Estamos a um dia do início da 5ª edição do NOS Primavera Sound, um festival que já faz parte lista dos melhores do país. Primo direito do congénere espanhol (que decorreu no fim de semana passado), absorve dele o espírito musical, mas a uma escala menor – o que não é necessariamente uma desvantagem. O Primavera Sound de Barcelona, um dos festivais mais importantes da Europa, não partilha com o do Porto apenas o nome, boa parte do cartaz é importado, sorte a nossa, esta oportunidade de poder ter em Portugal alguns dos artistas mais importantes do mundo, olhando para o território alternativo do pop/rock e da eletrónica.

A geografia do Parque da Cidade faz do NOS Primavera Sound um dos festivais mais bonitos do país e, provavelmente, da Europa. O testemunho não é apenas nosso, é expresso também pelo número e pela opinião dos muitos estrangeiros que visitam Portugal pela primeira vez, a reboque do festival. Começam por esgotar a capacidade hoteleira do Porto e depois muitos seguem viagem para outros cantos do país, como pudemos constatar nas várias conversas que tivemos nas edições anteriores.

Se esta é a primeira vez que vai ao NOS Primavera Sound, há pelo menos seis coisas que convém saber:

  1. Três dos quatro palcos estão instalados em anfiteatros naturais de terreno inclinado, que oferecem à plateia condições ótimas de visibilidade. Um luxo, acredite.
  2. Caso a chuva não apareça (ao que tudo indica, este ano haverá bom tempo) e a brisa marítima não acelere com o cair do dia, o som estará no ponto e a relva irá manter-se seca. Ainda assim, recomendamos roupa confortável e quente.
  3. Os acessos são bons, estacionar não costuma ser caótico mas, se possível, dê uso aos transportes públicos, em particular o Metro.
  4. Come-se bem no festival. Algumas das tascas típicas da região vão lá estar representadas e, por isso, a não ser pelo preço não há desculpa para não se alimentar bem. Também vai encontrar sítios onde tomar bom vinho a copo, do Porto e do Douro.
  5. O Parque da Cidade é, naturalmente, um espaço preparado para receber famílias. Que os filhos não sejam desculpa para faltar à festa, isto porque mesmo que os bilhetes estejam esgotados a circulação é fluida, sem atropelos perigosos. Além disso, há um recinto próprio para as brincadeiras, com atividades geridas por educadoras, espaço para preparar refeições, fraldário e até um parque para estacionar os carrinhos de bebé. O som nos festivais é sempre muito alto, mas a organização cede gratuitamente auscultadores de proteção, para que possa estar com os miúdos em segurança enquanto assiste aos espetáculos.
  6. Há muito para ver no Porto, enquanto a música descansa. Conheça as nossas sugestões — também disponíveis em inglês e espanhol, façam o favor de recomendar aos amigos e conhecidos.

O NOS Primavera Sound arranca sempre a meio-gás, entenda-se, com apenas dois dos quatro palcos a funcionar — os principais estão montados lado a lado — o que não significa que o interesse seja menor (já vamos a essa parte). Estamos a tirar da contagem a tenda eletrónica, que na quinta-feira só abre à uma da madrugada.

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Dois aspetos positivos do primeiro dia: poupam-se as pernas e o desperdício de atenção é igual a zero, uma vez que não existem sobreposições. O mesmo não se pode dizer dos dias que se seguem, em que alguma coisa (boa) vai ficar por ver e ouvir, porque além dos palcos NOS e Super Bock, vão estar em pleno funcionamento o Palco. (patrocinado pela Câmara Municipal do Porto, antes conhecido por Palco ATP) que recebe o som mais “pesado” — numa envolvente lindíssima — e o Palco Pitchfork (o nome diz tudo).

Por isso vale a pena olhar com atenção para o cartaz e, de caminho, instale a aplicação (Android e iOS) no smartphone para organizar a agenda. Se está indeciso ou vai à descoberta, siga as nossas sugestões – escolhas como estas são sempre difíceis e subjetivas, ainda por cima num cartaz deste calibre. Mas vamos lá, “Música Maestro”!

Quinta-feira, dia 9

O NOS Primavera Sound arranca a matar, com um dia onde é difícil fazer sublinhados. Mas começamos com os Sensible Soccers (17h00), uma banda portuguesa a um passo de se tornar internacional. Já os vimos ao vivo e damos como garantido uma boa mistura psicadélica de guitarras com eletrónica, ao nível do melhor que se faz por esse mundo fora. Faça os possíveis para chegar a horas e ver trio de Vila do Conde e São João da Madeira, vai valer a pena.

