A procuradora-geral adjunta Maria José Fernandes considera que o Ministério Público (MP) precisa de autocrítica para se modernizar e ser mais ágil e defende que os megaprocessos pendentes há mais de dois anos devem ter nova estratégia investigatória.

A propósito do manifesto subscrito por cerca de uma centena de personalidades em defesa de uma reforma da Justiça divulgado no mês passado, Maria José Fernandes, num artigo publicado nesta segunda-feira no jornal Público, considera que houve má interpretação ao dizer-se que se tratava de um processo de intenções e lembra a sondagem em que os portugueses deram nota negativa ao funcionamento da Justiça.

“Talvez por falta de argumentos, foi desfraldada a já muito corrida e infundada conclusão de processo de intenções: diz-se que os subscritores do Manifesto querem acabar com a autonomia do MP [Ministério Público] e submetê-lo a um dirigismo autoritário”, escreve a procuradora-geral adjunta.

Lembrando a recente sondagem em que 72% dos portugueses contactados avaliam como mau/muito mau o funcionamento da justiça em geral – “cabendo concretamente ao MP uma avaliação nesse grau” -, considera que tais indicadores devem fazer o MP “olhar para dentro, sem espaço para vitimizações”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Auguro que os menos informados possam ser levados a pensar que a autonomia interna e externa dos procuradores da República é um direito pessoal que os habilita a agir em cada caso, segundo interpretações ou visões personalistas da situação. Nada de mais errado”, afirma.

Sublinha que tal autonomia é “uma prerrogativa funcional” que visa “garantir um exercício profissional livre de influências” e, porque os magistrados “atuam ao serviço da lei e da comunidade de cidadãos”, considera legítima a crítica.

Defende que, ao “olhar para dentro”, o MP deve “enumerar os problemas, entropias, as más e/ou deficientes respostas, os seus porquês”, para “mais facilmente” se encontrarem “soluções realistas, adaptadas às dinâmicas e exigências do tempo presente”. “A inteligência artificial e o seu potencial para o bem poderão criar ferramentas destinadas à execução fácil de muitos atos — não decisórios, obviamente — necessários à interação do sistema com o utente”, considera.

Na defesa de um MP mais ágil, defende que era urgente ponderar a “sentença negociada, para certo tipo de criminalidade, sem perda de garantias” e uma revisão no regime de recursos, “abolindo o excessivo e redundante”.

Outra urgência, indica, é a enumeração de todos os chamados megaprocessos, “ou de idêntico volume”, pendentes há mais de dois anos para que se possa avaliar as razões da não conclusão e, “sendo necessário e possível”, redefinir a estratégia investigatória. “Impõe-se pôr a zero o contador dos atrasos, em qualquer das áreas jurisdicionais, e andar para a frente sem queixumes”, considera a procuradora, insistindo: “A comunidade de cidadãos, que é sábia, reclama atuação e eficácia e não aceita mais desculpas inviáveis”.

A magistrada já tinha sido crítica do trabalho do MP, quando num artigo publicado em novembro, igualmente no Público, questionou os métodos de trabalho e de investigação e, embora sem se referir à Operação Influencer, questionou como foi possível chegar até “à tomada de decisões que provocaram uma monumental crise política e cujas consequências vão ainda no adro”.

No artigo , a procuradora alegava, entre outros pontos, que “os desfechos de vários casos já julgados permitem extrair que há aspetos do trabalho dos procuradores de investigação a carecer revisão e aprimoramento pelo exercício da autocrítica”. Na sequência deste artigo, o conselho superior do MP instaurou um processo disciplinar à procuradora.