Aos 14 minutos, definiu uma linha de pressão mais subida, conseguiu recuperar a bola no meio-campo adversário, avançou em progressão e soltou para Corona brilhar na direita; aos 19′, encontrou o movimento de rutura de Brahimi e quebrou por completo o movimento natural que a defesa contrária estava a fazer; aos 24′, lançou largo em profundidade nas costas dos centrais para Corona que sofreu um toque e não deu o melhor seguimento ao lance quando só tinha o guarda-redes Guilherme pela frente. Óliver Torres chegou ao FC Porto como uma pequena máquina de futebol, aquele jogador pequeno de estatura mas grande de ideias com aquela ginga própria de quem é artista da bola. Pelo meio, perdeu-se. Deixou de jogar. Deixou de ter influência. A certa altura, quando menos se esperava, mudou.  E ganhou o lugar que deveria ser seu por direito próprio.

O internacional Sub-21 espanhol aproveitou um jogo de resultado mais do que provável para mostrar uma nova face. Contra o Vila Real, naquela noite em que Adrián López apontou um póquer contra uma equipa do terceiro escalão nacional, teve o mérito de não facilitar, de encarar aquela partida em Trás-os-Montes como se fosse uma final da Liga dos Campeões. Driblou, assistiu, recuperou. Espalhou classe num campo que está habituado a tudo menos aquilo. Essa atitude valeu-lhe de novo a titularidade, neste caso num encontro que contava mesmo para a Champions em Moscovo. Nunca mais saiu das opções iniciais. Óliver Torres chegou ao Dragão como uma empresa recente mas de créditos firmados no futebol. Atravessou uma fase menos positiva mas não cruzou os braços. Mudou o seu futebol. Reinventou-se. É como que uma startup em potência aos 23 anos.

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Na véspera do primeiro encontro oficial com Sérgio Conceição no FC Porto, em agosto de 2017, o médio projetou as ambições que tinha depois de ter visto os dragões assegurarem em definitivo o seu passe ao Atl. Madrid. “Trabalho para que se esqueçam dos 20 milhões [n.d.r. o valor que custou ao FC Porto quando saiu do Atl. Madrid] e me vejam como um jogador que honra a camisola”, assegurou. “O que pede o treinador? Muita intensidade na hora de defender e, quando atacamos, quer que dê soluções, que esteja ativo e que tenha muita mobilidade. Que dê soluções aos companheiros e tenha movimentos claros. Dessa forma, as coisas saem melhor e a equipa tem mais dinâmica e recursos (…) Tem insistido que comuniquemos muito entre nós e acho que isso vai ser decisivo esta época. Para isso temos de ser verticais na procura da baliza contrária”, acrescentou.

Ficha de jogo

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FC Porto-Lokomotiv Moscovo, 4-1

4.ª jornada do grupo D da Liga dos Campeões

Estádio do Dragão, no Porto

Árbitro: Davide Massa (Itália)

FC Porto: Casillas; Maxi Pereira, Felipe, Éder Militão, Alex Telles; Danilo, Óliver Torres (Sérgio Oliveira, 84′), Herrera; Corona (Hernâni, 77′), Brahimi (Otávio, 68′) e Marega

Suplentes não utilizados: Vaná, Diogo Leite, Adrián López e André Pereira

Treinador: Sérgio Conceição

Lokomotiv Moscovo: Guilherme; Ignatyev, Howedes, Corluka, Idowu; Denisov, Krychowiak; Anton Miranchuk, Manuel Fernandes (Farfán, 46′); Aleksei Miranchuk e Éder (Smolov, 71′)

Suplentes não utilizados: Kochenkov, Barinov, Mikhalik, Rotenberg e Lyson

Treinador: Yuri Semin

Golos: Herrera (2′), Marega (43′), Farfán (59′), Corona (67′) e Otávio (90+3′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Corluka (3′), Felipe (48′), Éder Militão (61′) e Otávio (84′)

O estudante que ainda sonha terminar o curso de Jornalismo tinha a teoria na ponta da língua mas, depois de começar como titular, esgasgou-se e falhou a parte mais prática. Até mesmo depois da grave lesão de Danilo, não encontrou espaço. Hoje, é de novo opção inicial e mereceu rasgados elogios por parte de Sérgio Conceição na antecâmara deste jogo.