Três anos depois, os Wild Nothing (18h50) de Jack Tatun regressam ao NOS Primavera Sound, vão tocar ainda com muita luz mas, nesta nossa lista, são das principais atrações do cartaz deste ano. Talvez merecessem uma hora mais tardia, quanto mais não fosse pela oportunidade de ter mais assistência, sobretudo porque cresceram muito com o último Life of Pause (2016), um disco indie pop que mereceu um destaque nas nossas sugestões semanais. Mas é de esperar uma passagem pelos dois álbuns anteriores, material menos arrumadinho, mais lo-fi mas ainda assim, com muito brilho.

A norte-americana Julia Holter (21h10) editou no ano passado o quarto álbum de estúdio, Have You In My Wilderness, que figurou em muitas das listas dos melhores do ano. A beleza da voz e a doçura das canções são inquestionáveis, pelo que se pode esperar um início de noite ternurento.

Seguem-se os cabeça de cartaz, os islandeses Sigur Rós (22h20), uma banda bem conhecida dos portugueses. Com mais de 20 anos de carreira e sete álbuns nas prateleiras, o último dos quais já com três anos, deverão trazer a palco um apanhado da sua história.

Ao virar do dia tocam os nova-iorquinos Parquet Courts (00h00), banda que vai dar o primeiro toque punk ao Parque da Cidade. Com mais rigor, da nova cena punk, porque ainda que mantenham o espírito na atitude, musicalmente tratam esta franja do rock de uma forma mais macia. O quinto álbum Human Performance (2016) recebeu boas criticas, não será por isso de estranhar a curiosidade e expectativa de os ver ao vivo.

Os Animal Collective atuam às 1h10. Vêm apresentar Painting With (2016), o décimo disco. Não é brilhante, mas segue na linha do que a banda norte-americana sabe fazer melhor: reunir amigos num coletivo de pop experimental. É preciso ter ouvidos bem permeáveis, mas vai ser para dançar.

Por falar em dançar, se ainda tiver pedalada, o espanhol John Talabot estará atrás dos pratos no palco Pitchfork quando forem 4h15, para mostrar porque é tão requisitado no meio da música indie e eletrónica. Porque é um dos melhores.

Sexta-feira, dia 10

Outro nome português a abrir o segundo dia. White Haus (17h) é o projeto a solo de João Vieira dos W-Wife, segue a deriva eletro-pop e traz na calha o segundo álbum (“This is Heaven” é o primeiro single) por isso é de esperar música nova a juntar ao primeiro álbum homónimo e EP. Tem tudo para correr bem, ainda por cima joga em casa (no Porto).

Às 18h50, sobe ao palco o canadiano Dan Bejar (Destroyer), um cantor e compositor com duas décadas de carreira e uma dezena de discos em carteira. É um nome que muitos devem conhecer associado aos conterrâneos The New Pornographers (que atuaram na edição do ano passado do NOS Primavera Sound), tem para apresentar o último Poison Season (2015) e, é de esperar, um pouco de cada uma das viagens passadas. Bom indie rock para ouvir enquanto o Sol desce.

Mas é no lusco-fusco (20h) que vamos poder assistir a um dos espetáculos mais importantes do festival (e do ano): Brian Wilson vai tocar o histórico Pet Sounds (1966) dos The Beach Boys, banda californiana de surf rock de que foi fundador. Em 2003 a revista Rolling Stone considerou Pet Sounds o segundo álbum mais importante de todos os tempos (só superado por Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band dos The Beatles), a influência musical dos The Beach Boys é inegável, Brian Wilson continua em boa forma mas já não vai para novo (tem 73 anos), por tudo isso esta é uma oportunidade quase única de ver e ouvir, ao vivo, dois colossos (artista e álbum). Será um concerto para saudosistas, mas também um documentário (ao) vivo da história da música.

Às 22h o Palco ATP recebe Sam Shepherd, DJ e produtor (e neurocientista!) britânico conhecido no meio por Floating Points, um projeto que funde o jazz com a eletrónica num caldeirão experimental, que já chegou a ser apresentado com uma banda de 16 músicos. Não sabemos quantos vão estar no Porto, mas podemos dizer que Elaenia (2015), o álbum de estreia, figurou em algumas listas dos mais importantes registos do ano passado com justa causa. É como muita curiosidade que o vamos receber, ao vivo.

Meia hora depois (22h35), as atenções viram-se para o palco principal, onde vai estar PJ Harvey, uma das artistas mais importantes e influentes das últimas quase três décadas, no panorama do rock alternativo. A também britânica Polly Jean tem um novo álbum chamado The Hope Six Demolition Project (2016), que ainda não terá tido tempo para amadurecer no ouvido da maioria dos fãs, que vão esperar por temas mais antigos, desde o antecessor Let England Shake (2011) até momentos que remontam a meados da década de 1990, mais concretamente a To Bring You My Love (1995). Bem, isto são os nossos desejos, venha o que vier, será uma voz e intensidade que fará abanar o Parque da Cidade.

