência

“Compete às autarquias, nomeadamente às câmaras municipais, fiscalizar o número de pessoas que vivem nas habitações e as condições em que vivem, mas não devem extrapolar essas competências, nomeadamente exigindo títulos de residência para a obtenção do atestado de residência”, indicou o gabinete da ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, em resposta escrita à agência Lusa.

Também 50 profissionais de saúde da Unidade Local de Saúde de São José, no centro de Lisboa, exigiram à Junta de Arroios que “suspenda imediatamente” a decisão, por considerarem que esta “medida abusiva” dificulta o acesso de comunidades vulneráveis a cuidados de saúde.

Numa resposta enviada à Lusa, a Junta de Freguesia de Arroios (coligação “Novos Tempos”, de PSD/CDS-PP/MPT/PPM/Aliança) justificou a medida por estar legalmente “impedida de emitir documentos que contenham declarações e outras decisões que não estejam em conformidade com a lei aplicável”.

Para o executivo da Junta, a autarquia “tem o dever” de “solicitar que o requerente faça prova de ser, de facto e de direito, titular de título de residência válido”, sob pena de não poder deferir o pedido, salientando que tem sido este “o entendimento sufragado, entre outras entidades administrativas, pela Direção-Geral das Autarquias Locais e pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional — Norte”.