“Tem a ver com várias conversas e muitas unidades de treino para que ele se aproximasse daquilo que eu queria. E atenção, não tem nada a ver com castrar aquilo que o Óliver tem de melhor; tem a ver com um jogo de futebol, na minha opinião, cada vez com maior velocidade, mais intensidade, mais duelos, conquistas de primeiras e segundas bolas. E o Óliver melhorou muito em vários aspetos, nomeadamente no jogo sem bola. Não nos podemos esquecer que um jogo tem 90 minutos e, em 88, os jogadores andam a correr com bola. Se calhar o Messi tem a bola uns dois minutos e meio ou o Brahimi, quando às vezes pega na bola e sai do registo que eu quero. Há uma série de outras situações em que é importante estar dentro, participar, e essas características não são as do Óliver mas tem feito um trabalho magnífico nesse sentido, sem bola e a chegar mais à área adversária. Faz parte do que penso sobre o médio moderno – não interessa se é defensivo –, tem de haver complementaridade. Essa aceitação, essa humildade em perceber que tinha de mudar algo para poder entrar na equipa fez com que entrasse”, disse.

Mais uma vez, Óliver Torres não desiludiu. Foi o melhor em campo e saiu aos 84′ com uma ovação de pé do Dragão. Pelo que fez com bola, entre os passes de rutura, em profundidade e variando rapidamente os flancos (e foi por aí que esteve o segredo da goleada do FC Porto por 4-1); pelo que fez sem bola, o que lhe valeu inúmeras interceções, desarmes e recuperações. O passe para o terceiro golo de Corona acabou por ser apenas a cereja no topo do bolo em mais uma grande noite.

Os azuis e brancos fizeram apenas uma alteração na equipa, com a saída de Soares (que não está inscrito na Liga dos Campeões) e a entrada de Herrera. Sérgio Conceição explicara que o médio tinha estado condicionado nos últimos tempos mas a entrada foi de “matador”: jogada de envolvimento na direita com Maxi Pereira a encontrar a desmarcação de Marega, cruzamento atrasado na linha de fundo e toque final do mexicano para o primeiro golo da noite sem Guilherme na baliza (2′). Pouco depois, foi Corona a ir à linha de fundo mas o cruzamento não teve finalização. A seguir foi Alex Telles. As laterais tinham passadeiras estendidas para o FC Porto usar e abusar, faltando apenas mais presença na área para aumentar a vantagem.

O Lokomotiv acabou a primeira parte com apenas três remates e nenhum enquadrado. Houve uma bola perigosa de Aleksei Miranchuk um pouco ao lado e pouco mais. No entanto, não foi também propriamente uma grande exibição até ao intervalo do FC Porto, com alguns erros nas transições defensivas e lapsos que poderiam ter outros custos contra um adversário mais esclarecido. Ainda assim, e se começara da melhor forma, acabou ainda melhor: mudaram os protagonistas, Herrera assistiu Marega em profundidade nas costas da defesa russa e o maliano foi até à área apontar o segundo golo (43′).

No segundo tempo, com a entrada de Farfán e uma dose extra de intranquilidade da defesa azul e branca, o Lokomotiv teve uma espécie de último suspiro em busca de um resultado que não afastasse desde já a equipa dos oitavos da Liga dos Campeões. Corona, de cabeça, ainda teve uma bola no poste (54′) mas foram os russos a subir linhas e a chegarem mesmo ao golo, com o avançado peruano a aproveitar uma falha de marcação após canto para reduzir para 2-1 (59′). Sobretudo nas bolas paradas, havia uma tremideira anormal entre os campeões nacionais que só o 3-1 terminou de vez.

Aproveitando mais um deslize de Guilherme (os encontros do guarda-redes brasileiro contra o FC Porto foram desastrosos), Óliver Torres conseguiu intercetar um pontapé longo mal feito pelo guardião do conjunto moscovita, isolou Corona com um passe fantástico e o mexicano rematou forte para o golo que “matou” o encontro. Até ao final, entre um ou outro susto, as bancadas renderam-se sobretudo no momentos das substituições de Éder e do médio espanhola e muitos já não chegaram a ver o momento de Otávio que carimbou a goleada, com um remate de fora da área em cima do apito final (90+3′). O FC Porto fica apenas a um ponto da passagem aos oitavos de final mas houve outros pontos positivos na exibição. O principal, Óliver Torres.