Num registo completamente diferente, os Kiasmos estão também na lista dos artistas mais aguardados deste cartaz. Quem? Bem, eles são uma dupla islandesa formada por Ólafur Arnalds e Janus Rasmussen (natural das Ilhas Faroé, um pouco mais a Sul), o primeiro é um músico e compositor de inspiração clássica (atuou há dois anos em Portugal, com Rodrigo Leão – leia aqui a reportagem), o segundo é DJ e produtor de música eletrónica. Juntos formam uma dupla de techno minimal, devidamente impressa no álbum homónimo de 2014, que servirá de base para um espetáculo que terá também uma forte componente visual (e experimental, o improviso é o nome do meio de cada um). Vai ser para dançar, de olhos abertos ou fechados, mas até chegar às nuvens.

Sábado, dia 11

Os Linda Martini (17h55) são a banda portuguesa incluída no alinhamento do terceiro dia. Já aqui escrevemos sobre o novo Sirumba (2016), é certo que levarão ao Parque da Cidade a atmosfera punk rock que fez deles um dos grupos de culto na música moderna portuguesa.

Com o cair da tarde (20h30) chegam os Autolux, banda de Los Angeles que publicou no passado mês de abril o terceiro álbum, Pussy’s Dead — e está mais ou menos tudo dito. Rock e eletrónica pesada, não no sentido barulhento do termo, mas na atmosfera. Há pássaros que vão cair das árvores.

Um pouco mais tarde (21h10), os Battles vão adensar ainda mais o ambiente com rock progressivo maioritariamente instrumental, que cruza as influências jazz com elevadas doses de experimentação, sem acessórios além dos instrumentos de palco (gabam-se disso, de não usar “máquinas”). O trio nova-iorquino já anda nisto há mais de dez anos, mas vão ser para muitos, seguramente, uma boa surpresa.

Depois os franceses Air (22h30) com honras de palco principal, como não podia deixar de ser (sem ironias). Sem nada de particularmente novo para mostrar (que se saiba), Nicolas Godin e Jean-Benoît Dunckel vão celebrar os velhos êxitos de Moon Safari (1998) e da famosa banda sonora The Virgins Suicides (2000) – filme de Sofia Coppola – entre outros. Vai ser um desfile de pop eletrónica com a elegância que lhes deu fama. Recordar é viver.

Às 23h50 sobrem ao palco os texanos Explosions in the Sky, que editaram em abril o sétimo álbum, The Wilderness. Será essa a (boa) base do espetáculo desta terceira noite, que não deverá esquecer outras texturas negras do passado – esperamos que não se esqueçam de The Earth Is Not a Cold Dead Place (2003). Para quem nunca ouviu falar neles: são uma banda de rock instrumental, muitas vezes lento, outras a roçar o caótico, sempre com uma carga escura e densa. São uma tareia boa de se levar.

Quando for uma da manhã, senhoras e senhores, Moderat. Este trio, formado pelos dois Modeselektor e por Apparat (Sascha Ring), representam o que de melhor se faz na música eletrónica alemã – com voz dentro. Editaram este ano o terceiro LP a que chamaram III (neste aspeto são pouco originais), que será um excelente suporte para um espetáculo que vai ter, se acontecer como em Barcelona, a semana passada, uma componente visual de encher o olho. A música, fará o resto.

Depois de três dias que prometem ser intensos, a quem ainda tiver energia recomendamos que vá dançar ao som dos pratos de Fort Romeau (4h00), o nome de palco do famoso DJ e produtor londrino Mike Green. Uma despedida em grande, a encerrar esta quinta edição do NOS Primavera Sound, já com a primeira luz de domingo no horizonte. E será um bom balanço para a sexta edição em 2017, que tem tudo para acontecer: os passes gerais deste ano já estão esgotados.

Já no ano passado aqui escrevemos:

Uma das maiores forças dos grandes festivais é, ao mesmo tempo, uma fraqueza: a frustração implícita na escolha. O que tende a piorar, porque o NOS Primavera Sound está cada vez maior.

Confirma-se, este ano vai pelo mesmo caminho. Lá estaremos, em direto e com os resumos de cada dia.

Atualização às 22h de 9/6: o Palco ATP chama-se agora Palco. (lê-se “Palco Ponto”, patrocinado pela Câmara Municipal do Porto)