O Ministério da Educação (ME) tentou afastar três vezes um juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que se pronunciou a favor de duas providências cautelares interpostas por colégios privados contra o ME. O juiz Tiago Afonso Lopes de Miranda tem ainda nas mãos uma terceira providência, mas o ME duvida da sua imparcialidade porque o magistrado tem a filha a estudar num desses estabelecimentos, noticia o Jornal de Notícias.
“O Ministério confirma o incidente de suspeição de juiz, baseado no facto de anteriormente o próprio juiz ter intentado um processo contra o Ministério da Educação (ME) para que um filho tivesse lugar num colégio com contrato de associação para além do número de turmas contratadas. Porém, o ME não fará a este propósito quaisquer comentários fora dos autos do processo”, refere a tutela, numa resposta enviada à agência Lusa.
Em resposta ao jornal Público, tanto o ME como o presidente do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra confirmam que o juiz foi alvo de um pedido de escusa por três vezes — cada uma para cada processo — mas que em nenhum dos casos foi considerado que o juiz foi ou podia ser parcial na sua apreciação.
O juiz Tiago Afonso Lopes de Miranda tem uma filha a frequentar um dos colégios em causa e foi autor de uma ação contra a tutela, na qual defendia o direito da filha a frequentar um colégio com contrato de associação e considerava ilegal a limitação do número de turmas.
Em 2012, o magistrado alegava que não seria “lícito ao Ministério, bem mesmo em defesa de ‘suas’ escolas, eventualmente carecidas de alunos, impedir o mesmo colégio de abrir as turmas suficientes, enfim: criar essa artificial falta de vagas que visa compelir muitos pais que, como os de Maria Madalena [a própria filha], escolheram o projeto educativo deste colégio, a irem fazer diminuir, mediante os seus educandos, os ‘horários zero’ nas escolas do requerido”. A filha de Tiago Afonso Lopes de Miranda continuou a estudar no colégio em causa, embora o pai tenha perdido a ação contra a tutela, revela o Diário de Notícias.
Estes factos levaram o Ministério da Educação a questionar a imparcialidade do juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que na passada segunda-feira decidiu favoravelmente sobre a pretensão do colégio Pedro Teixeira, em Cantanhede, e do Instituto Educativo de Ançã de matricular alunos subsidiados pelo Estado mesmo sem que estes pertençam à área geográfica em que se encontram as escolas. Em causa está ainda uma ação e providência cautelar interpostas por um terceiro colégio, “estando em relação a esta ainda ‘pendente’ a decisão sobre o pedido de afastamento do magistrado”.
Face à acusação de parcialidade, o Tribunal Central Administrativo do Norte decidiu a 28 de junho que “o alinhamento entre os fundamentos da pretensão do Colégio [na base do incidente de suspeição do Ministério] e os fundamentos da pretensão que o próprio juiz da causa formulou em ação que instaurou há quatro anos não constitui motivo adequado a gerar suspeição” refere a decisão citada pelo Diário de Notícias.
Em causa está a guerra que opõe os estabelecimentos de ensino privado com contrato de associação e o Ministério da Educação (ME) que, através de um despacho assinado este ano pela secretária de Estado Adjunta e da Educação, Alexandra Leitão, quis limitar os apoios financeiros aos colégios que se encontram em zonas com falta de oferta pública de escolas.
Os colégios decidiram avançar judicialmente para contestar o despacho que veio introduzir limitações geográficas à origem dos alunos matriculados nos estabelecimentos privados. O juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra decidiu a favor dos colégios de Cantanhede e Ança, permitindo-lhes aceitar inscrições e fazer as matrículas de alunos sem limitação geográfica.
Também esta terça-feira, em comunicado, o Sindicato dos Professores do Centro (SPRC) defendeu que a decisão relativa às duas escolas deveria ser anulada, uma vez que o juiz tem a filha numa das escolas e familiares na outra.
Na nota enviada às redações, o Sindicato dos Professores da Região Centro defendeu que “recaem sobre o juiz fortes suspeitas de parcialidade quanto às decisões agora conhecidas”.
O SPRC lembra que Tiago Miranda tem uma filha que é aluna do colégio de Ançã e que “já agiu contra o Estado quando pretendeu que a sua filha fosse subsidiada, apesar de se encontrar, na altura, fora das turmas com contrato de associação do colégio em que se matriculou. Na altura foi derrotado na sua pretensão”.
Além disso, segundo o sindicato, Tiago Lopes Miranda “tem ainda outras condicionantes à sua participação neste processo, para além da ligação em linha recta com familiares na escola privada de Ançã e de ter já intentado um processo contra o Estado, foi, ainda, aluno no colégio jesuíta de Cernache”.
Em relação à ação do juiz contra a tutela e as decisões que tomou, o Tribunal Central Administrativo do Norte considerou que “não é a mesma coisa formular os fundamentos de uma pretensão em causa própria e decidir uma causa em que esses fundamentos são formulados. Precisamente porque aqui o juiz está vinculado a deveres de imparcialidade e ali não.”
(artigo atualizado às 16h37)