Nas eleições presidenciais norte-americanas de 1976, o quadro editorial do jornal Washington Post apoiou a candidatura de Jimmy Carter e, desde aí, todos os democratas que se seguiram. Até esta quinta-feira, quando o publisher anunciou que não o vão fazer para as eleições do próximo dia 5 de novembro. A decisão terá vindo diretamente do dono, Jeff Bezos, e já gerou demissões. Do outro lado dos Estados Unidos, acontece o mesmo no Los Angeles Times.

“O Washington Post não vai fazer declarações de apoio a um candidato presidencial nesta eleição. Nem em nenhuma eleição presidencial futura. Estamos a regressar às nossas raízes, de não apoiar candidatos presidenciais”, pode ler-se numa nota do publisher, William Lewis, que assumiu funções em janeiro deste ano, numa referência à postura assumida pelo jornal nas eleições antes de 1976. “Reconhecemos que isto vai ser lido de uma série de formas, incluindo como um apoio tácito a um candidato ou uma condenação do outro, ou como uma abdicação de responsabilidade. Isso é inevitável”, acrescenta Lewis, justificando a escolha com a defesa dos valores do Post e com a “confiança na capacidade dos leitores decidirem por si mesmos”.

A declaração de apoio a um candidato presidencial é feita pela pela equipa editorial — que opera de forma separada dos jornalistas que escrevem diretamente para o jornal — e já teria sido escrita, a favor de Kamala Harris, escreve o próprio Post, citando duas fontes anónimas dentro do jornal. Com as eleições a menos de duas semanas e as sondagens mais renhidas desde que a vice-Presidente assumiu a liderança da campanha, a declaração de apoio estava prevista como habitual. As mesmas fontes dizem que a mudança de posição foi uma ordem do multi-milionário Jeff Bezos, que comprou o jornal em 2013.

A equipa editorial reagiu com “choque, fúria e surpresa”, disse um dos membros à publicação Semafor, que adianta ainda que o editor Robert Kagan apresentou imediatamente a sua demissão. “Se não têm a coragem para ser donos de um jornal, não o sejam”, acrescentou a mesma fonte. Também Martin Baron, anterior editor executivo do Post, criticou a decisão. “Isto é uma cobardia, um momento sombrio que vai deixar danos na democracia”, afirmou, numa referência ao lema do jornal “A democracia morre na escuridão”. “Donald Trump vai celebrar isto como um convite para continuar a intimidar Jeff Bezos e outros donos de meios de comunicação”, acrescentou. Baron foi editor executivo durante a presidência Trump e sob a sua liderança, o Post ganhou onze Pulitzers, incluindo um pela cobertura dos motins no Capitólio, a 6 de janeiro de 2021.

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As consequências desta decisão também se fizeram sentir nas subscrições: 2000 leitores terão cancelado as suas assinaturas do jornal, nas horas que se seguiram à publicação da nota de Lewis, escreve o Semafor.

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Em Los Angeles, “o genocídio foi a linha na areia”

Com esta decisão, o Washington Post é o segundo jornal norte-americano a quebrar a tradição de apoio a candidatos presidenciais no espaço de uma semana, depois de o Los Angeles Times também o ter feito. Mariel Garza, editora dos editoriais no LA Times, apresentou a demissão na quarta-feira, depois de o dono do jornal, Patrick Soon-Shiong, ter anunciado à sua equipa que este ano não iam ser declarados apoios, no início do mês.

Tal como aconteceu no Post, Garza já tinha um rascunho para uma declaração a Kamala Harris. “Demito-me porque quero deixar claro que não concordo com ficarmos em silêncio. Em tempos perigosos, pessoas honestas têm de se levantar. É assim que o faço.”, justificou numa entrevista com a Columbia Journalism Review. Robert Greene, também ele vencedor de um Pulitzer, e Karin Klein juntaram-se a Garza e também apresentaram a demissão, esta sexta-feira.

Soon-Shiong clarificou a sua decisão, explicando que apresentou à equipa editorial a possibilidade de criar “uma análise factual de todas as políticas positivas e negativas de cada candidato”, mas que esta foi recusada. O dono do LA Times fez ainda uma avaliação semelhante ao publisher do Post sobre as declarações de apoio. “Os nossos leitores conseguem decidir quem é digno de ser Presidente nos próximos quatro anos”, escreveu na rede social X.

A sua filha, Nika Soon-Shiong, foi mais longe e relacionou o bloqueio do apoio a Kamala Harris com as suas políticas de apoio a Israel. “Há muita controvérsia e confusão sobre a decisão do LAT. Eu confio no julgamento da equipa editorial. Para mim, o genocídio é a linha na areia”, defendeu, também no X. “Isto não é um voto em Donald Trump. Isto é uma recusa em apoiar uma candidata que está a supervisionar uma guerra contra crianças”, acrescentou.