Enviado especial do Observador em Paris, França

Pode ser apenas uma coincidência, não parece ser casual. O caminho entre a paragem de metro mais próxima da Ponte Alexandre III e o Grand Palais até tem uma loja da Gucci daquelas que quase se paga só de olhar e que um pé no interior já equivale a um ordenado normal mas havia tudo menos glamour. Menos glamour, mais polícia. Muito mais polícia. Só da Gendarmerie Nationale não estariam menos de 50 carrinhas, a que depois se juntavam vários carros de outras polícias, todos atrás uns dos outros. Até aquilo que víamos nesse trajeto era diferente em relação aos últimos dias, com autoridades de metralhadora na mão e com aquela postura bem mais “intimidatória” mesmo para quem não faz nada de mal. Quando chegámos a La Défense, muito antes de mais um dia de finais na natação, registámos também um aparato maior do que é normal à saída do metro. Ok, assim não podia ser pelo que se passava no Grand Palais. Mas podia ser.

O Grand Palais, um dos edifícios mais icónicos e reconhecidos de Paris, também tem a sua parte “invisível” que não é propriamente a mais bonita. Ou melhor, por dentro também tem traços distintivos que nos podem remeter para uma outra era mas a caminho da sala de imprensa aquilo que encontramos são sobretudo locais inacabados, em obras, envelhecidos ou reformulados. Umas escadas em caracol de cimento, um corredor longo com uma espécie de pré-fabricados para a organização, a chegada à sala que tínhamos como destino. Aí, é uma sala de imprensa normal mas com uma curiosidade: é a única que visitámos até agora que mistura mais do que uma modalidade. Pessoas que estiveram no triatlo, pessoas que estiveram ou estão na esgrima, poucas cadeiras vazias e uma oportunidade para irmos até mais um desporto nestes Jogos.

Se um dos grandes objetivos dos responsáveis é juntarem às provas desportivas a “promoção” alguns pontos icónicos da cidade de Paris, algo que acontece em muitos dos recintos (na zona mista do triatlo estamos ao lado das estátuas douradas da Ponte Alexandre III e com a Torre Eiffel no enfiamento da vista), a enorme sala onde está a ser disputada a esgrima não fica atrás, com duas bancadas gigantes e outra mais pequena tendo a envolvência do interior lindíssimo – neste caso, está tudo preservado – do Grand Palais. Só pela vista valia a pena, pela competição também: estão a ser jogados os quartos da prova de sabre por equipas, só com um duelo mais desequilibrado, três disputados até ao fim e um tapete especial que só não concentra todas as atenções porque a França também está em ação (e a maioria do recinto é gaulesa).

Os EUA, que contam sempre em ganhar uma medalha seja no que for, apostavam forte nesta equipa que era uma das mais especiais de toda a delegação. Como o Wall Street Journal recordava num texto esta quarta-feira, Harvard é conhecida por produzir presidentes norte-americanos, prémios Nobel e pessoas que adoram dizer que passaram pela faculdade. Tudo menos por produzir atletas, muito menos olímpicos. Neste caso, e só na esgrima, são oito, seis dos EUA e mais dois do Canadá, com a particularidade de todos os quatro da equipa masculina de sabre serem da reputada instituição entre três alunos com matrícula e um caloiro.

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Contas feitas, entre os 53 países representados na esgrima em Paris-2024, 42 têm menos elementos do que só a universidade de Harvard. “Nós não somos uns super nerds, apesar de por alguma razão haver esse estereótipo em relação a nós”, reforçou outra das atletas na modalidade, Elizabeth Tartakovsky, à publicação. Foi um programa com suecesso, é um programa para ficar e já com uma nova geração a aparecer, com Colin Heathcock a nascer na China, a crescer na Califórnia, a treinar em França e a competir pela Alemanha antes de mudar-se para os EUA. Era também com ele que os norte-americanos procuravam a “vingança”.

Nos últimos Jogos de Tóquio, EUA e Irão tiveram um dos combates mais difíceis por ser pelo apuramento do quinto ao oitavos lugares, já sem medalhas como possibilidade. Os asiáticos levaram a melhor. Agora só um podia ter entrada nas meias-finais e a tensão, que tem um sem número de razões políticas em paralelo com as desportivas, notava-se. A forma como se celebrava cada ponto marcado, como se fosse um daqueles cortes de carrinho no futsal ou um golo, a maneira como se protestava cada decisão mais duvidosa sobre quem tinha tocado primeiro, as próprias movimentações no banco. Houve até um momento aceso em que Ali Pakdaman não gostou da forma como Colin Heathcock festejou, foi para ele com cara de poucos amigos e ameaçou dar-lhe ainda um toque. Os atletas trocavam, a vantagem dos norte-americanos permanecia.

Num dos lados, a Coreia do Sul, campeã olímpica em título, batia de forma tranquila o Canadá por 45-33 no primeiro encontro dos quartos a terminar. Mais à frente, a Hungria conseguiu disparar na parte final e bateu a Itália por 45-38. Também lá ao fundo, a França até chegou a ter uma desvantagem pesada mas conseguiu-se livrar do Egito para milhares dos presentes, ganhando por 45-41. Entre EUA e Irão, maior equilíbrio era impossível e a decisão chegou mesmo a uma fase decisiva em que um ponto valia a vitória e foi aí que Ali Pakdaman apareceu de novo ao melhor nível, tocando em Eli Derschwitz e dando o triunfo por 45-44.

Grande festa dos iranianos, o espírito de fair play possível para os norte-americanos que já consideravam a festa um pouco excessiva, o olhar em frente de Derschwitz por sentir que esteve tão perto da vitória. Esse desconsolo era evidente e foi também aí que vimos algo que ainda não tínhamos visto numa zona mista dos EUA: apesar dos pedidos para que pudessem parar para falar com os jornalistas, todos os elementos dos EUA foram passando com cara frustrada sem olharem sequer para quem chamava por eles e seguindo depois para caminhos errados no regresso aos balneários, como aconteceu com Mitchell Saron. Harvard não vai deixar de ser a universidade que produz presidentes, prémios Nobel e pessoas que adoram dizer que passaram pela faculdade mas ainda não tem uma cadeira de como lidar com a derrota…